Moro deu um nó na política nacional
No dia de julho de 2017, o país assistiu a já esperada condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O feito veio de Curitiba e pode ser inserido na guerra jurídico-política midiática instaurada no Brasil através da Operação Lava-Jato. Sérgio Moro é um magistrado de primeira instância e se revelou o senhor do tempo. No momento perfeito - maquiavelicamente perfeito como este analista afirmou nos instantes após a sentença - condena o ex-presidente Lula em uma sentença de 238 páginas. Logo, uma peça jurídica desta envergadura, não foi feita às pressas, pela lógica isso seria impossível. Quando a sentença foi preparada, quando a mesma foi concluída? Quanto tempo as páginas ficaram na gaveta (linguagem figurada antes que me chamem de antiquado) antes de seguir o caminho processual? Vamos supor que foi tudo coincidência - supondo com vontade de suposição para não arriscar uma ilação que venha a me processar - logo, foi uma combinação perfeita, embora probabilisticamente improvável. Sendo ou não um "acaso", o momento preciso levou Moro para o epicentro da política nacional. Novamente.
Um dia após o esquartejamento dos direitos do mundo do trabalho (o óbio foi assinado pelo Senado em 11 de julho e sancionado na íntegra pelo presidente ilegítimo Michel Temer no dia seguinte), simultaneamente a longa sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara cujo relator tem vínculos familiares históricos com as Organizações Globo, o juiz que representa a mentalidade da UDN do Paraná e o emprego de Lawfare no Brasil, condena o fiador do pacto de classes. De imediato, pela afirmação acima, a bandeira de defesa incondicional dos direitos conquistados – essa unitária das esquerdas e centro-esquerdas – se vê contra a parede. Em 1954, o varguismo hegemonizava o imaginário popular. No século XXI, o lulismo o substitui.
Lula é a representação do modelo de crescimento com distribuição de renda sem mudança na correlação de poder e força na sociedade. Logo, é o único que poderia "pacificar" o país, especialmente na liderança do bloco de interesses populares, mesmo que sob a condução ex-reformista e social-democrata. Assim, através da condução política de seu partido e com a brilhante defesa de seus advogados, o calendário eleitoral de 2018 se impõe - ou vem tentando ser imposto – sobre as demais pautas.
Por obviedade, observamos a indignação com pesos distintos. A defesa de Lula mobiliza mais suas bases sociais do que a defesa do direito coletivo. Ao afirmar que uma eleição presidencial sem a possibilidade de Luiz Inácio concorrer é uma eleição ilegítima, seus apoiadores têm razão. Se todas as esperanças forem colocadas no pleito presidencial do ano que vem, como lutar para garantir o que resta – como a Previdência em seu regime geral – sem reproduzir o reboquismo que tanto mal já fez ao povo em momentos anteriores. Vale observar momentos de nossa história política assim como de um país hermano.
Cada vez mais observo analogias com o interregno de democracia liberal limitada do Brasil entre 1945 e 1964, ou o período da Argentina após a derrubada de Perón, em 1955. No país vizinho, o peronismo era proibido de concorrer após sua derrocada (com a “revolução” Libertadora dos militares gorilas, em setembro de 1955) e os mandatos presidenciais nunca terminavam. Nem por isso houve fechamento de entidades de base ou sindicais ligadas ao Justicialismo. Nem no regime militar inaugurado em junho de 1966 com o general Onganía como seu primeiro presidente. A repressão generalizada foi decorrência também da guerra civil peronista, entre 1972-1976, concluindo já na ditadura genocida de Videla e a Junta Militar (1976-1983). Com a licença da comparação histórica, entendo que vivemos momentos de democracia liberal contida, limitada, cujo Poder Moderador - não sei por quanto tempo - é o aparelho Judiciário (em franca disputa interna, tanto de controle como de doutrina).
Ao condenar Lula no epicentro do terremoto político e social do país, Moro deu um nó na política nacional. Com isso escanteou ainda mais a esquerda restante - eleitoral ou não - e coloca o reboquismo como a bandeira a ser debatida ou derrotada no embate - saudável e não sectário - para com o bloco da centro-esquerda. O momento realmente é muito difícil.
Jogos simultâneos e a tarefa mais urgente
A prepotência dos paladinos de toga é tamanha que, de forma astuta, a defesa do presidente - perfeita na sua argumentação – colocou Temer e Lula como alvos do arbítrio. A defesa do residente no Jaburu aponta o inimigo comum, o MPF - Força Tarefa de Curitiba - tendo Lula como alvo; e a PGR com Janot à frente, tendo como alvo ao ex-vice de Dilma, Michel Temer. Reconheço o talento do advogado, mas repudio a comparação. Mesmo entendendo a necessidade do Fora Temer, até frear momentaneamente o golpe parlamentar-institucional - taticamente e interromper a cessação de direitos, taticamente também - vejo que o defensor Antônio Cláudio Mariz faz a manobra perfeita. Traz para o seu argumento o Judiciário X o MPF, e entra na guerra da doutrina Romano-Germânica X o Anglo-saxão e a cultura punitiva e negocial. A argumentação de Mariz é direta, mas sem memória. Seu cliente usou e abusou desta para derrubar Dilma e agora se apavora porque Janot quer lhe pegar também. A crítica aos grupos de mídia também acerta no alvo, mas obviamente fora de lugar, no simples uso do oportunismo.
O país está na grelha e a massa vai sendo incinerada ainda em fogo alto. Temos uma coleção de ataques de todas as dimensões: há subordinação geopolítica - não mais projeção geoestratégica - risco de massificação dos interesses externos e o reboquismo que acua a esquerda restante diante da cruzada da UDN contra Lula. Os tempos são duros, está difícil, mas entendo que é preciso fortalecer o que existe à esquerda do lulismo, preferencialmente passando distante dos arranjos pré-eleitorais. Não tem sentido algum, agora, publicamente, ficar se batendo com a social-democracia (não que não mereça, ou ainda o stalinismo restante), mas temos de nos concentrar no que é central. Se o líder carismático é chave para os partidos de centro-esquerda apoiadores do governo deposto, a perda de direitos e a resistência para retomar ou perder menos é central para quem luta socialmente.
A condenação de Sérgio Moro foi de um tempo perfeito, cronometrada, no meio da votação da CCJ, logo após a perda de direitos duramente conquistados após mais de 40 anos de ilegalidade (1889-1932). É assim mesmo, quem sabe controlar a agenda de seus tempos e processos se antecipa na luta de classes e popular. Vamos como sempre, paciência histórica, convicção ideológica, lealdade para com a maioria e trabalho de inserção com debate e difusão ininterruptos.
Temos muito a fazer, incluindo redescobrir o nós. Se a social-democracia, os liberais-democratas e os stalinistas querem reconquistar o centro da política, tudo bem. Esta é sua coerência interna. E a coerência interna das esquerdas, eleitorais ou não? Por aí seguimos no debate.