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Moratória ou falência no Rio Grande do Sul


O desembargador Marco Antônio Barbosa Leal, pôs a boca no mundo, afirmando o óbvio, que de tanta obviedade, termina sendo negado pelos “realistas”

3ª, 21 de novembro de 2006, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé

Muitas vezes, o momento de crise profunda é também o de deixar as posições claras e escancaradas. Quem acompanha a situação estrutural do Rio Grande do Sul sabe. O maior IDHS do país reflete uma bomba de tempo, caracterizada pela crise do desmonte do Estado. O proclamado Pacto pelo Rio Grande, consensual na Assembléia Legislativa do RS, aprovara o orçamento de reajuste de 3% para o Poder Judiciário estadual. Os magistrados não aceitam menos de 3,8% e deram suas razões. O impasse leva a crise entre os poderes, incluindo também o Ministério Público Estadual (MPE). O pano de fundo é o das posturas políticas. A saída, a revisão da estrutura federativa brasileira. Ou seja, o problema não está à vista, mas já presente.

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A governadora recém eleita, professora de economia da UFRGS e deputada federal pelo PSDB, Yeda Crusius, se depara com uma situação limite. Seus constrangimentos estruturais são nítidos. Fará de tudo para cumprir as metas de acumulação necessárias para executar as pautas da Agenda Estratégica 2020 e do Rumos 2015. Não vai quebrar o padrão agro-exportador, e tampouco os financiamentos empresariais, a custa dos cofres públicos, nas linhas de crédito do chamado Fundopem.

A saber, foi este mesmo projeto que refinanciou diversos ramos da indústria, notadamente a do setor calçadista, e hoje vê as fabricas fechando e migrando seu parque para o Nordeste e para a China. Vários dos mais notáveis economistas e cientistas políticos locais afirmam que isto é “a inexorável marcha do fluxo de capitais”. A opinião de outros colegas, dentre os quais me incluo, denomina isto como um novo modelo de acumulação de capital. Enfraquece o papel de regulação do Estado embora aprimore sua capacidade impositiva. Com os impostos, se socializa o prejuízo e mantêm-se privatizados os lucros. Quando o investimento volta na forma de “responsabilidade social”, ao mesmo tempo, se dá uma outra remuneração na forma de renúncia e isenção fiscal.

O choque corporativo vem entreverado com as funções de Estado. A lida com o Poder Judiciário é uma peleia que não terminará tão cedo. Ao mesmo tempo em que magistrados e procuradores querem a aplicação da Lei do Subsídio, defendem o aumento da capacidade de prestação de serviço público. O Rio Grande do Sul é um dos últimos estados da União aplicar esta medida, que onera de imediato os cofres públicos, mas tende a ser mais transparente e econômica no médio prazo. Mas, convenhamos, com média salarial de R$ 8,9 mil no Judiciário local, sendo que no Executivo a média é de R$1,7 mil, caberia aos magistrados e procuradores (média de R$ 9,6 mil) dar exemplo.

A medida exemplar poderia ser a exigência do reajuste de 3,8% do orçamento do RS repassados ao Judiciário e nenhum aumento de salário para juízes e desembargadores. Isto, certamente seria uma forma de frear a avançada midiática contra o desmonte do Estado, defendendo publicamente a Justiça como prestadora de serviço público. Em parte, foi esta a linha de argumentação do presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o desembargador Marco Antônio Barbosa Leal.

No epicentro da crise, estão os pronunciamentos de autoridades dos poderes e as notas de colunistas. Como mais um sopro de vento no furacão, está causando furor a entrevista dada pelo presidente em exercício do TJRS a um canal de TV local. O fato político nasceu de um programa televisivo, transmitido em rede estadual pela Band TV, chamado Entrevista Coletiva. Presentes na bancada estavam o âncora Felipe Vieira e os entrevistadores Diego Casagrande e Afonso Ritter. Diga-se de passagem, embora de gerações distintas, os três são consagrados na mídia gaúcha. Podemos afirmar, de uma maneira polida, que as declarações do desembargador deixaram aos profissionais de comunicação boquiabertos.

A noite do dia da bandeira também deixou às elites gaúchas de cabelo em pé. O presidente de um dos poderes estaduais constituídos explicitou em alto e bom tom um ponto de vista que boa parte da esquerda muito timidamente ousa pronunciar. Marco Antônio afirmara que o estado do RS se encontra em uma encruzilhada. Ou renegocia a dívida ou decreta a moratória. A medida deveria ser mais um dos passos coordenados com outros governos subnacionais, todos “federados” na república centralista do Planalto.

Os ambientes integrados, político, empresarial, jurídico e sindical, começaram a repercutir as declarações na manhã da segunda 20 de novembro. Se subordinados a uma lógica de pensamento estratégico, os números não apenas falam como gritam. O Rio Grande tem comprometido 18,5% de tudo o que arrecada com a dívida pública estadual. O déficit estrutural por ano está numa média de R$ 1 bilhão e 600 milhões de reais. Ao mesmo tempo, a divida ativa é da ordem de R$ 17 bilhões. As cobranças dependem de procedimento judicial; estando dois magistrados para julgar mais de 120 mil processos. Concluindo, dinheiro tem, mas como o estado não investe nos serviços públicos promovidos pelo Estado, os cofres públicos não tem como reaver aquilo que é seu.

Uma saída seria, portanto, decretar uma moratória parcial da dívida, assim como fez Kirchner na Argentina quando assumiu. Isto é, investir no Judiciário e retomar 10% da dívida por ano. Isto daria para cobrir o déficit estrutural, somadas as economias do calote parcial na União, e em menos de uma década o RS sairia do sufoco. Detalhe, o repasse impositivo é brutal e também quebra aos estados. 61% de tudo o que se arrecada no país vai para o caixa único contingenciado pelo governo do Copom. O presidente do Banco Central controla a chave do cofre e só não atrasa os serviços da dívida. Estes, assim como as metas traçadas em Washington e no Banco Mundial, são não apenas cumpridas como superadas ano após ano.

No lado de cá do botim impositivo, o Piratini aplica apenas 6% do volume de recursos destinados pela Constituição para serem usados no Sistema Único de Saúde. Hospitais conveniados fecham as portas, entidades “filantrópicas” se negam a assumir novos convênios se tiverem de pagar as dívidas e a saúde sobrevive na base da “ambulância-terapia”. Na Justiça, assim como em todos os demais serviços públicos, não é diferente. Ausência de pessoal, sobrecarga de trabalho, processos não-informatizados e o mais grave, falta de defensores públicos.

A capacidade de investimento com recursos próprios representa a condição mínima de execução das decisões políticas. O orçamento será uma peça de ficção se os cofres públicos continuarem abrindo mão de 17 bilhões da dívida ativa e de 18,5% do total da arrecadação. O crescimento econômico passa pela melhora dos serviços públicos, garantindo os direitos constitucionais.

Para isto, são duas medidas. A primeira é o corte dos financiamentos estatais para a acumulação privada. A segunda é a distribuição federativa e equivalente entre os poderes e governos estaduais e municipais, dos recursos vindos da arrecadação impositiva.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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