Partindo das emergências vividas no Cone Sul, o debate das chamadas papeleiras (pasteras) é a urgência sonando de uma sirene histórica e nada alarmista. O título e a numeração desta Nota já apontam que o texto que segue é o primeiro desta nova série, o início de alguns. As palavras vão ao encontro da medida tomada pela Procuradoria Geral da República (nuestra Fiscalía), que na figura do Procurador Geral, Antônio Fernando de Souza, entrara com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (Suprema Corte), para impedir o avanço da indústria do eucalipto no sul do Brasil. A medida é uma resposta jurídica a uma medida neoliberal que “agilizara” o licenciamento ambiental, permitindo a expansão da silvicultura no Rio Grande do Sul, por parte do órgão “regulador” estadual, mas sem o devido estudo conclusivo do impacto no meio ambiente que esta nova ocupação “produtiva” já acarreta.
Sempre vale lembrar, tanto para nós mesmos como para los vecinos hermanos, que o estado é lindero de Corrientes (Argentina, cuja fronteira é a costa do Rio Uruguay), cercano a Entre Ríos (também no Litoral argentino) e com uma fronteira seca enorme com a República Oriental del Uruguay (Banda Oriental, território matriz da Liga Federal de los Pueblos Libres). Digo isso porque da parte dos agentes econômicos, o mapa de investimentos enxerga o território como o conjunto de recursos, terra fértil, o segundo maior manancial de água doce do mundo (aqüífero guarani), a segunda maior lagoa fluvial das américas (a Laguna dos Patos, o nosso mar de dentro) e toda a área de banhados dos dois lados da barranca do Rio Uruguay, “rio dos pássaros” no idioma original. Todo o complexo da Bacia do Rio Paraná em sua metade meridional está ameaçado por esta invasão colonial. Ao invés de caravelas e tropas de mamelucos de São Paulo, a gringada vem com engenheiros florestais e mudas transgênicas. Isto sem falar dos governos dóceis e/ou corruptos, em nível central e subnacional, e os financiamentos através de recursos públicos para fins privados e com controle majoritário transnacional.
Nossa perspectiva deve iniciar mirando ao outro lado, não do rio, mas dos agentes desta luta. Considero importante narrar o perfil dos “players” da indústria da celulose e papel atuando no sul do mundo. Segue abaixo um brevíssimo trabalho de pesquisa, em fontes abertas e usando apenas a internet como ferramenta. Todos os dados têm a origem em páginas e portais corporativos oficiais destes conglomerados. Ou seja, a mídia corporativa não investiga ou denuncia, ou apenas narra todas as coisas como são, porque não quer. A boa e velha verdade factual chocante ou estarrecedora deve ficar a lo largo das mentiras do corporate business. O tempo que a redação tomou-me não passara de 45 minutos entre leitura, escrever, revisar, buscar os enlaces e hiperlinks e enviar para o local de postagem.
Detalhe, quem escreve é periodista de ofício, mas docente universitário de profissão. Se fosse um craque do jornalismo de investigação, fazia chover nestas duas laudas. Como analista, me contento com o raciocínio lógico e as evidências irrefutáveis. Justo o oposto da prensa como ela é, incluindo as vivandeiras midiáticas da Província gaúcha, os mesmos coleguinhas que viajaram para a Suécia Finlândia, com as despesas pagas pela Stora Enso, indo conhecer as maravilhas tecnológicas que vão exaurir da terra charrua e tape o recurso mais importante do século XXI, a água! Peço um pouco de paciência para uma leitura acurada das obviedades que narro abaixo. Vamos aos “players”.
A começar pela maravilha bancada pela Intendência de Fray Bentos e que se escora em Tabaré Vázquez para gerar nada mais que 180 postos de trabalho para uruguaios e somente 33 vagas para naturais do Departamento de Rio Negro, cuja sede é a cidade hermana de Gualeguaychu, ou seja, Fray Bentos. Lá está a planta pastera de Botnia, uma empresa finlandesa, cujo capital tem como grande acionista as “cooperativas” de exploração de florestas daquele país, já teve Nokia como pesada investidora e no momento divide seu capital com a UPM-Kymenne. Esta empresa, na origem também finladesa, é a United Paper Mills, surgida em 1870. A mesma se funde com a Kymenne Corp and Repola Ltd e se torna a segunda controladora da própria Botnia.
Duvido que em sã consciência, algum especialista de fora da Escandinávia possa identificar com precisão os controladores de fato deste conglomerado Finlandês. O mesmo se passa com a Aracruz. A nobre empresa produtora de matéria prima para o papel higiênico, tem seu capital oriundo do cruzamento da família de empresários noruegueses, os Lorentzen, com “sangue nobre e nórdico”. Erling Lorentzen, norueguês, filho do empresário de navegação Oivind Lorentzen, se formou em Harvard e veio a casar-se com a princesa Ragnhild Alexandra da Noruega. Sua esposa é filha do Rei Olavo V (Noruega), com a rainha Martha (da Suécia). Assim, o cunhado do chefe do clã que controla 28% da Aracruz (até a próxima mudança de controle de capital, fato que está por vir) é o rei Harald V (monarca da Noruega).
