A queda de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, militante histórica do estado do Acre, contemporânea de Chico Mendes, trouxe para o foco da atenção a chamada questão do “desenvolvimento sustentável”. Entendo que o assunto é visto e analisado de forma torta. E, pelo ponto de vista “econômico”, seguindo uma ilusória lógica de economia pura, nada seria mais anti-econômico do que a estupidez de um crescimento das capacidades de produção e circulação de riquezas, energias e meios viáticos sem um cálculo de longevidade destes mesmos recursos.
Se aproxima o fim da primeira década do século XXI sem solucionar conceitualmente um problema estrutural do Brasil e de toda a Amazônia Legal. No maior país latino-americano, a legislação mais avançada do mundo em defesa do meio ambiente, se vê desprotegida diante da fúria “desenvolvimentista”. Na verdade, o avanço da fronteira agrícola e exploratória é uma questão ideológica de fundo. Derrubar a mata em pé significa uma fonte de riqueza imediata e uma desterritorialização dos povos da “floresta”. Afinal, sem floresta, não existe(m) “povo(s) da floresta”.
O problema é de fundo. Mais de metade da área agricultável no país é usada para a especulação bovina. Com uma média de um boi adulto por hectare, os latifundiários nacionais mais improdutivos hoje jogam na segunda divisão do desmatamento. Na ponta estão os plantadores de soja, escorados na queda de barreiras alfandegárias chinesas e todos regiamente financiados pelo ministro da Agricultura e correligionário da ARENA (partido de sustentação da ditadura militar). Vale lembrar a trajetória política do funcionário público do governo do Paraná, Reinhold Stephanes, economista e militante histórico do partido de apoio da ditadura militar. Stephanes, assim como outros ex-apoiadores e operadores políticos da Ditadura (como o economista Delfim Netto), atuam por dentro e por fora do governo de Luiz Inácio (“lula”), que por sinal foi cabo eleitoral (puntero político en castellano) de Fernando Henrique Cardoso na campanha de 1978.
Este emaranhado de capitulação das metas históricas da esquerda ecológica e dos povos da floresta (extrativistas, indígenas, ribeirinhos, remanescentes de quilombos) reflete a barbárie conceitual aplicada por um governo de “centro-esquerda não classista”, segundo os analistas neoliberais mais lúcidos. Isto porque, em termos econômicos, o avanço da “produção” na Amazônia legal é absolutamente IMPRODUTIVO no prazo de uma ou duas décadas. Mas isso pouco ou nada importa para aqueles que se locupletam com a falta de planejamento econômico e ausência de estratégia e planos de metas. Sem planificar dentro de um esquema lógico e com objetivos determinados, qualquer termo de “planejamento estratégico” não passa de mau uso de conceito. Em outras palavras, uma mentira sistemática aplicada como “estelionato intelectual”.
Um “gargalo” do desenvolvimento sustentável está na ordem da linguagem. O arsenal dos aliados de Dilma Roussef (1ª ministra e Chefe da Casa Civil) e Blairo Maggi (governador do Mato Grosso, maior plantador de soja do mundo e campeão do desmatamento na Amazônia Legal) utiliza-se de termos como: gargalo energético, agilização das licenças ambientais, destravar os setores produtivos do “patrulhamento de eco-chatos” e outros termos neoliberais em nome de um suposto desenvolvimentismo. Mais do que semântica, a crise é de paradigma. Explico. Não existe desenvolvimento possível sem o manejo racional de recursos naturais não-renováveis. Assim, ou o desenvolvimento é sustentável, ou simplesmente não “desenvolve” quase nada, apenas exaure riquezas e destrói o que vê pela frente.
O ex-guerrilheiro Carlos Minc topou a parada, assumindo a pasta do Meio Ambiente, e partiu para a “guerra” em busca dos holofotes. Não tenho dúvida alguma que sua presença será mais marcante, embora não tão legítima na Amazônia Legal como a de Marina Silva. A ex-militante dos empates acreanos de sua parte bancou no osso e largou o barco à deriva e navegando em turvas águas. Ficou em sua trajetória, a quebra do Ibama, o assassinato da irmã Dorothy Stang (missionária estadunidense radicada no Brasil desde 1966, assassinada na cidade de Anapu, estado do Pará, em 12 de fevereiro de 2005) e a super-exposição de um governo local – como o do Pará, com Ana Júlia do PT (DS à frente) aliado de Jáder Barbalho (PMDB), madeireiros, pistolagem (sicários) e “outros ilibados” agentes de “desenvolvimento econômico não-sustentável”.
O absurdo é tão grande que temos de debater até a “semântica anti-ecológica”. Na ausência de política pública contundente resta a infelicidade do debate estéril. Não existem atalhos na política, em qualquer política, incluindo a política ambiental. Cabe aos protagonistas desta novela escrever seu destino, ainda que muitas vezes, a linguagem empregada seja a da violência, como a ação dos povos originais na audiência pública de Altamira, onde feriram a golpes de facão (machetazos) um engenheiro da Eletrobrás.
Acreditem esse episódio irá se repetir, tal e como o imbróglio de Roraima e a possibilidade de uma reserva com dimensões de um país e sob suspeita de gestão internacionalizada. Outra vez repito o conceito. A autonomia dos povos originários e o protagonismo indígena devem ser prioritários para qualquer regime que se preste como “democrático”. Caso estes direitos não forem atendidos pela via legal, o serão pelas vias de fato. Até porque, os agentes “econômicos” operando na Amazônia Legal não encontram barreiras de veto e nem repressão estatal à altura dos crimes por cometidos por estes “ilibados empreendedores”.