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A desconfiança política começa na província


Do Rio Grande a Roraima, os amigos dos amigos dos conhecidos dos pequenos poderosos locais seguem usurpando o erário público, sendo irresponsáveis e inoperantes com o dinheiro coletivo.

3ª, 06 de fevereiro de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé

No dia 28 de maio de 2006, o repórter Sérgio Gobetti, do Estado de São Paulo, publicou matéria estarrecedora baseada em relatório da Controladoria Geral da União (CGU). O título, “CGU aponta corrupção em 77% das prefeituras brasileiras”, já é desolador Há algumas semanas atrás, durante um programa semana de rádio que organizo, levei estas informações visando uma reflexão local. Agora, farei o inverso. Longe de querer trazer notícia requentada, este artigo se propõe a exercitar a analogia política. Isto é, a universalização do conceito através de uma análise descritiva e inferencial. O alvo, lembrando os versos xucros de Jayme Caetano, são as próprias mazelas da província.

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Na quarta 31 de janeiro, em minha inserção diária na Santa Isabel FM, emissora comunitária do município de Viamão, o âncora do programa me fez uma sadia provocação. O comentário girava em torno da administração e da prefeitura, particularmente em torno da eterna falta de urbanização de toda cidade periférica. O professor de história e radialista Celso Broda me perguntou: “Mas então, qual a sugestão administrativa que nós poderíamos dar para o prefeito Alex Sander Alves Boscaini e o vice Sergio Kumpfer (ambos do PT)?”

O caso é simples. No município limítrofe a Porto Alegre, também conhecido como Vila Setembrina dos Farrapos, a maioria das ruas sequer é asfaltada. Como os cofres públicos vivem à míngua, cabe aos moradores financiarem o calçamento das ruas onde moram. Esta “política de urbanismo” é algo comum nas cidades da Região Metropolitana. Impedida de aportar novos recursos, até porque de cada R$3,00 reais arrecadados, perto de R$ 1,20 resulta em dívida pública, a prefeitura local terceiriza com pequenas empreiteiras e executa obras tripartites. Assim, os moradores parcelam o calçamento, a prefeitura libera as máquinas e as empresas licitadas a mão de obra.

Como tudo é amarrado, além das obras impreterivelmente atrasarem, a impressão para os eleitores é das piores. Percebam que não estou me referindo a uma crítica direta a administração local. Nem creio que este seja o espaço, o de um blog nacional, para baixar o relho no prefeito e seu vice. O que disse no ar é o tema da reflexão. Como é possível melhorar a percepção dos moradores do município para o poder público local?

Visto que, segundo a CGU, por maioria de dois terços as administrações municipais brasileiras podem ser consideradas uma tragédia, as medidas teriam de ser drásticas. No debate da rádio, evoquei a aplicação de um pacote administrativo. Este seria:

- o corte absoluto de Cargos em Comissão (CCs), reduzindo-os somente aos titulares do 1º escalão e ninguém mais;

- terminar por fim com o nepotismo, cruzado ou direto. Todo e qualquer titular de 1º escalão ou autoridade eleita deveria entregar uma lista de parentes até o terceiro grau, alimentando um banco de dados. A partir disso, a tarefa é simples. Caso não fossem servidores públicos concursados, os parentes teriam seus contratos rompidos;

- a aplicação de recrutamento de jovens aprendizes através apenas de concurso. Uma das formas que as prefeituras conseguem para driblar o estatuto do concurso e terceirizar mão de obra é o contrato de “estagiários”. Na maior parte das vezes, estes são recrutados através de entrevistas e não exames com provas, inscrições e um número código secreto. Não precisa ser gênio para deduzir que os estagiários correspondem às cotas dos caciques locais e suas respectivas correntes.

No que diz respeito às obras de urbanização, além do problema da dívida municipal, minha opinião foi no sentido contrário da maioria das gestões deste país. Vejamos. Tomando Viamão como exemplo, o município tem elevados níveis de desemprego e mão de obra pouco qualificada. As frentes ou coletivos de trabalho, se aplicadas em obras públicas, podem inclusive acelerar a urbanização. Além da velocidade, é fato que os moradores valorizariam mais a própria cidade sem pairar nenhuma desconfiança das contas e contratos. Obviamente uma política assim tem de andar junta da prática de ter contas abertas e em linguagem comum e corrente.

Voltando ao episódio, o comentário veio no sentido de gerar opções para mudar a percepção do eleitorado perante as autoridades municipais. Em um lugar com ambiente político relativamente pequeno, a essência da administração pública passa pela transparência e a aplicação de critérios universais de recrutamento, seleção de mão de obra e investimento estatal.

Sendo horrível a percepção, os operadores políticos de cidades pequenas e médias compensam a desconfiança com relações de apadrinhamento e clientelismo. É a outra ponta dos deputados albergueiros, assunto abordado na semana anterior. Como as prefeituras são grandes empregadoras, exercer cargo público não concursado implica ter proximidade com o poder local. Somamos a isso às histórias conjuntas, graus de parentesco diversos e trajetórias pessoais comuns. Está feito o entrevero da coisa pública com a vida privada. Escassos os recursos, piora a luta pela sobrevivência. Com baixa oferta de emprego e pouca escolaridade, nestes lugares, ser amigo do amigo do prefeito ou conhecido do assessor do vereador não é pouca coisa.

Conforme já disse, não me refiro especificamente a Viamão, mas aos 77% dos municípios com problemas administrativos segundo a CGU. Infelizmente, a Vila Setembrina outrora Farrapa, não é exceção.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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