Erling começou a trabalhar no Brasil no ano de 1953 e é muito popular entre a elite de 400 anos, com traumas de aristocracia dos trópicos, em função de sua capacidade como navegador. Os feitos náuticos e empresariais de Erling, somando ao fato dele optar por viver entre nós, brasileiros e latino-americanos, o fez um “exemplo de amor ao Brasil”. Isto segundo executivos dos mais altos escalões, dentre eles o “engenheiro” Eliezer Batista, presidente da Vale do Rio Doce (estatal privatizada através de avaliação da “ilibada” corretora Merril Lynch). Este prestígio também passa pelo controle da NorSul (navegação) além de ter sido controlador acionário da antiga subsidiária de gás da Esso (Exxon Mobile). Os Lorentzen já eram especialistas no negócio de transporte do Gás de Petróleo Liquefeito (GPL), no Golfo do México, e por décadas operaram com a estrutura comprada da ilibada empresa que apoiara o regime do Apertheid Sul Africano.
Uma sócia menor da Botnia e da Aracruz, a Boise Cascade Corporation, tem origem nos EUA e em fevereiro último vendeu toda a parte de beneficiamento de papel. Assim, de uma papeleira, saíram duas empresas, sendo que a Boise Inc. não opera na América Latina. As instalações desta papeleira estadunidense são no município de Guaíba, justo por ironia, na cidade onde saíram as conspirações para a tomada de Porto Alegre e o início da Revolução Farroupilha (1835-1845). A mesma República traída em Ponche Verde (tratado de paz com o Império do Rio de Janeiro), a mesma Liberdade vendida em Porongos (entrega das sentinelas e massacre dos lanceiros negros farrapos para as tropas imperiais) vê sua história trágica ser reescrita com os slogans, spots e peças publicitárias compostos por agências de marketing e negócios que contrataram toques de gaitas de artistas “tradicionalistas”; da estirpe daqueles que “tradicionalmente” venderam a terra e como tal, leiloaram a alma.
Voltando a narrativa das empresas, Operando na Zona Sul-Litoral Sul, está uma empresa brasileira, mas que se articula como transnacional. Trata-se da Votorantim Celulose e Papel (VCP), do Grupo Votorantim, controlado pela família Ermírio de Moraes, líder do cartel do cimento e do alumínio no Brasil. Mesmo com a pecha de “nacional”, a subsidiária de Antônio Ermírio de Moraes tem 48% de sua composição acionária captando investidores no sistema Free Float, jogando em bolsas mundo afora e “prospectando” “players” cujo perfil é de 66% de investidores estrangeiros. Ou seja, um fundo de pensão de velhinhas da Costa Leste dos EUA ou de um príncipe dos Emirados, operado por gente do quilate de Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central e ex-membro do staff de George Soros), pode executar uma compra em massa, pulverizada através de centenas de home brokers e adquirir a mais de 30% das ações da VCP. Quem paga para ver que isso não está por ocorrer ou já ocorreu?
Já a campeã de compra de terras na zona de fronteira é a Stora Enso Brasil, campeã também da atuação de forma ilegal. É simples, a lei brasileira impede que empresas ou naturais estrangeiros sejam proprietários nos 150 kms. da linha de fronteira para dentro do país). A saída, já denunciada por centenas de entidades, é se utilizar de laranjas (testa-ferros) assumidos. É o caso da Azenglever Agropecuária, uma ficção empresarial cujo controle acionário pertence a empregados da transnacional. Esta é a Stora (and) Enso Oyj, uma fusão recente, nascida em 1998. Sua fusão deriva de duas empresas. A finlandesa Enso Oyj e a sueca Swedish Stora Kopparbergs Bergslags Aktiebolag (cuja sigla é STORA). Neste mesmo ano, a transnacional sueco-finlandesa (escandinava), abriu seus investimentos na China, comprando a Suzhou Papyrus Paper. Os “trabalhos” no Brasil iniciam em 1997, quando a então empresa apenas sueca Stora, se associa com a Veracruz Florestal Ltda, então subsidiária da Odebrecht para o ramo de celulose e papel. Em 1998, a razão social muda para Veracel Celulose S/A – enquanto na matriz dá-se a fusão som a Enso Oyj. Em 2000 ocorre a entrada da Aracruz Celulose no empreendimento, consolidando assim “joint venture”. No meio do negócio, capitais da Noruega, Suécia e Finlândia; além da igualmente conduta ilibada dos banqueiros da família Safra.
Usando-me das asneiras semânticas do neoliberalismo, afirmo que estes são os PLAYERS. VCP, Stora Enso, Aracruz, Boise e Botnia. No fundo do caixa, recursos financeiros do povo brasileiro, através de financiamento do BNDES, injetando dinheiro mesmo com a ilegalidade da expansão da silvicultura em solo brasileiro. No caso uruguaio, a situação é tão dramática quanto, chegando ao limite de indispor dois países nas suas relações para defender a instalação de uma transnacional. Por sorte que a defesa da Costa do Uruguai esta acima das coimas, propinas e corrupções de políticos profissionais no campo de nosso território.
Outra Batalha do M’bororé está por vir, cedo ou tarde. E isto não é profecia, é análise mesmo.
Esta Nota foi originalmente publicada no portal de Claudemir Pereira