Revista Informação - O senhor é a favorável ou contrário ao Pacto pelo Rio Grande?
Bruno Lima Rocha - Para começar, eu queria ir além de um raciocínio binário. Mas, a princípio, sou contra as bases e premissas deste pacto. Não é admissível que o funcionalismo tenha sempre as maiores perdas, e isto em nome de uma saída coletiva. Para ser sucinto, hoje o sistema socializa os prejuízos e concentra cada vez mais os grandes recursos.
R.I. - Ou seja, a mesma parcela da sociedade - funcionalismo público - é convidada novamente a contribuir.
B.L.R. - Sim, os trabalhadores do serviço público novamente são chamados a ser a solução de um problema sistêmico. Os setores corporativos, digo, os setores que têm condições de cortar na própria carne, como os desembargadores, terminam por defender seus interesses diretos. Mas a condição de vida dos trabalhadores do serviço público, o estímulo para seguirem na carreira e a capacidade de luta de suas entidades são sempre atacadas. O Pacto não deveria ser feito sobre os ganhos de quem já recebe pouco e trabalha demais. O mais interessante de tudo isso, e que é algo comum em pactos de elite, muito vistos nas transições de regimes políticos, é o fato de que eles nunca são substantivos. Ou seja, o conteúdo termina sendo arrocho com nome de austeridade e “modernização” como escamoteio de privatização.
R.I. - Qual seria a saída então?
B.L.R. - Primeiro entender que a saída para as finanças do Estado não estão em soluções de curto prazo. Segundo, renegociar as dívidas do Estado com o governo Central. Terceiro, me posiciono a favor de que o Estado sirva de motor do desenvolvimento com base no capital social e cooperativado, que deixe de, por exemplo, financiar os grandes meios de comunicação com propaganda paga com dinheiro público, que condicione as linhas de crédito do Banrisul para iniciativas cooperativadas que tenham por obrigação um cumprimento de normas e metas. E, que acabe o princípio da suposta isonomia, onde há, por assim dizer, um gatilho de salário entre o contínuo da repartição e o presidente do Tribunal de Justiça. Isto, fora medidas óbvias de combate ao nepotismo, racionalização de serviços e custos e redução absoluta dos cargos de confiança.
R.I. - Os estudos indicam que teremos uma grande economia para os cofres públicos, ajudando também a reduzir histórico déficit das contas do governo gaúcho. Mas isso não afetará o repasse previsto em Lei para as áreas da Saúde e da Educação?
B.L.R. - Óbvio que afetará. Mas, se formos observar, o estado do RS já não cumpre as metas de investimento de repasse para saúde e educação. O que precisa ficar claro são as premissas erradas deste Pacto. Para mim estas deveriam ser assim:
Não se mexe (para baixo) no salário do servidor, ao menos não na massa do funcionalismo dos poderes;
Não se afeta o investimento nem o repasse em saúde e educação;
Não se privatiza com o nome de PPP (Parceria Público Privada);
Cessar imediatamente o repasse e refinanciamento de verbas estaduais para quem já as tem, como foi o escandaloso fechamento de fábricas da Azaléia no Vale dos Sinos e no Vale do Caí.
R.I. - A tendência é que os chamados serviços básicos e essenciais sejam afetados ainda mais?
B.L.R. - Sim, esta é a tendência e isto, em minha opinião, é típico de pactos de elites.
R.I. - A população, em sua grande maioria, mostra-se favorável ao projeto. Houve falta de um maior debate ou o posicionamento favorável ao pacto pela chamada grande mídia gaúcha foi decisivo?
B.L.R. - Se as rádios comunitárias tivessem a verba de publicidade e o aporte de capital cruzado que têm os oligopólios da comunicação, e caso a Anatel parasse de reprimir de forma ilegal a mídia popular, tenho minhas dúvidas se “esta grande maioria” permaneceria tão majoritária. A opinião pública, bem sabemos, é uma construção permanente. Desde o governo Collor que o funcionalismo vem sendo responsabilizado pelas crises do Estado. Isto é um posicionamento de elites e dos grandes capitais, tanto dos oligopólios gaúchos como das transnacionais e/ou grandes nacionais internacionalizadas, tais como a Aracruz, Stora Enso e Votorantim.
R.I. - Se existem estes prejuízos, como o senhor afirmou anteriormente, para a maioria dos integrantes da sociedade e mesmo assim ainda temos um apoio quase que maciço da população gaúcha para a execução deste projeto, significa dizer então que a tese de que o povo gaúcho está entre os mais politizados é questionável?
B.L.R. - Eu creio que não. Na média, a começar pela organicidade dos partidos mais à direita, podemos afirmar que o povo gaúcho é mais politizado que a média brasileira. Também é mais incluído socialmente e, onde as instituições públicas têm mais penetração na sociedade. Isto não se pode negar. Mas, que há o controle da comunicação, que os meios e em especial o oligopólio forma uma mentalidade, impõe temas, pauta agendas ou compõe a agenda das pautas políticas, isso é inegável.
R.I. - O que seria o consenso fabricado, termo utilizado pelo senhor?
B.L.R. - O consenso fabricado, de autoria de Noam Chomsky, é uma mensagem, uma idéia materializável, mil vezes repetida, transmitida como angústia e reafirmada como as premissas neoliberais: “Não existe alternativa!” Isto, somado a uma correlação de forças favorável, com uma “esquerda” que cada dia torna-se menos “canhota” e se dão às condições para fabricar algo com base em fortes agentes sociais e econômicos e uma opinião pública favorável.
R.I. - Existem pontos positivos no projeto?
B.L.R. - Sim. Existe a noção de que há uma urgência na racionalização dos recursos do Estado. Que não podemos mais apenas ir arrolando dívidas e que isso é uma bomba relógio e vai explodir. Mas, quando tu aciona um recurso e otimizas uma gestão, esta pode ser tanto uma forma de gerar mais exploração de um trabalho precarizado, como pode favorecer aos trabalhadores e suas famílias. A essência da coisa se dá no controle público sobre o Estado.
R. I - Qual seria a sua proposta para resolver o problema financeiro do Estado?
B.L.R. - Primeiro, eu creio que não é correto acertar os problemas financeiros do Estado punindo aqueles que trabalham. Segundo, apontaria os pré-requisitos que já te afirmei antes. Terceiro, reafirmaria as redes de capital social que já existem e multiplicaria a experiência. Em menos de uma década o Estado estaria arrecadando como nunca. Mas, sem uma renegociação com o governo Central, tanto das dívidas do estado como dos repasses da União, nada pode ser feito. Na verdade, não acredito que as elites políticas e os oligopólios e as transnacionais possam ser fiadoras de Pacto ou Agenda Estratégica. Estratégia significa um estudo de posições antagônicas, e somente o movimento popular pode ser agente de seus próprios interesses. E, para completar, é preciso separar a pauta da política representativa, cada vez mais desprestigiada e posta sob suspeita, da política como forma de participação e protagonismo popular.
R.I. - O Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, do Órgão Especial do TJRS, suspendeu no dia 27 de julho os dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – Nº 12.574/06 – que prevêem o contingenciamento de recursos dos diversos Poderes Estaduais na Lei Orçamentária a ser proposta em setembro e que inviabilizam o cumprimento dos objetivos e metas previstos no Plano Plurianual em vigor. O Pacto pelo Rio Grande começa a enfrentar os primeiros problemas?
B.L.R. - A primeira resistência vem dos poderes, na verdade dos altos mandos corporativos. Os setores com maior poder de barganha tentarão livrar suas folhas de serem contingenciadas e a luta última se dará entre e através do funcionalismo.