Uma vez que começamos a falar de futebol, ou melhor, das entrelinhas, bastidores e personagens deste melodrama diário, o difícil é conseguir parar. No artigo publicado hoje no Noblat, discutimos com algum grau de profundidade as raízes de nossa paixão maior. E, o símbolo desta paixão, nos leva a uma segunda comparação.
A dúvida eterna de quem jogou mais, Maradona ou Pelé; foi antecedida por uma outra dúvida, esta nacional, e que discrepava entre Garrincha e Pelé. Com toda a honestidade e pesar que isto pode significar, Pelé jogou mais bola que Maradona e foi muito mais completo do que Garrincha. Mas, com todos os seus dramas de pássaro ferido, anjo torto sem asas, imagem atingida pela decadência e desgraça, ainda assim, o homem Manuel Francisco dos Santos foi e é muito mais brasileiro do que Édson Arantes do Nascimento. Garrincha não encarna o tipo brasileiro por sua cor de pele, suas pernas tortas ou vida circense. Não, a encarnação é de outra ordem.
O Manuel se fez Mané tal e qual seus marcadores tinham um nome, João. Esse mundo, de José, Manuel e João, é tão brasileiro quanto uma geral ou coréia lotada, é tão nosso quanto Maradona é argentino e Cantinflas é mexicano. Pulou do trem para cair nos braços da massa. Graças a ele e não a uma política pública, o trem passou a parar no distrito de Pau Grande, terra de Garrincha e pertencente ao município de Magé, na Baixada Fluminense.
A cena final do clássico de Joaquim Pedro de Andrade bem retrata esse sentimento. A massa desce do trem, vinda da Baixada e dos subúrbios da Central ou da Leopoldina rumo ao Templo do Maracanã. No centro do picadeiro, um homem com alma de moleque e nome de passarinho. Tomando conta do compadre e melhor amigo, alguém a quem todos reverenciamos como a Enciclopédia do Futebol e cujo nome de batismo no futebol é Nilton Santos. Um filme como este, teria de ser exibido em todas as escolas públicas do país, ao menos uma vez ao ano.
Obra prima do cinema brasileiro com B maiúsculo, nos faz retornar a um momento que a maioria de nós, ou não viveu, ou se lembra quando da juventude. Tal e qual o oposto reverso da CPI da Nike e as bolhas nos pés do homem de Bento Ribeiro a desfilar com Ferraris e modelos. Saudade na voz de Elza Soares, anterior e mais forte do que o delegado do DOPS Charles Boerer e sua “brilhante” administração clubística. Quanto mais cores e paetês põem nas chuteiras pós-modernas, mais nos recordamos dos velhos kichutes que calçávamos com meiões de lã.
Maior e acima de Ricardo Teixeira, João Havelange e até mesmo Édson Arantes, está um anjo a pairar torto, de nome Manuel, alcunha de Garrincha e com o título de A Alegria do Povo.