Peço atenção aos leitores de modo a perceberem um tema mais que “blindado” no país. Na tarde de quarta-feira 12 de dezembro, durante as negociações da votação da CPMF, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) declarou haver consultado um especialista tributário a respeito da DRU. O sábio ponderou que do ponto de vista fiscal, a Desvinculação era necessária, mas para as políticas sociais, era maléfica. Ouvi a declaração em uma grande emissora de rádio e não foi citado o nome do especialista. Ainda sem saber o autor, palmas para ele pela franqueza.
Já na sexta-feira, dia 14 de dezembro, o Jornal Gente da Band AM/RS entrevistou ao secretário estadual de Saúde Osmar Terra. O médico e político profissional, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), lembrou que a lei do SUS teria de ser acompanhada por uma base orçamentária. O que parece óbvio jamais foi feito. A história da CPMF nasce desse desvio. Estavam previstos 30% da seguridade social brasileira a ser aplicado no maior plano de saúde pública do mundo. Em valores de 2007, isto seria cerca de R$ 100 bilhões, mais do que o dobro do imposto criado pela sugestão de Adib Jatene. E, tal e como a previsão de orçamento inicial dos anos ‘80, a contribuição vinda do dinheiro movimentado pelo cheque e operações bancárias jamais foi na íntegra para a saúde.
Ou seja, a saúde no Brasil tem em seu orçamento o “vício de origem”. Tanto é assim que no meio do desespero, o governo lançara uma carta com assinatura do presidente e seu ministro da Economia comprometendo-se em aplicar 100% do dinheiro na área que seria sua por direito. Já era tarde. Mas, como a luta política é uma coisa e a posição estrutural do Brasil é outra, a oposição aprovara a DRU naquela mesma noite fatídica para o Planalto. Passando em segundo turno, a aprovação aumentou o poder de barganha da oposição e da base “aliada.
Entendo ser a DRU essencial não para o “equilíbrio” do país nem nada por estilo. Como tudo na política em escala macro, a medida se mescla com a economia e os interesses estruturais. Estamos na era da “sinalização”. Assim, acabar com a garantia que um em cada cinco reais do orçamento vai assegurar a rolagem e pagamento da taxa de juros, já é um “sinal” e tanto. Nessa correlação de forças, a economia real fica em segundo plano, um pouco à frente das políticas sociais.
Infelizmente os números que seguem são impressionantes. O presidente se vê emparedado com a perda R$ 40 bilhões, mas temos outros ralos maiores por onde escoam as riquezas. Número badalado no momento, apenas em 2006 gastamos em torno de R$ 275 bilhões com juros e amortizações das dívidas interna e externa. Neste mesmo ano o PIB fechou em R$ US$ 956 bi e o endividamento total do país bateu 43% desse montante. Assim, de cada dez reais circulantes na economia, R$ 4,30 estão comprometidos.
Outro mito a ser compreendido é o investimento externo. Do total de capitais que aqui entraram, saíram pela janela em frente 87%. Boa parte destes “investidores” vem para jogar na ciranda digital, balizada pelo governo. Isto porque a MP 281 isenta de pagamento de imposto de renda quem comprar papéis de nossa dívida. Tem mais. As remessas de lucros, tampouco taxadas, bateram a marca de US$ 16,4 bilhões. Já os juros pagos apenas com a dívida externa atingiram a US$ 11,26 bi. Enquanto isso avança a fronteira agrícola e a monocultura como fiel da balança comercial. A marca de US$ 13,5 bi foi atingida com as exportações do setor primário. Como o chamado agronegócio não gera valor agregado, temos de plantar toneladas sem fim de soja para tentar dar um fôlego no superávit primário. Ainda assim, o déficit nominal sai vitorioso. E porque será?
Uma pista está no acumulado dos juros da dívida pública no primeiro mandato de Lula. Totalizando a R$ 590 bilhões, na média de R$ 147,5 bilhões anuais. Este valor é maior do que todo o PAC. Somente no ano de 2006 o governo do ex-metalúrgico gastou vinte vezes mais com em juros do que com o programa Bolsa Família, carro-chefe de sua política social. É por isso que a DRU é fundamental para os interesses em jogo.
Seria um erro pensar que a oposição do PSDB e do DEM iriam arriscar a situação do país com os credores internacionais e o sistema financeiro do Brasil. É certo que a barganha foi dura, mas é só isso. Os valores da DRU são grandes, mas ainda maior é a “lógica da “sinalização”. O fim deste dispositivo apontaria a outra política econômica, mais preocupada com a economia real do que com a política financeira. Esta mudança de “sinal” não pode acontecer.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat