Refiro especificamente aos R$ 3 milhões de reais (R$ 3.041,298,85) investidos pelo Fundo de Previdência dos Servidores Municipais de Alvorada (FUNSEMA), aplicados no referido banco em 30 de junho de 2004, sendo que a instituição financeira veio a sofrer intervenção financeira do Banco Central em novembro do mesmo ano. Tanto a prefeita de então, Stela Farias (PT) como o administrador do FUNSEMA (Andrew Carvalho Pinto) e seu presidente (Dilval dos Santos da Rosa) estão sendo ajuizados pelo Ministério Público da localidade por improbidade administrativa no processo Processo nº: 003/1.06.0005652-6 (CNJ:.0056521- 87.2006.8.21.0003) na natureza de uma Ação Civil Pública. Stela seguiu carreira política após o ocorrido, sendo eleita deputada estadual por duas e assumindo uma secretaria estadual no Rio Grande do Sul (Administração e Recursos Humanos do Estado), pasta onde permaneceu do início do mandato até abril de 2013, quando retomou seu mandato. Seria uma leviandade atribuir qualquer tipo de suspeição para além de um investimento infeliz no banco de Edemar Cid Ferreira. Mas, a conclusão é óbvia. Qualquer descolamento da base sindical controlando seus próprios recursos é em si uma temeridade.
O problema reside aí. É do senso comum dos operadores de mercado que os fundos de pensão obedecem a ventos políticos, e o conjunto de seus investimentos e depósitos equivalem a cerca de 18% do PIB brasileiro (R$ 300 bilhões de reais). Esse montante não contabiliza o regime de previdência suplementar para os servidores públicos federais. Quando este super-fundo entrar em operação, então fundos gigantescos como o Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobrás), Real Grandeza (Furnas), Funcef (Caixa Econômica Federal), Sistel (antiga Telebrás) e Valia (Vale do Rio Doce), terão um rival a contento. Em todos os casos, o Poder Executivo de turno implica na composição dos conselhos de administração, nas diretorias dos fundos e a alocação de recursos. Também compromete a unidade de classe, pois quanto maior for o peso dos fundos na economia nacional, mais pressão será feita para, em aliança com os bancos e o sistema financeiro, manter a alta da jogatina e a elevada taxa de juros básicos (Selic). Em menor escala, a relevância dos fundos de previdência também está na política municipal, em particular nas cidades-pólo (médias e regionalizadas) e nas regiões metropolitanas. Eis o caso que segue.
Uma luta pontual e o exemplo que pode se repetir em escala nacional
No dia 22 de julho o jornal Correio do Povo (Porto Alegre, antigo Grupo Caldas Jr., hoje pertence a Rede Record) noticiava o início da greve de fome de municipários de Cachoeirinha, na Região Metropolitana da capital gaúcha. Sendo mais preciso, a greve de fome se deu ao longo desta semana, iniciando na segunda 22 e completando na sexta, 26 de julho. Acampados em frente à prefeitura, localizada na principal avenida do município (General Flores da Cunha), filiados ao Sindicato dos Municipários local (SIMCA) enfrentavam a semana mais fria dos últimos quinze anos em sistema de rodízio.
Este sindicato é dos mais combativos do Rio Grande do Sul e opera como pivô de lutas populares na Grande Porto Alegre há mais de uma década. Mas, desta vez, além do extremo da medida de luta, inusitada foi sua causa. Os sindicalistas davam exemplo para a categoria de pouco mais de 3000 funcionários públicos chamando-os para a disputa pelo controle dos recursos coletivos. Em particular, o que está em jogo e a capacidade de gestão soberana do Fundo Municipal de Previdência Social (FUMPREV), que de acordo com o projeto lei encaminhado pelo prefeito Vicente Pires (PSB), passaria a ser gerido pela Secretaria Municipal de Administração, incluindo algumas alterações no seu conselho.
