25 de fevereiro de 2016, Bruno Lima Rocha
Introdução: Para refletir. No excelente Museu Nacional de História do México há uma série de murais representando a Revolução Mexicana com os sindicatos organizados com bandeiras vermelhas e negras além de estandartes do mutualismo. Tem referências soltas a Ricardo Flores Magón e seu irmão Enrique, nada de Praxedes Guerrero e em nenhum momento o termo anarquista ou anarquismo é citado. Nos murais de Diego Rivera e alguns de seus amigos e aliados estalinistas vez por outra incluem uma foice e martelo sendo que o Partido Comunista Mexicano (PCM) foi criado após a Revolução. A curadoria do Museu e do INAH – Instituto Nacional de Antropologia e História, o órgão gestor – foi cúmplice da mentira da historiografia marxista e seus aliados priistas. Nesta curta série de três textos tem para todo mundo. Logo, não se empolguem amigos e amigas da 4a Internacional. Na casa museu de Trotsky, também sobra inverdade e omissão histórica.
Apagando o anarquismo mexicano da memória histórica
Como afirmei no texto anterior, estando no México (apenas no D.F.) sem tarefas políticas ou acadêmicas e por um curto espaço de tempo, tive a oportunidade de observar desde um ponto de vista distante, o efeito que o crime histórico causa na memória política e, somado ao rolo compressor do dia a dia no capitalismo semi-periférico, opera como força esmagadora de desmobilização em uma onde os bens simbólicos são tão importantes. Ainda quanto a memória e história da política mexicana, o único registro muralista que vi de Ricardo e Enrique Flores Magón, e foi justo na estação de metrô que atende pelo nome de Revolución Mexicana. Obviamente que a representação não tinha legenda.
No Museu Nacional de História não havia uma representação ilustrativa dos militantes anarquistas citados e tampouco o programa do Partido Liberal Mexicano (PLM). Neste quesito, há também um proposital desvio de significado. O Partido Liberal Mexicano se converte em anarquista já na virada do século XX. Mas ao longo da narrativa histórica do museu, que termina com Lázaro Cardenas, há uma confusão entre ideário liberal, ideologia da modernização e o tema das terras comunais, cuja preservação e ampliação estavam no plano do Exército Libertador do Sul, comandado por Emiliano Zapata.
Também há certa confusão entre o anticlericalismo elogiado pelo mutualismo que dá base para as colunas operárias do DF e a representação do cristianismo popular e sincrético das guerras camponesas latino-americanas. Quem não tem o mínimo de base histórica não associa anarquismo a zapatismo e o papel do PLM e do encontro da Divisão do Norte – comandada por Francisco Villa – e o exército do Sul, coordenado por Zapata. Lógico que tampouco não há referência quanto à coluna da IWW (Industrial Workers of the World, confederação sindical revolucionária de orientação anarquista e baseada nos Estados Unidos) de voluntários anarquistas internacionalistas que adentra em Baja California com Joe Hill à frente.
Para completar o crime histórico, a curadoria do Museu, a base historiográfica marxista e seus aliados do Partido Revolucionário Institucional (PRI) aceitaram citar que por alguns momentos o invasor espanhol e alguns conservadores denominavam as bases das rebeliões indígenas na colônia e no século XIX como “comunistas”. A denominação está correta, mas a referência nada tem haver com a tradição do comunismo estatista marxista ou comunismo libertário como era defendido na Revolução Espanhola. O comunismo que se referem é o mesmo dos revolucionários comuneros do Paraguai, organizadores de uma enorme rebelião anticolonial no mesmo período missioneiro.
Assim os aliados do priismo trazem um mérito ao reconhecerem a luta indígena e um grande estrago e crime histórico ao omitir o anarquismo mexicano e confundir sentidos que levam a uma pessoa com menos formação política e base histórica em ver um peso marxista onde o mesmo não existe enquanto torna invisível a ideologia de esquerda mais importante na primeira revolução social do século XX. A presença do anarquismo foi tamanha que até hoje mesmo os sindicatos oficiais do México preservaram as cores vermelho e negra, ainda que estes sejam em sua grande maioria parte da máquina de dominação interna.
Isto ocorre em toda a América Latina e não se supera a mentira histórica a não ser combatendo-a em todos os níveis.