Na origem do sindicalismo no Brasil, e particularmente no Rio Grande, a idéia de formação andava ao lado da vontade política e pedagógica. Explico. Os trabalhadores organizados a partir de sindicatos livres compreendiam que a concepção de classe era uma visão de mundo. Com muita intensidade ideológica, os ativistas e militantes das três primeiras décadas do século XX buscavam contrapor a educação para o trabalho assalariado com outra pedagogia. Assim, dentro de uma entidade sindical, cultura não era visto como “frescura”, muito pelo contrário. Viviam, estudavam, peleavam e se divertiam em conjunto.
Hoje, na era da mídia, o ócio deixa de ser visto como tal e se torna estratégico. Na época, sem veículo de comunicação eletrônica e de distribuição aberta (como o rádio e a TV), o lazer era o momento de congregação. Nos sindicatos formavam-se companhias de teatro, orquestras de baile, bibliotecas populares e as escolas conhecidas como modernas, livres ou racionalistas. O pensador Francisco Ferrer (Francesc Ferrer i Guàrdia), pedagogo libertário, catalão, era a referência intelectual daqueles educadores da classe. Ferrer, era visto como mártir, porque foi fuzilado durante a Semana Trágica de Barcelona, em 13 de outubro de 1909. Hoje é nome de rua em Porto Alegre e quase ninguém sabe o porque. Detalhe, isto foi cinco décadas antes de ser criada a pedagogia do oprimido.
Outro quesito importante era a auto-organização. Não havia dinheiro do FAT, conselho gestor do FGTS e nem do BNDES para bancar cursos de “reciclagem” e “reconversão” de mão de obra. Das escolas financiadas pelo dinheiro do trabalhador, que se organizava sem imposto sindical, saíram os mais dedicados quadros da antiga Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS). Por outro lado, a relação com a patronal era tensa, havendo pouco ou nenhum diálogo entre os representantes de classe. Tamanha autonomia resultava em uma expressão de poder que ganhava as ruas e passava longe das urnas.
Como se pode ver, muita coisa mudou em cem anos no sindicalismo gaúcho. Se hoje sobram legitimidade e espaços institucionais, faltam empenho e capacidade de defesa dos próprios interesses. Um debate necessário é saber onde está a “socialização forçada”, quando um trabalhador era condicionado pelas relações e o meio onde vivia, e assim tinha de se informar e participar. Na ausência desta forma de socialização, a vida passa mediatizada. Entre um peão e outro existe um interlocutor forçado. Se atravessa no meio da prosa do intervalo um profissional ou produto de comunicação social, cujo processo produtivo passa longe do cotidiano das maiorias.
Por isso se carregam nas tintas da “formação sindical”. Porque o dia a dia, ao contrário de um século atrás, despolitiza, desmobiliza e desinforma. Sem o estudo formal, regular e orientado por educadores de confiança da classe, fica impossível debater qualquer tema. E como se sabe, a ausência de debate é o reino da burocracia e do peleguismo.
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Voto, Ano 4, No 44, Junho 2008, página 74, ISSN 1982-730-X