A Semana da Pátria, conforme nós aprendemos a recordar dentre aqueles e aquelas que nasceram e cresceram durante a ditadura militar, vai concluir de forma melancólica no dia 07 de setembro. Não me refiro aos desfiles oficiais, mas a confusão derivada das oposições sociais que insistem em manter - em sua linha hegemônica – o confuso e estéril “apoio crítico e oposição para a política econômica”.
Na farsa da independência promovida pelo filho do rei da metrópole que se transformara em Reino Unido, necessitamos urgentemente reorganizar as esquerdas a partir da independência de classe e visando antes de nada o destino coletivo, como povo, e não como suporte do pacto de classes do governo de turno. Esta prática nefasta, típica do período em que Luiz Carlos Prestes era um totem vivo dentro do partido de linha moscovita no Brasil pré-golpe, é retomada na crise do modelo lulista.
Quando será dado este basta, não sabemos. Mas, a certeza é saber que o prazo de validade já passou (há muito) e não há compromisso possível no 3º turno onde o governo é comandado por um ministro banqueiro, outro líder empresarial e compondo o time do andar de cima, uma autêntica representante do latifúndio. Vamos ao debate.
Roda Viva quem te viu e quem te vê - onde está o jornalismo? Como fazer o jornalismo sem o contraditório? Jornal Hoje da Globo e a desinformação estrutural
Assistir ao programa Roda Viva na Rede Cultura (Fundação Cultural Padre Anchieta, subordinada ao governo de São Paulo) é um exercício de paciência e capacidade de abstração. Sob a condução de Augusto Nunes, o programa do dia 31 de agosto de 2015 debatia "Saídas para a crise". Dentre os debatedores estava o ex-ministro da Fazenda de José Sarney, Maílson da Nóbrega, assim como o ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações de FHC, Luiz Carlos Mendonça de Barros.
O primeiro teve a coragem de dizer que "já passamos por problemas maiores" e que "acredita nas saídas do Brasil para a crise, como por exemplo, em algum momento, o aumento do tempo de serviço para a aposentadoria". Ninguém lhe perguntou a respeito do período de inflação galopante do governo Sarney e tampouco sobre as operações de consultor. O quadro de horror das ausências ficou na pergunta que não houve: “ministro, como o senhor conseguiu colaborar com o processo inflacionário no governo Sarney, contribuindo para a hiperinflação?”.
Já o Mendonção disse com todas as letras que defendia uma agenda mínima e realizável. Deu como exemplo o ciclo de privatização. Disse que queria empurrar a privatização da Petrobrás e da Telebrás, mas que FHC afirmara que as duas juntas seria um preço político impagável! Assim, Sergio Motta lhe aconselhara a tentar a privatização da Telebrás, uma vez que a sociedade necessitava de uma telefonia moderna. Afirmou que queria privatizar a Petrobrás com todas as letras e ninguém deu um ai, nenhum comentário após isso! Obviamente tampouco ninguém citou a dívida pública interna que consome para o espólio rentista a mais de 45% do orçamento executado em 2014.
O mesmo se deu na reportagem de mais de 4 minutos do Jornal Hoje da tarde do mesmo dia 31 de agosto. Não houve uma relação óbvia de causalidade quando o Executivo apresentou o orçamento para 2016 com déficit de R$ 30 bilhões sem reduzir a taxa de juros básica (Selic) e, por consequência, a relação dívida PIB e dívida orçamento da União. Mais do mesmo no debate público operado pela opinião publicada. Onde está o jornalismo? É esta a baliza da opinião pública ou é apenas a opinião publicada? Fico com a segunda escolha.
O malabarismo do ex-governador Tarso Genro – ataca a defesa do boneco de Lula e se esquece dos lamentáveis episódios de repressão política durante o seu governo na Província do Eucalipto
É curioso o malabarismo político do ex-governador do RS Tarso Genro em artigo de sua autoria postado no excelente portal Sul 21 (jornal eletrônico), publicado em 31/08/2015 com o título “O boneco protegido”. Se por um lado o seu governo fez uma inflexão no rumo de uma economia política baseada no desenvolvimento regional e na atração de investimentos que pudessem transformar as cadeias de insumos locais, por outro, Tarso perdeu o controle sobre o aparato de segurança e aumentou a repressão no estado para níveis superiores ao desgoverno de Yeda Crusius.
Agora, alçado para a condição de intelectual em busca da reconstrução de seu partido, o ex-ministro da Justiça e da Educação de Lula apaga de sua trajetória a defesa que fez do Tatu Bola, assim como não se recorda de haver taxado vergonhosamente a base mobilizada da FAG de "fascista".
Tarso foi um excelente gestor do capitalismo rio-grandense e um cruel executor da esquerda restante na província. Comprova com suas balelas que nada mais eficiente do que um ex-comunista arrependido para servir como cavalo de batalha da direita ideológica. A mesma que fora adulada por quatro anos à frente do Piratini o abandona para aderir ao desgoverno oligarca e neoliberal de Sartori.
