No primeiro turno do Congresso, Aldo Rebelo (PC do B-SP) terminou rigorosamente empatado com José Thomaz Nonô (PFL-AL), ambos com 182 votos. Em terceiro, figurava Ciro Nogueira (PP-PI), com 76 votos. O correligionário de Maluf e Janene terminou à frente do ex-governador de São Paulo na época da falência do Banespa e do Massacre do Carandirú, Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP), que ganhou 41 votos. Entre os candidatos relevantes, Alceu Collares (PDT-RS) saiu-se pior. O leal brizolista e ex-governador do Rio Grande recebeu apenas 18 votos.
Quando as coisas se definiram, o segundo turno acabou com a sinistra diferença de 15 votos. Justo o número da lista dos possíveis cassados. Mas, outra conta é necessária. O processo decisório implicou uma barganha orçamentária, mais uma entre muitas, realizada não apenas por este governo, mas por todos os antecessores de 1985 aos dias de hoje. O governo Lula abriu o cofre, despejando R$ 500 milhões de reais em emendas parlamentares. Em troca, recebeu exatos 258 votos para o ex-guerrilheiro do Araguaia. Rebelo foi apoiado pelos amigos e os contratados. Leia-se, os aliados na política nacional embora rivais na esquerda, PT e PSB, obviamente o apoiaram. PP, PTB e PTB, marcaram posição em primeiro turno. Tanto bateram pé que a barganha saiu cara. Sim, na média, cada voto para Rebelo custou R$ 2 milhões de reais!
No meio do tumulto, alguns setores se deram melhor, outros não. O PMDB apareceu mais rachado do que nunca, com Michel Temer discursando forte e um surpreendente Pedro Simon batendo ao contrário. Collares também surpreendera, peleando votos para o candidato do Planalto. Severino foi bem, canalizando apoio, verbas e fundos para seus redutos eleitorais. Está no lucro o homem que antes de ser cassado, derrubou Olívio Dutra, emplacando um tecnocrata de sua confiança no Ministério das Cidades. Os parlamentares cassáveis, comemoraram intensamente. À frente da festa, o ex-chefe de Governo, José Dirceu. Celebrava sua sobrevivência política, não importa o preço que se tenha a pagar.
Ao contrário do que possa parecer, esta liberação de verbas, por dentro e com rubrica, é coisa corriqueira. Sabiamente a ciência política dos Estados Unidos apelidou este conceito de pork barrel. Ou seja, a disputa pela lavagem (alimento) que os porcos comem no coxo. Esta é a representação material da idéia, sem tirar nem pôr. Contrariando a muitos colegas, que têm por hábito confundir o papel de analista político com o de bombeiro, não tenho a mínima intenção de diminuir a indignação. É justo o oposto. Creio na capacidade de se indignar. Quem perde isso, perde a capacidade de fazer qualquer política distributiva. A real polítik pragmática já mostrou seu potencial desagregador. Não há motivos para repeti-la de forma supostamente “científica”.
Voltando ao preço dos votos, apenas nos últimos 45 dias, o país gastou em “lavagem” quase 10% do que a Petrobrás deve faturar este ano. No balanço do 1º semestre, a estatal brasileira fechou no azul, com lucro líquido de R$ 10 bilhões de reais. No dia 16 de agosto o Congresso brecou o aumento do salário mínimo através de acordo de liderança e com votação simbólica. “Coincidentemente” o governo liberava R$ 1 bilhão de reais do orçamento para emendas parlamentares. A obediência ao governo cessou quando o aumento em jogo foi corporativo. Para agradar seus funcionários, também através de votação secreta, fora aprovado o aumento de 15% para o funcionalismo das duas casas. O prejuízo para a nação foi de R$ 500 milhões ao ano.
Se somarmos os gastos obtidos através das barganhas do Congresso para impedir o aumento do salário mínimo, aumentar em 15% os ganhos dos funcionários da Câmara e Senado, somando-se ao 2º turno da disputa para a presidência da Câmara, teremos o total de R$ 2 bilhões e 100 milhões de reais. Se a Petrobrás repetir seu faturamento no 2º semestre, fechará o ano com lucro de R$ 20 bilhões de reais. E, para revolta de todos os cidadãos atentos do país, pouco mais de 10% desse montante já foi gasto no toma lá dá cá das emendas parlamentares.
Chegamos assim a uma triste constatação. Sistematicamente, a moeda de troca da política brasileira são os recursos públicos administrados pelo Estado. Se ainda fossem por interesses maiores, através de medidas concretas para melhorar a vida da maioria dos brasileiros, seria aceitável. Mas, uma classe política que negocia entre si, descaradamente, manipulando nossos recursos, é demais. Não há distribuição da riqueza nem participação popular nas decisões fundamentais.
Esta forma de “democracia” é pouco mais que uma coleção de ritos e procedimentos oligárquicos. Por muito menos, nos últimos 5 anos a ira popular já desmantelou sistemas políticos inteiros na Argentina, Equador e Bolívia. Sabe-se que a paciência do povo brasileiro é grande. Mas não é eterna.
Artigo originalmente publicado no Blog de Ricardo Noblat