Após ouvir as gravações divulgadas entre Lula e aliados, incluindo a conversa com a presidente Dilma, me veio na memória um episódio semelhante durante a década de '90. Não quero parecer Poliana, mas entendo que o teor das conversas está no mesmo patamar ou ainda menor do que os grampos realizados durante o Leilão do Sistema Telebrás, onde foram capturadas conversas pouco republicanas entre Luiz Carlos Mendonça de Barros – então ministro das Comunicações – e o presidente Fernando Henrique Cardoso. O processo decorrente terminou nulo. Em 2009, “Mendonção” foi absolvido pela Justiça Federal das denúncias de improbidade administrativa. As conversas entre Lula, Jacques Wagner, a de Luiz Inácio com o presidente da CUT nacional, Vagner Freitas e os curtos diálogos com a própria Dilma, me pareceram do mesmo teor. O agravante agora não foram as conversas em si, mas sim a maneira como foram difundidas, como que obedecendo um tempo político perfeito de contra resposta da indicação de Lula para a Casa Civil.
Quanto ao conteúdo, embora assuste os leigos na política, mas, de fato, é algo corriqueiro em um ambiente como o nosso. Lula fora nomeado para a Casa Civil tanto para salvar a sua carreira política como para jogar, na forma mais arriscada possível, tentando manter o partido de governo – no mínimo – até o final do mandato e agora, quem sabe, tentando concorrer em 2018. A contra-resposta foi um prolongamento da linha de ação iniciada com a condução coercitiva do ex-presidente e neste sentido, reconheço que o cientista político Alberto Carlos Almeida acerta na análise (da condução).
Entendo que estamos diante de um conjunto de medidas de tipo estrutura policial e jurídica com autonomia relativa, quase agindo por conta própria e, tecnicamente, tentando ficar dentro da lei. A conversa entre Dilma e Lula é proporcional aos ataques recebidos. Pode ser pouco republicana, mas é algo presumível e previsível. O que a todos surpreendeu foi a divulgação das gravações de Lula – todas inicialmente autorizadas pela Justiça, embora com abuso de autoridade da parte de Moro – e, pelo visto, dentro de uma interpretação bem flexível tanto da lei como da ética na política republicana. O juiz Sérgio Moro virou o fio, Gilmar Mendes e a Globo também, assim como a nova-velha direita ideológica.
Definitivamente, em escala midiática e sem participação das forças armadas ou algum poder moderador-interventor de tipo militar, o momento lembra o de 1954 em todos os aspectos. Se Lula recuar, acabou sua carreira política e o governo federal. Se tentar ser empossado no cargo no limite da legalidade e escape do impeachment, o governo pode sobreviver e até renascer do limbo em 2018. Luiz Inácio pode tanto sair preso, como pode terminar tudo em um processo de impeachment, como também – em proporção menor – terminar sendo eleito ou indicando quem sucederá Dilma em 2018. O cenário está totalmente aberto, e o projeto do pacto de classes e aliança capital-trabalho, definitivamente, foi para a tumba.
O reboquismo e a nova direita neoliberal
Quanto à posição de quem está na rua como lacerdistas: ou a direita mobilizada eleva os níveis de protesto, realizando atos de violência e "vandalismo" (ao menos na Esplanada e em frente ao Palácio do Planalto), intensificando algum grau de conflito também em São Paulo (capital e Grande São Paulo), ou não vão gerar a comoção de irracionalidade e sentido de "justiça" que tanto gostam de proclamar. Isso é o que faz a direita esquálida venezuelana, protestos violentos denominados por lá de guarimba e aqui de "vandalismo". Como a TFP estilo fashion week não se dispõe ao risco físico, o frenesi de indignação não deve ultrapassar os limites da gritaria, a não ser em São Paulo e em Brasília, justamente pelo recrutamento da pobreza de direita, a começar por gangues neofascistas.
Quanto à posição da centro ex-esquerda, que ainda está na base do governo e bastante acuada, o caminho também é estreito. A exemplo das entidades de base da Frente Brasil Popular, Povo sem Medo e outros aglomerados de setores sociais dentro do guarda-chuva do governo, falta uma plataforma de reivindicações que tenha possibilidade de convencimento. Sinceramente, não vejo capacidade de convocatória de quem não está nas alas governistas, a não ser que, por milagre e pensamento mágico (tal como o proferido pelo presidente nacional da CUT, Vagner Freitas), ocorra uma evidente guinada à esquerda vinda do Palácio do Planalto.
