Bruno Lima Rocha, 15 de abril de 2015
Nas últimas duas semanas de março comandos de infantaria do exército turco (o 2º maior contingente militar dos países membros da OTAN) atacaram bases guerrilheiras das forças do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), rompendo uma trégua unilateral bastante duradoura iniciada pela esquerda curda. A mídia internacional ignorou solenemente o fato, cuidando para não afetar a imagem da Turquia diante das audiências ocidentais. O governo de Ankara tem duas metas permanentes. Uma, é o ingresso na União Europeia; outra, a derrota militar e política da ampla base social mobilizada pelo Confederalismo Democrático organizada pelo referencial teórico de Abdullah Ocalan. Pode parecer estranho para a lógica da geopolítica, mas o Estado Turco teme mais o KCK (frente de massas e movimento popular curdo) do que a frente armada da esquerda democrática.
O atual mandatário turco, Recep Erdogan (do partido AKP), conta com duas fontes de apoio da base conservadora da sociedade, islamitas e militares (nacionalistas turcos) proto-fascistas. Pelo andar de cima da sociedade turca, o AKP atenua um histórico antagonismo, entre islamitas (seus eleitores preferenciais) e os generais da extrema-direita kemalistas (nacionalistas curdos com inclinações fascistas). Pelo andar debaixo, a base popular conservadora nacional está fechada com Erdogan, aceitando inclusive sua política econômica de inclinações neoliberais. Após a rebelião da Praça Taksim, o poder do partido islâmico e os laços com os eternos conspiradores militares (a conhecida Rede Ergenekon) foram reforçados, aumentando a força do Poder Executivo e colocando em xeque a viabilidade da democracia liberal naquele país.
Desde então, as táticas acima citadas, conhecidas como Ergenekon vêm sendo retomadas, sendo que a política repressiva inclui intimidação de líderes públicos, militantes de base e operadores do HDP, a frente legal-eleitoral vinculada ao PKK na Turquia. Todas as péssimas impressões de uma democracia tutelada e sob eterna vigilância castrista se mostram corretas. Na “democracia” turca, as regiões (equivalentes a estados ou províncias) têm o seu governo local indicado por Ankara, podem ser colocadas sob estado de emergência e governadas (de fato) por uma sinistra instância de segurança nacional. Na atualidade, o gabinete de Erdogan combina alguns dos piores mundos: economia de corte neoliberal; simpatias ao integrismo islâmico e apoio dos militares envolvidos com as piores teias da extrema-direita de pós 2ª Guerra, sendo, por exemplo, reconhecidos parceiros da antiga Rede Gladio italiana (a mesma que organizara a relação com a Loja Maçônica P2 e operara o atentado contra João Paulo II). Internamente, são estas forças que operam como força de ocupação no Curdistão Turco (no sudeste do país), promovendo “limpeza étnica” e removendo mais de 3800 aldeias curdas ao longo dos últimos 30 anos.
A Turquia é o elemento-central para interpretar as relações entre o Ocidente e o Oriente Próximo, além de ser o Estado de maioria islâmica com economia mais dinâmica. As elites turcas rivalizam com o Irã (sob hegemonia persa e xiita) e com a Arábia Saudita (árabes sunitas de credo wahabbita integrista) e por esta lógica, apoiam os rebeldes fundamentalistas da Síria, aumentando a tensão entre sunitas e xiitas. Para tal, não hesitam em apoiar o Estado Islâmico (Daesh), de forma discreta e por vezes aberta e, ao mesmo tempo, operam a mais execrável das alianças contra a causa dos povos do Curdistão. O grande aliado da Turquia na luta contra a esquerda curda é o governo de um território quase independente do Governo Regional Curdo (KRG, localizado no norte do que resta do Iraque), comandado pela oligarquia do clã dos Barzani, cujo partido, o KDP, é considerado como o partido-irmão do AKP de Erdogan.
A frente curda em território ocupado pelo Estado turco é estratégica, sendo o fiel da balança para a probabilidade de vitória do projeto de Confederalismo Democrático para os povos do Curdistão.
Artigo originalmente publicado no Jornalismo B_abril 2015