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ISSN 0033-1983
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No Uruguai: a vitória da Frente Ampla e a derrota da esquerda
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Quando a política barganha com a impunidade e os crimes de lesa-humanidade, como os perpetrados contra o militante sindical e libertário León Duarte (foto), a vitória eleitoral deixa ares de negociação de coxia ao preço das crenças das maiorias ainda em silêncio sepulcral. O velho Bordaberry deve ter comemorado a vitória de Pirro de Pepe e seu vice neoliberal.
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30 de outubro de 2009, da Vila Setembrina, Continente de Sepé, Liga Federal de Artigas y Valientes, Bruno Lima Rocha
No último domingo dia 26 de outubro o Uruguai foi às urnas para o primeiro turno de suas eleições gerais; sendo que o segundo turno será no dia 29 de novembro. Ao contrário do Brasil, lá não tem re-eleição, o que impediu o atual presidente da Frente Ampla (FA), o médico Tabaré Vázquez, de emplacar uma hipotética vitória. Após uma interna larga e duríssima, a chapa da situação de esquerda amarrou o consenso, lançando o ex-guerrilheiro José Pepe Mujica na cabeça e o economista Danilo Astori de vice. enviar imprimir A candidatura do FA atingira, até a conclusão deste artigo (cuja redação original foi na tarde de 3ª, 27 de outubro), a 48,16% dos votos. Foram seguidos pelo candidato blanco, o ex-presidente Luis Alberto Lacalle (Partido Nacional, PN) com 28,94%; bem atrás se localiza o candidato do Partido Colorado (PC), Pedro Bordaberry, filho do golpista de 1973, chegando a apenas 16,9% dos votos. No fim da fila, o pequeno Partido Independente (PI), com o advogado Pablo Mieres, marcando apenas 2,47% de votos. Na ponta ainda mais à esquerda do mapa eleitoral, a Assembléia Popular (AP) com Raúl Rodriguez, fechou com cerca de 1%.
Ao contrário do que possa parecer, o título do artigo não se relaciona com a derrota da AP e sim com o fenômeno de ganhar nas urnas e perder nos plebiscitos. Explico. Ao contrário das eleições brasileiras, a democracia uruguaia tem tradição de tipo direto e plebiscitário. Neste ano de 2009, estavam em jogo duas reivindicações históricas da esquerda uruguaia. Uma dizia respeito ao direito dos cidadãos emigrantes a votarem no exterior, o chamado Voto Epistolar. A outra pedia a Anulação da Lei de Caducidade, que na prática perdoa os militares acusados de crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar (1973-1985) desde que os mesmos não tenham motivação econômica.
A lei data de 1986 e foi assinada no primeiro governo de Júlio María Sanguinetti (1985-1990, o segundo foi de 1995 a 2000). Em 1989, após dois anos de intensa militância por coleta de assinaturas, a Lei de Caducidade foi a plebiscito e a esquerda perdeu, após uma campanha de medo e pressão vinda dos militares da reserva e da ativa. Estando na presidência, Tabaré fez o que pode para evitar a questão. Embora alguns ex-mandatários da ditadura estejam em prisão especial ou domiciliar, os operadores intermediários não foram molestados, deixando o alto-comando atual das diminutas Forças Armadas uruguaias, cômodo e satisfeito.
Durante a campanha desse ano, a FA repetiu o gesto. Mujica esquivou-se do tema, chegando a declarar que não teria sentido “pôr algumas dezenas de velhinhos em cana”. O resultado se nota nas urnas. A anulação da Lei de Caducidade perdeu, com 52,64% votando pela manutenção da mesma. Já o Voto Epistolar apanhou de relho, sendo recusado por 63,07% do eleitorado.
Qualquer semelhança com a pífia atuação de Lula na abertura de arquivos da ditadura não é mera coincidência. Na Banda Oriental a história se repete. O ex-tupamaro encabeça a maior votação da história da “esquerda” uruguaia enquanto suas bandeiras históricas são abandonadas ao largo do caminho.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat
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