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Royalties do petróleo e cultura política localista e de clientela

Ricardo Leal / divulgação

A caricatura de passeata culmina com a presença de Xuxa e de outras mui relevantes e contundentes opiniões para o destino da nação e sua maioria ainda silenciada pelos espetáculos fornecidos através da indústria cultural onde ela, Maria da Graça, é engrenagem e artífice. Pobre Rio, nas ruas por onde marcharam 100 mil contra a ditadura agora desfila o funcionalismo através de ponto facultativo.

19 de março de 2010, da Vila Setembrina de farrapos traídos por demagogos de a cavalo, Bruno Lima Rocha

No dia 17 do corrente mês (última 4ª feira), ano de 2010, as águas de março levam a última parcela de acanhamento dos operadores políticos profissionais. Que se vistam os personagens porque é Carnaval fora de época!

A última panacéia da política brasileira é a disputa pelos royalties do pré-sal. Ao invés de debatermos em termos estratégicos e de longo prazo, o que deixa o Senado ouriçado com a chance de poder a prova seu poder de fogo e leal devoção ao governo de turno desde que “bem atendido” nas emendas e outros recortes com o orçamento, é a possibilidade de derrubar a emenda de Ibsen Pinheiro, que acomoda minimamente, um reparto algo federativo de uma riqueza que pertence a toda a nação. Os chefes políticos do Rio de Janeiro, a começar pelo jornalista formado na Faculdade da Cidade (hoje UniverCidade) Sérgio Cabral Filho, deram vivas ao expediente de massas de manobras e fizeram uma marcha cívica pelo Centro de uma urbanização que mais se assemelha a Medellín em vários e sinistros sentidos.

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A cultura política de tipo chefe-empregador, cabo eleitoral-empregado, transacionada mediante o contrato de lealdade = ações compensatórias se fez notar e sentir e foi bastante mediatizada. Repito que infelizmente me refiro a triste passeata de 150 mil almas ocorrida em ruas que, em outros anos, até a década de 1990, por exemplo, foi palco de memoráveis batalhas populares em defesa de sua soberania e das vontades exercidas pelo direito conquistado na rua! Assim o foi de quando dos leilões de privatização da Usiminas (1991), da CSN (1993) e da Cia. Vale do Rio Doce (1997). Um pouco mais atrás, na combativa década de 1980 – num extenso período até o Fora Collor em 1992, não passava mês sem o Centro do Rio ferver de povo em marcha. As concentrações saíam da Candelária, bem no entroncamento da Avenida Presidente Vargas com a Avenida Rio Branco. Quem vinha de longe chegava de metrô, tomado pelos cordões dos bairros (e sem ônibus pago pelo dinheiro do contribuinte) e enfrentava a repressão de peito aberto. Mas, o abandono da idéia de esquerda do Rio de Janeiro foi se aproximando do exaurir das condições de vida e da conveniência de acercar-se das práticas políticas chaguistas. Infelizmente, tais práticas políticas não são exclusivas da Cidade que vira a, a Greve Geral de 1917, Insurreição Operária de 1918e o próprio movimento O Petróleo É Nosso! Agora a moeda de troca é outra e a defesa do combustível fóssil não é para soberania e nem partilha, mas apenas para deixar o que está no seu lugar (mesmo não estando).

Para os que imaginam que o fenômeno do reboquismo é exclusivo das levas de funcionários públicos não concursados (portanto, de fato, privatizados), sinto avisar que este é um ledo engano. São os dois lados da mesma moeda viciada. Concordo e assino embaixo do reconhecimento de que a maioria dos brasileiros que assinam uma ficha de filiação tem pouca ou nenhuma noção de como funciona a estrutura a qual voluntariamente entrara. E, por vezes, essa cultura política paroquiana e clientelista de baixo alcance se manifesta no uso e abuso do funcionalismo público, em especial aqueles não concursados. Assim o foi quando do início das difusões dos vídeos gravados pelo ex-delegado de Polícia Civil do DF, Durval Barbosa, ele próprio um negociador de sua punição e homem de confiança de Joaquim Roriz, “amigo do peito, irmão e camarada” de Nenê Constatino assim como outros mui nobres valorosos e ilibados empresários planaltinos. Na ocasião, saíram as bases das cidades satélites, todos munidos de alguma forma de remuneração não-concursada e cujos honorários saíram (e seguem saindo, porque não houve expurgo em massa) do erário público.

Algo parecido se deu no Rio, pobre e rico Rio de Janeiro, herdeiro das piores tradições de Chagas Freitas, do brizolismo de final de mandato (quando ocorreram as chacinas da Candelária e de Vigário Geral) e de uma elite política que, digna de um estudo de pós-doutorado em psicanálise, sequer sabe quem são, sendo que a maioria jamais foi outra coisa do que a péssima conduta que já tem e deles é constitutiva. Se alguém imagina que exagero, ou que o texto se trata de recalque de oriundo após haver deixado a terra dos pais, convido a assistirem a TV Alerj e depois que me digam o quanto estou “errado”. Se houvesse pouca ou nenhuma participação, ou então fosse notado que as bases somente se mobilizavam no caso de ganhar algo em troca, a própria denúncia destes absurdos já teria sua relevância.

O que se viu na Cidade Maravilhosa foi o ápice de uma versão antiga de manobrar em nome de uma causa aparentemente comum e tornar-se interlocutor supostamente legítimo de um absurdo jurídico. O emprego do “kit massa de manobra”, composto por transporte gratuito, boné, camiseta, lanche e uns trocados para o cabo eleitoral que arrasta a boiada a votar em quem decorou o nome se reproduz na forma de ponto facultativo e marcha de funcionários “públicos” em defesa do Rio de Janeiro?!

Apontando conclusões após o espetáculo da anti-política

Os atuais mandatários do Rio hoje brigam contra uma emenda de partilha mais próxima dos critérios federativos, proposta por Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), mas que fora amplamente apoiada no baixo clero e seu apetite igualmente voraz. Não se trata aqui de afirmar que o simples reparto das divisas provenientes do petróleo, com base nos fundos de participação, representa garantia de execução de políticas públicas. E, tem uma parcela de razão o governo fluminense e as prefeituras afetadas pela falta de uma receita futura já prevista. Diante do rombo, que pague a União, pois é de Brasília que saiu o regramento original, e que está por cair. O fator negativo é o baixo nível político das elites políticas estaduais e municipais e seus consórcios econômico-eleitorais se comparado com os operadores em escala nacional. Mas, independente das conseqüências imediatas ou de curto prazo, entendo como relevante qualquer partilha mais eqüidistante dos recursos do país.

O ocorrido no Rio e no estado fluminense é de outra ordem, peleando entre cotoveladas e cabeçadas com o que há de pior na política brasileira. Que não se confunda um tema com outro, pois debater a partilha entre estados, produtores ou não, está anos luz de distância de tentar obter alguma justiça federativa e querer alcançar algumas metas de longo prazo. Isto porque o debate de fundo sequer foi feito com relação aos royalties e a partilha do pré-sal, do petróleo e do modelo de exploração.

Na Avenida Rio Branco a história foi outra. Quando até a Xuxa (Maria da Graça Meneguel, ex-gaúcha de Santa Rosa) vai na “marcha”, é porque não se está marchando por causa comum alguma!

Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos






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