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Daniel Dantas, o espetáculo da desinformação e a cegueira institucional


O advogado de defesa de Daniel Dantas e do Banco Opportunity, Nélio Machado, fez um verdadeiro comício em defesa da liberdade extrema e do descontrole geral sobre os capitais ciruculantes. Segundo ele, o delegado Protógenes Queiroz desconhece as estratégias empresariais e o linguajar utilizado.



Bruno Lima Rocha

Vila Setembrina dos Farrapos, 6ª 18 de julho de 2008

A prisão de Daniel Dantas, a primeira ocorrida no dia 8 de julho implicou uma crise visível no Poder realmente existente no Brasil. Nunca é demais ressaltar que Dantas é o dono do Banco Opportunity (de investimentos) e operador do caixa das privatizações volumosas iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso e atualmente é pivô no imbróglio da fusão da Oi com a Brasil Telecom. Nesta grande operadora surgida com a fratira do Sistema Telebrás (estatal), é onde ele tinha sociedade e rivalidade de controle com o CitiGroup e a Telecom Itália, cuja diretoria por sinal responde processo pesado na Itália. Por outro lado, apresenta ao público receptor uma complexidade organizacional que escapa da compreensão da maioria daqueles que se atrevem a tentar entender e se posicionar quanto aos acontecimentos. A crise é intra elites, e respeita o modelo da baixaria ampla, total e irrestrita dos saques sistemáticos que acompanharam as “privatizações modernizantes” na América Latina, seguindo o padrão de Salinas de Gortari (México); Alberto Fujimori (Peru); e do imbatível Carlos Saul Menem (Argentina).

A dificuldade de informação é porque dificilmente se explicam fatores óbvios. Um deles é a cegueira institucional. Se um consumidor qualquer gasta um pouco mais no cartão de crédito, a operadora nos telefona e questiona, desconfiando que o cartão possa ter sido clonado ou roubado. O mesmo ocorre com cheques que movimentam um valor médio acima da quantia que este correntista costuma movimentar. Não há explicação plausível além da sujeira e do privilégio. No caso do cidadão como indivíduo consumidor no capitalismo, há vigilância. Em se tratando de grandes operadores de fundos de moeda digital, aí o Estado e o sistema bancário fica cego!?

Um fundo de investimento que trabalha no off shore é uma montanha volumosa de dinheiro, que tem correspondência na riqueza material produzida em sociedade, circula através de infovias digitais e fica depositado nos chamados “paraísos fiscais”. Os paraísos são “paradisíacos” porque cobram pouca ou nenhuma taxa para os valores que entram e saem de um país ou colônia, como é o caso das Ilhas Cayman, Bahamas e o vizinho Uruguai. Aí temos algumas possibilidades quanto à origem e trajeto dos fundos operados por tubarões do sistema financeiro como Dantas e Naji Nahas, maior doleiro operando no Brasil e que também foi em cana e logo saiu com as bênçãos da Suprema Corte.

1) O dinheiro tem origem lícita e foi movimentado vindo de contas lícitas compatíveis com os rendimentos médios de cada investidor. Mesmo com origem lícita, estes valores não pagam o devido valor de imposto, até porque saem do país sem ser taxados. A lei brasileira não permite que residentes no país apliquem em fundos off shore, não importando a origem da fonte.

2) O dinheiro tem origem ilícita e provém de desvios de fundos públicos ou então de dinheiro não passíveis de serem declarados. Neste caso, o dinheiro opera como fator de corrupção dos recursos do Estado e toma a infovia do mega operador off shore para se “legalizar” perante o sistema financeiro globalizado que também não paga imposto e não declara a titularidade dos correntistas e aplicadores.

3) Os chamados doleiros entram na lavagem, remessa e envio. O dólar, como moeda aceita em todo o planeta, torna-se um investimento seguro, tal como já o foi o padrão ouro ou a troca de diamantes em regiões de fronteira. Remessas ilegais e dolarizadas podem se dar através de contas de tipo CC5, onde se deposita em reais e o equivalente até US$ 10.000 não precisa ser identificada fora a titularidade da conta. Outra troca possível é a compensação em dólar de valores em reais, em espécie ou via transferência eletrônica. Caso muito comum em zonas de fronteira, uma “empresa” legal ou paralegal aplica em reais e a quantia equivalente em dólares fica garantida em uma conta bancária – com depósito em dólares, por exemplo, em alguma casa bancária de Punta del Este ou Montevidéu; ou na tríplice fronteira Foz do Iguaçu – Iguazu – Ciudad del Este.

4) Nos casos de entrada de fundos off shore no país, como as regras do Banco Central favorecem os investidores estrangeiros, quando um fundo de capitais brasileiros que saíram sem pagar o devido imposto (evasão de divisas e sonegação fiscal), entra de volta no país como fonte de investimento, mesmo sendo proibida para residentes no Brasil (gestão fraudulenta). Nenhum brasileiro residente (ou naturalizado residente) pode investir no país como “estrangeiro”. Portanto os off shore com titularidade de nacionais não podem compor consórcios nem participar do mercado de ações ou da ciranda financeira nacional. Como entram na figura de “fundos estrangeiros”, nada lhes acontece.

5) Nas grandes operações de compra, fusões e aquisições do patrimônio público ou ataques às empresas médias visando a concentração econômica, entra o Estado que “empresta” dinheiro a fundo perdido. Na maior parte das vezes, como na fusão da Brasil Telecom com a Oi, na verdade a compra pelo consórcio Telemar dos espólios da Brasil Telecom, a origem das verbas vem quase sempre do caixa federal. A gestão fraudulenta pode ser através de “empréstimos” do Banco do Brasil; do BNDES ou da composição nos consórcios dos fundos de previdência de servidores. Estes fundos operam em torno de R$ 700 bilhões ano (cerca de R$ 350 bilhões de dólares) e são usados de forma discricionária, através de “gestores” de confiança dos consórcios interessados e com enlaces nos governos de turno.

6) Ainda mais grave é o fato de que órgãos supostamente controladores do capitalismo brasileiro nunca tenham visto nada. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) teria de fiscalizar movimentação em bolsa; o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão do Ministério da Fazenda deveria fiscalizar e operar como unidade de inteligência financeira vigilante sobre a lavagem de dinheiro; o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão do Ministério da Justiça deveria justamente fiscalizar as fusões e tentar brecar a concentração econômica. O caso mais absurdo é o da fusão da Brahma com a Antarctica, que gerou a Ambev e depois os operadores do Banco Garantia, controladores da então maior cervejaria do Brasil, a vendeu para o controle dos belgas da Interbrew, gerando a Imbev e desnacionalizando a cadeia da cerveja; o próprio Banco Central que disse apenas “fiscalizar” as pessoas jurídicas e não os operadores individuais, correntistas e aplicadores. Ou seja, é uma seqüência de cegueira sistêmica, fato esse que não é passível de crença por nenhum brasileiro.

Já dizia o informante do Caso Watergate. Siga o dinheiro e terás as autorias. Se quem exerce a função de seguir o dinheiro e não o segue, então ninguém segue e nada acontece. Quando se promove uma investigação de vulto e monta, como as operações Chacal (outubro de 2004) e Satiagraha (julho de 2008) – de desmonte, por parte da Polícia Federal, de uma força de espionagem industrial operando sobre governos eleitos e autoridades dos poderes constituídos - os benefícios da lei que asseguram o Direito (justo e legítimo) da ampla defesa, o constrangimento sobre os operadores da lei são mais fortes do que a pressão legal sobre os corsários da ciranda digital. Como corsários, a forma de coação e de “concorrência” empresarial implica em ações de tipo tráfico de influência; chantagem; corrupção ativa; coação; espionagem industrial e infiltração no aparelho de Estado. Sobre este tema, que é o irmão gêmeo das aventuras de capitalismo financeiro, abordo em nota seguinte.

Enquanto a Polícia Federal explicita suas divergências e rachas internos, a mídia nacional esfria o tema Daniel Dantas, o leitor mediano pouco ou nada compreendeu porque dele ter sido preso. E, em plena calçada, o advogado de defesa do Opportunity, Nélio Machado, faz comício na frente do PF Hilton, a sede da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, defendendo as estratégias empresariais como fundamentais para o desenvolvimento do país. O país de quem?

Este artigo foi originalmente publicado no portal do jornalista Claudemir Pereira.

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