Tarso foi o equivalente ao ex-premiê espanhol Zapatero no RS. Preparou o retorno para a direita política após haver reprimido com vontade a rebeldia de 2013. Parabéns ao ex-dirigente do PRC, está à altura do SPD alemão quando esta legenda apoiou a contra revolução anti espatarquista de Rosa Luxemburgo e dos conselhistas. Com uma ex-esquerda como essa nem precisava de direita.
A crise fiscal do Estado brasileiro é diretamente proporcional ao poder das grandes empresas em sonegar seus tributos
Este trecho da reportagem do excelente site Congresso em Foco é fundamental, economizando as palavras deste analista:
"Os bancos Santander e Itaú são responsáveis pelas maiores dívidas em discussão no Carf. Em um dos casos, a filial brasileira do Banco Santander S.A. negocia 24 processos de execução fiscal junto à União. Ao todo, a instituição financeira foi autuada em R$ 27,3 bilhões pela Receita Federal. O segundo maior devedor é o Itaú Unibanco Holding .S.A., que contesta um total de R$ 22,8 bilhões. No entanto, empresas do grupo Itaú não figuram entre as investigadas na Zelotes, que desvendou um esquema de corrupção no âmbito do Carf. O terceiro maior devedor é a Petrobras, que questiona cobrança de R$ 20,6 bilhões em multas aplicadas pela Receita em 17 processos."
É conta de chegada. Não há como solucionar o rombo do país sem solucionar a sonegação e diminuir a incidência do espólio rentista.
O dia do fico do ministro banqueiro e o país do imposto invertido
No dia 03 de setembro o ministro de confiança do Bradesco, Joaquim Levy, cancelou a viagem para a Turquia onde se reuniria com os pares do G-20. O motivo foi uma reunião de emergência no Palácio do Planalto, onde Dilma Rousseff, desesperada, o convoca para garantir as condições de permanência. Respaldando o ministro banqueiro estavam os dez maiores grupos econômicos e federações empresariais do Brasil. Os mesmos que escoram a ex-guerrilheira no Planalto se posicionam de forma incondicional junto a Levy. Seu plano de metas e ajuste fiscal foi bancado por Luiz Trabuco, todo poderoso número 01 do Bradesco e seu superior de fato, no sentido de lealdade para com a classe dominante a qual ele - Levy - presta serviços como elite dirigente.
Sem a permanência de Levy, entende o andar de cima que o caminho está aberto e autorizado para as puxadas de tapete de Temer, como a declaração mais que óbvia quando o político de estirpe quercista afirmara ser impossível Dilma aguentar 3 anos e meio com índices altos de rejeição. A fala do vice-presidente foi em reunião para empresários paulistas - tal e como Bush Jr. falava para os super ricos "I call you my base" - e cometeu uma suposta gafe de sincericídio. Falou o óbvio e condicionou o apoio - por tabela - para o governo moribundo onde o PMDB deita e rola, dentro e fora do próprio governo.
Se as condições de permanência de Joaquim Levy forem manter a maldita Taxa Selic por mais 12 meses batendo nos índices de 14,25% ao mês (juros de agiota que dariam vergonha aos picaretas e laranjas da praça), então não haverá outra saída a não ser avançar nos recortes das políticas sociais. Neste momento - que já se aproxima e de fato ocorre - a centro-esquerda restante vai arriscar (já arrisca) seu prestígio e legitimidade ainda presente para manter o tal "apoio crítico" embora sejam contra a política econômica.
Ao menos a semana apontou duas boas notícias: o Senado rejeitou o financiamento empresarial de campanha (através de pessoa jurídica doando para partidos políticos), devolvendo o tema para a mui nobre e leal e valorosa Câmara Baixa sob a batuta de Eduardo Cunha (PMDB-Assembleia de Deus - RJ). A emenda foi operada por em cima do PL 75/2015, e deixa a bola quicando na intermediária do baixo clero.
Já o plenário da Câmara, surpreendentemente aprovou a Medida Provisória (MP) 675/15, onde prevê um aumento da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), passando de 15% para 20%. Já as cooperativas de crédito pagarão o índice de 17% sobre o seu lucro líquido. Pode parecer muito, mas não é, e ainda na proporção, nós assalariados contribuímos muito mais do que a Banca - o governo de fato - que recolhe os ganhos com cerca de 22% a 27% dos lucros com a agiotagem oficial, financiando e refinanciando a rolagem da dívida pública e recolhendo o espólio.
Outra pauta que ainda seria importante pelear por ela é o retorno da CPMF, mas cravando em cima dos CPFs que movimentem a partir de uma determinada quantia, incidindo na camada superior da pirâmide social brasileira. A CPMF é um imposto justo porque agarra no meio da movimentação financeira, mas não pode ser isonômica e sim redistributiva. Quando extinguiram a CPMF em 2007 foi reeditada por acórdão de líderes a maldita Desvinculação das Receitas da União (a DRU), sempre a sangrar institucionalmente o orçamento das receitas vinculadas como garantias de direitos constitucionais.
Entendo que estamos diante de um momento crítico de reversão de expectativas e com retirada de políticas públicas. Piora o cenário a recessão inflacionada provocada pela elevação de preços administrados. A hora é de enfrentar a crise do modelo e não de atirar salva-vidas para quem escolheu governar com a direita por dentro do governo que, eleito no 2o turno, governa de fato no 3o turno.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais