Na tarde deste sábado, 7 de junho de 2008, Yeda Crusius convocou o chamado Conselho Político e assinou o óbito de seu projeto gerencial. Esta é a leitura que faço e intento fundamentar. Sei que os dados já foram para lá de repetidos, mas como uma nota dessas também é um registro histórico, sou obrigado a repetir os fatos.
O momento é de crise e a necessidade de retomar alianças era urgente antes que houvesse uma debandada geral do governo. As relações com PP, PPS e DEM já estavam balançando. Ao final da aventura de espionagem legal operada pelo ex-presidente da Federasul, a versão gaúcha do partido de Herr Bornhausen deixou o governo rumando para uma “oposição furiosa”. Choques de disputa de poder intra-elites e conflitos de papéis.
Presentes na reunião estavam o PSDB – com a própria governadora, a deputada estadual Zilá Breitenbach, o deputado estadual Nélson Marchezan Fo., o deputado federal Cláudio Diaz e o secretário de Infra estrutura e logística Daniel Andrade (representante das empreiteiras no governo, ex executivo da Odebrecht) e o porta-voz Paulo Fona; o PPS – com o presidente do Grêmio e deputado estadual Paulo Odone e Sérgio Campos de Moraes, secretário-geral da legenda; o PP - o casal Vilson Covatti deputado federal e sua esposa Silvana, deputada estadual; o PMDB – com o deputado estadual Alexandre Postal e o dirigente da sigla Rospide Neto; o PTB – com a presença de Elói Guimarães, vereador da capital e presidente estadual da sigla.
Uma reunião assim é um momento tenso e de gestão de crise. Na hora de apontar saídas, é natural que os operadores políticos decidam atirar. O alvo será o governo de Olívio Dutra e os levantamentos feitos durante o governo de Rigotto e de Yeda sobre o aparelho de Estado do Rio Grande. No momento, se acumulam munições, acusando de improbidade àqueles que estariam tentando derrubar a atual mandatária do Piratini.
Para cortar na própria carne e não ficar ainda mais exposta, Yeda aceitou a “exoneração voluntária” de Cezar Busatto (PPS), até hoje Chefe da Casa Civil e pessoa chave no novo esquema de governo montado em torno dele e de Delson Martini, secretário-geral de governo; do representante (embaixador) do Rio Grande em Brasília, Marcelo Cavalcante (caiu pela carta de Lair Ferst) e o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Nilson Nobre Bueno. Os quatro têm a corda no pescoço por acusações, problemas com o Ministério Público, estão no imbróglio das gravações da PF e são alvos permanentes da ofensiva político-midiática que está sofrendo o governo.
No plano interno da segurança, a cancha reta está aberta para o emprego repressivo e as pretensões políticas de Paulo Roberto Mendes, o coronel da Brigada que extinguiu a figura do assessor de imprensa da força policial gaúcha. Nenhuma assessoria consegue ganhar de um coronel de estilo pé de boi, que está à frente das operações e não abre a boca em relação às artimanhas internas de seu próprio governo.
Fora as conspiretas brigadianas e a permanente crise na segurança pública do RS, a coisa está mais que feia e no campo conceitual. Vejamos.
Na hora de dúvida, é bom voltarmos ao “pai da matéria”, do princípio do gerencialismo tucano. Segundo Bresser Pereira, “A Reforma da Gestão Pública de 1995-98 não subestimou os elementos patimonialistas e clientelistas ainda EXISTENTEntes em um Estado como o brasileiro, mas, ao invés de continuar se preocupando exclusivamente com eles, como fazia a reforma burocrática desde que foi iniciada nos anos 1930, avançou na direção de uma administração mais autônoma e mais responsabilizada perante a sociedade. Seu pressuposto é de que a melhor forma de lutar contra o clientelismo e outras formas de captura do Estado é dar um passo adiante e tornar o Estado mais eficiente e mais moderno.”
Expus uma parte das premissas de Bresser porque o mesmo fundamenta o sistema de crenças alegado no “novo jeito de governar”. Yeda tentou, mas perdeu. Sua aposta agora é o co-governo, junto aos partidos tradicionais, tendo de enfrentar a ira do que restara da Frente Popular (PT-PSB e PC do B) e o DEM – em franca oposição e dissidência de sua executiva nacional. Vai esvaziar o Palacinho do vice, exonerar os 40 CCs que apóiam o empresário na sua função de perturbar o governo e levar adiante suas teses a todo custo. Feijó tem uma carta na manga, pesada, e vai partir para cima da vida privada de Yeda. Qualquer relação com a casa da professora-governadora, não é mera coincidência.
A partir de agora, ou o PT desiste do impedimento (impeachment), ou os parlamentares terão de se defender com unhas e dentes. Vai entrar tudo na roda, incluindo o Banco Santos e as prefeituras de Alvorada e Viamão. Dá para derrubar o governo, mas o preço a ser pago será alto. Terão de enfrentar no pago a uma parte dos queridos aliados de Brasília e muito provavelmente Tarso Genro não irá permitir que a pá do coveiro entre muito fundo.
O mesmo partido reformista se tornara social-liberal quando proclamou a Carta para os Brasileiros. A manobra de co-governo e remuneração aos operadores foi a saída para governar sem maioria. Este ponto faltou na obra dos tucanos Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi (FGV, 1999), porque os acertos transacionais da “coalizão de governo” não foram contabilizados. Entre equações sem fim e gíria acadêmica estadunidense, os dois pesquisadores paulistas não puseram cifras nem modus operandi. Tampouco o custo da dissidência estava presente, além de retaliações orçamentárias. Como entendo que o Jogo Real da política Real não é um, mas são vários, e neste Jogo jogado hoje no Brasil, Busatto foi sincero demais, esta lacuna da teoria faltará porque ninguém quer dizer nem sequer a verdade factual. E depois da última sexta, ninguém falará mais nada.
Paulo Afonso Feijó se arrisca a pelear sozinho, em nome de uma suposta moralidade da iniciativa privada mediana, a mesma que enlaça com as máquinas político-partidárias do estado desde que seus antepassados venderam a república em Ponche Verde. Mas, como a figura mais belicosa nos duelos de mídia que vivemos é um homem-bomba, está aberta esta “janela de oportunidade” para implodir o subsistema político gaúcho.
O último homem-bomba da política brasileira não foi até o fim e seu partido continua dentro do mesmo governo que ele disse ser operador do Mensalão (e era). No pago, qual o limite de Feijó? Sim, porque se cavar ainda mais fundo esbarrará naquilo que todos sabem, mas só o Busatto fala quando não sabe que está sendo gravado. E, na outra ponta do patrimonialismo e da locupletação endêmica estão os contratistas. Não há governo corrupto sem empresariado corruptor. Isto quando os papéis não são absolutamente os mesmos e então não há ninguém para corromper porque todos já assim estão. Caberá ao jovem ex-vice governador em exercício provar que o caso dele vai além do exemplo dado acima.
Suponho que isso não vai ocorrer e a lambança será geral. O patrimônio simbólico da estirpe dos políticos rio-grandenses caiu por terra e não se levantará tão cedo. Onofre Pires e Vicente da Fontoura sorriem no inferno, lembrando de lá que os atuais são iguais a maioria dos fundadores da Província que não quis ser república federalista na Pátria Grande. Na maior parte dos casos, o empate político no corruptômetro dá num acórdão para salvar o estamento. Se Yeda não cair, a saída será essa. Governo gerencial com projeto próprio, já era. Resta saber se sobreviverá até o fim do mandato.