Atualmente, os conselheiros oriundos da categoria dos municipários são eleitos e atuam como voluntários. Com a mudança proposta, mesmo que estes fossem da base da categoria, precisariam alguma formação específica, exigência de nível superior e treinamento. Também passariam a receber jeton por reuniões que participassem. Não param aí as alterações. Atualmente, o prefeito é o sétimo voto, preside o conselho (composto por seis membros) e é responsável legal pelos recursos em caso de dano ou perda. Com a possível alteração, este sétimo voto passaria a ser de um gestor profissional, indicado pelo prefeito, portanto, alguém de sua confiança. Ao propor uma gestão técnica do FUMPREV, o Executivo do município altera o nome do mesmo para IPREC e manda projeto lei para a Câmara onde tem maioria. A data não foi coincidente, porque julho no Brasil são as férias de meio de ano do magistério, a categoria mais volumosa. Para uma Câmara de Vereadores onde o prefeito conta com 14 votos a 2, as mudanças seriam um rolo compressor caso o SIMCA não reagisse com tanta força.
Vicente foi eleito em 2008 e reeleito quatro anos depois. Alça vôo solo por dentro da legenda e pode sair para deputado federal em 2014. Tem maioria no parlamento local e opera com bastante astúcia aquilo que este analista e alguns pares mais à esquerda chamamos de “clientelismo de baixa intensidade”. Tomar medidas de luta sindical para um tema tão distante da pauta comum de reivindicações foi um ato heróico deste sindicato. Os recursos atuais do FUMPREV são da ordem de R$ 160 milhões de reais (mais de 74 milhões de dólares pelo câmbio de 26/07/2013) e uma gestão sem o controle direto da categoria, contando estes representantes com mentalidade classista e não de tipo colaborativo, implica em quase uma carta branca para o governante de turno.
O que está em jogo não é pouca coisa e o exemplo pode se multiplicar. O precedente da “gestão técnica” apavora os sindicalistas e não é à toa. O atual Fundo tem uma perda de mais de R$ 4 milhões porque aplicaram este valor em papéis administrados pela Diferencial Corretora, sendo que esta carteira continha algo em torno de 36% do Banco BVA. Acontece que o BVA foi liquidado pelo Banco Central e a Diferencial também sofreu este mesma medida da autoridade monetária. Segundo os sindicalistas declararam na coletiva de 5ª, 25 de julho, o gestor do fundo não havia informado da condição delicada tanto da Diferencial como do BVA. Resumo: a gestão técnica acaba incorrendo em mais chances de erros por se aproximar em demasia com a mentalidade dos investidores.
Apontando conclusões
A greve de fome e o acampamento dos municipários foram levantados na sexta, 26 de julho. Em algumas noites o termômetro bateu 02 graus Celsius, estando a sensação térmica negativa. O gesto dos militantes sindicais foi grandioso e aumenta tanto a massa crítica desta base de trabalhadores como a predisposição para a luta direta pelo controle dos recursos coletivos. Possivelmente tamanha combatividade vai gerar alguma vitória, podendo a mesma ser parcial ou total. Mas, insisto, o que hoje é uma luta pontual pode ganhar escala em todo o país.
O sindicalismo de trabalhadores do serviço público tem nos municipários sua última fronteira no Brasil. Esta categoria que se divide por 5570 municípios do país, conta ou virá a contar com fundos de previdência. Considerando a base de emprego direto em cada local, estamos tratando de um volume considerável de recursos descontados em folha dos trabalhadores. Tal é o caso de Cachoeirinha, onde se desconta 11% dos salários de cerca de 3000 funcionários da ativa em um município cuja população é de pouco mais de 120 mil habitantes. A gestão de um fundo como este é capilar e implica na própria sobrevivência da localidade.
Imaginemos a capacidade de investimento de fundos do gênero em escala nacional. Vamos supor que lutas como a de Cachoeirinha se repitam nacionalmente. Trata-se da defesa da democracia de base incidindo diretamente por dentro da chamada besta financeira. O conflito entre a “técnica” e a política é a luta entre a soberania popular e a tecnocracia que reproduz a mentalidade da jogatina financeira. Quando nacionalizada, a luta em Cachoeirinha pode incidir no Brasil com a mesma contundência do exemplo do Bloco de Luta pelo Transporte Público de Porto Alegre. É mais uma barricada erguida pelos trabalhadores.