A esquerda restante deve ficar muito atenta para não fazer coro com a nova-velha direita, sem com isso reforçar a proposta governista. Depois de mais de 13 anos de traições sem fim, fica quase impossível crer em qualquer tipo de “guinada à esquerda”, a não ser que ocorra alguma pouco provável reviravolta na direção dos movimentos da Via Campesina e afins. Marcar a posição de ser contra o golpe e ficar distante e sem reboquismo, embora mantenha a radicalidade lúcida, mesmo formando o discurso mais coerente, de fato necessita um trabalho de convencimento contra o relógio e de superação ao sectarismo e a atomização dos setores populares.
Infelizmente, o terreno pantanoso é fértil para bobagens. A direita ideológica avança na base do artifício da desinformação e das manobras midiáticas. Nada vem por acaso e apenas por talento da reação. O pacto de classes e o peleguismo afastaram quem crê e pratica luta popular.
No momento, ou a base do governo ganha tempo no Judiciário (como na decisão de Teori Zavascki a favor de passar o impedimento de Lula para o STF) e anula parcialmente a agenda do Congresso, ou terá de correr e muito. O insulamento da esfera política profissional também aposta corrida contra a ampliação da Lava Jato, cuja lista real de propinoduto atinge a literalmente todos os partidos, com exceção das legendas eleitorais de esquerda não governista (como o PSOL). A única saída para o PT é arrancar 171 votos mais um e segurar-se no governo a qualquer custo. Acompanhando as decisões e os acórdãos de líderes no Senado, o Planalto está disposto a entregar tudo ou quase-tudo! Já a posição por esquerda, o caminho a ser traçado é longo e lembra o dilema do bêbado e o equilibrista: estar contra a direita ideológica, mas sem defender o governo da ex-esquerda que padece.
Fechamento: uma proposta de análise e definições de pontos-chave, a partir da posição do analista
1- Minhas análises não substituem a posição coletiva da esquerda libertária e sim são produzidas a partir destas;
2 - Temos um golpe a caminho (articulado e com algum grau de coordenação), mas o governo é indefensável; logo, não se trata de ver o circo pegar fogo, mas entender e denunciar o que está ocorrendo sem aderir a nenhuma base governista;
3 - Se a esquerda social ainda tem base, deveria pressionar o governo e não prestar apoio incondicional sem colocar nada em troca, a não ser que a esquerda social tenha virado liberal-democrática;
4 - Tem dedo (pata) da agenda da embaixada dos EUA sim (sem paranoia);
5 - A caracterização de "República de Curitiba" comparando-a com a "República do Galeão" também está correta, não importando se quem disse isso foi Lula ou não;
6 - O impeachment, se vier - e talvez venha - vai implicar em um blocão de consenso tipo rolo compressor do governo de coalizão. Se isto ocorrer quem vai entrar na negociação somos NÓS: vão entrar no jogo os direitos históricos e todos devem ser estraçalhados;
7 - Caracterizar não é aderir: Vargas era de direita e nacionalista, foi derrubado em 1954 por um golpe de direita e entreguista; agora é mais ou menos assim, infelizmente, para desgraça da esquerda;
8 - Jorge Viana (senador do PT pelo Acre) acertou, quem mais se beneficiou dos 8 anos do governo Lula estão cuspindo no prato - não são os 44 milhões de beneficiados de políticas sociais e sim os agentes econômicos que operaram estas políticas;
9 - A elite brasileira não é sequer nacionalista e não adianta a choradeira de pelego, o que adianta é pressão, é definir como golpe e enredo de ópera bufa;
10 - Se há esquerda neste país que não está no governo (e há), seria necessário uma unidade de ação, urgente, para definir o momento e não ficar de espectador entre neovarguistas e os entreguistas vira-latas de sempre.
11 - Se o governo durar até 2018 vai colocar em negociação os direitos coletivos, ou patrimônio da maioria, como o PLS 131 do Pré-Sal. Se o governo cair, aí os neoliberais e neoconservadores vêm com tudo e vão acelerar todas as agendas que são anti-populares, como a PEC 215, o PL 4330, o já citado PLS 131 e cia. Guarda alta e sem reboquismo, mas denunciando a agenda estratégica da direita que perdeu na urna e agora quer rasgar nossos direitos.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais.