Neste breve artigo, não nos propomos a fazer perfil nem trajetória política de ambos. Embora tenha alguma relevância, somos contra a excessiva individualização do ator político por fora de estruturas coletivas. A camisa de força na análise se dá com o excessivo peso no individualismo metodológico. Onde se parte da premissa que cada um é um ator com amplo grau de autonomia e cuja atividade-fim é maximizar seus ganhos. Isto, somado a um marco onde o que importam são os estudos institucionais, geram o pacote completo da análise do ambiente político, com pretensões científicas praticadas no Brasil.
Uma outra pergunta que caberia neste parágrafo é singela. Um leitor mais impaciente deve estar se perguntando, já bastante irritado, no que a matriz de análise e as disputas “científicas” tem relações com a indicação do PSDB?
Sinto dizer que tem toda e qualquer relação, a julgar pela individualização possível de dois dos cinco atores centrais nesta questão. Pelo caminho óbvio, chegamos aos seguintes nomes como políticos de peso próprio nesta difícil decisão. Como é mais que sabido, são eles: Aécio Neves, Tasso Jereissati, Geraldo Alckmin, José Serra e Fernando Henrique Cardoso. Os dois últimos, sabem de memória e operam como ninguém os conceitos da análise política. A soma da mente de ambos daria um supercomputador de última geração. No ambiente político, se partirem juntos com o herdeiro de Mário Covas Filho como presidenciável, está formada a super-chapa paulista para disputar o Planalto.
Peço um pouco de calma e também, se não for abusar da concentração de vocês, algo de atenção na teoria proposta. Prossigo afirmando que ambas tiras da mesma camisa de força analítica, nos parecem erradas desde o começo. Como se costuma falar na linguagem jurídica, estas premissas têm vício de origem, no caso, vício mesmo, a julgar por suas matrizes estadunidenses. Sobre estes cálculos simultâneos pesa um fator preponderante. Este tem o nome de constrangimento estrutural, na linguagem mais operacional também chamado de margens de manobra. Estas são estreitas desde a partida.
Para ampliá-las haveria de romper, através de saltos e choques, com o governo de fato. Este é o temor de alguns atores relevantes, fora do ambiente político e coordenados com eles. Citando o óbvio, este é o medo da ala mais à direita da Igreja, encabeçada pela Opus Dei e a Renovação Carismática. Tais setores, já bastante mesclados, aliados de fato da ala conservadora, se inclinam na direção de Pindamonhangaba. O mesmo acontece em um certo edifício da Avenida Paulista, onde fica a sede de 40% do PIB nacional, representada pela FIESP e aliada ao Sistema S. No ambiente midiático, o 4º poder com P maiúsculo no Brasil, o médico anestesista de origem árabe é hoje mais potável do que o economista de Cornell. O governador de São Paulo agrada as grandes redes, incluindo aí a preferência tanto de seus vizinhos de Morumbi, o Grupo Bandeirantes, como o ainda mais que poderoso conglomerado de comunicação, cuja sede fica no Jardim Botânico no Rio de Janeiro.
A Globo e os herdeiros de Roberto Marinho devem estar mais que arrependidos da capa da Época, lançada na pré-campanha eleitoral de 2002. Rendeu o ódio a José Serra por parte do clã Sarney; a promoção do então delegado federal Marcelo Itagyba à carreira política de vulto sendo hoje o secretário de segurança do Rio de Janeiro; e o abandono do PFL à campanha do sucessor de FHC. Sempre cabe a pergunta: “Se Serra pôde ter sido capaz de fazer isso com um aliado de oito anos, o que não faria com um opositor ou desafeto?”
Sintomas assim, somadas às preferências desenvolvimentistas oriundas de sua formação na CEPAL, fazem que os sócios majoritários nacionais do país prefiram o outro tucano. Isto sem falar nos laboratórios farmacêuticos, ainda amargando a perda de lucros com os genéricos e o apoio do então ministro da Saúde à quebra de patentes da medicação contra a AIDS.
Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho não fez em São Paulo e não fará no Brasil nada parecido. Seria um absurdo pintá-lo como ingênuo e incapaz. Nada disso é verdade. É sabido que o atual governador dos 40 milhões de paulistas têm capacidade administrativa e forte controle sobre sua equipe direta. Os sorrisos e gentilezas são parte do espetáculo, como aliás cabe a todo político de carreira, cuja profissão exige um talento de ator. A diferença com Serra não está aí, mas sim na forma de conseguir alcançar seus objetivos. À exceção da segurança pública, onde o governo de Alckmin exerce mão de ferro, em especial sobre a periferia paulistana, todos os demais setores são potáveis e plausíveis para poderosos interlocutores.
Já o filho de italianos nascido na Mooca e professor licenciado da Unicamp, é dotado de ímpeto e agressividade executiva. Um perfil como o seu, não apenas na fala, mas nos atos de governo, não se nota nem no mais agressivo dos parlamentares. Tucanos. Estamos falando do senador pelo Amazonas, bacharel em direito, diplomata e faixa-preta de Jiu-jitsu Arthur Virgílio Neto. Um cenário de pânico para opositores, desafetos e obstáculos seria Serra presidente e Artur Virgílio ministro da Justiça. Para aumentar o terror de muitos, imaginemos um ministro da Fazenda de confiança com a envergadura de um Luiz Carlos Bresser-Pereira, e está feito o entrevero.
Poder não ser dessa vez, e talvez nem chegue a acontecer. O candidato do Planalto será Luiz Inácio, o do PMDB só Deus sabe e nem Ele tem certeza e o dos tucanos muito provavelmente será Geraldo Alckmin. Para seu vice, alguém do PFL do nordeste, grande probabilidade para o senador potiguar José Agripino Maia. Ou seja, mantendo este cenário, tanto a campanha como o 2º turno oferecerá poucas surpresas. A única variável serão os problemas internos e as caríssimas negociações para ver quem leva para seu palanque a maior parte da legenda de Ulysses Guimarães.
Este analista gostaria de ver uma real polarização de idéias e propostas, mas muito provavelmente isso não vai ocorrer. Imaginemos apenas por alguns segundos uma disputa onde Serra concorresse contra Roberto Requião e algum petista que não fosse do Campo Majoritário. Neste cenário hipotético, veríamos algumas alternativas bem distintas, daquelas que o pleito de outubro nos oferece.
Do jeito que a coisa caminha, os rumos seguirão os mesmos. Caso Alckmin venha a sair vitorioso, poderia exercer a extrema sinceridade e deixar um ambiente cooperativo de co-governo. Ou seja, com os apoios que tem, bem podia manter Antônio Palocci auxiliando ao tucano Henrique Meirelles no governo de fato. Mantendo os rumos traçados desde Pedro Malan, ele e seu aliado do PFL, só teriam de se preocupar em acalmar o apetite do Congresso e manter a famosa “governabilidade”.
Se assim for, outubro será apenas mais do mesmo.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat