O primeiro turno do PED terminou com uma grande derrota da esquerda do PT. Não nas urnas, onde teve desempenho melhor que na última eleição. Mas sim onde conta, na militância política, na lida interna, na costura política, nos acordos reais e na percepção que chega à militância e ao eleitorado. O Processo começa complicado dada a fragmentação das correntes de esquerda petista. Não se trata de criticar a democracia partidária, muito pelo contrário. Mas, qualquer oficial que curse alguma Escola de Estado-Maior sabe que perante um inimigo mais poderoso, deve-se evitar a luta direta e escolher os combates possíveis de serem vencidos. Nestes, as forças minoritárias tem de estar taticamente concentradas e superiores ao inimigo. Ir para a luta direta de forma fragmentada, sem comando e com as forças digladiando-se internamente, é pedir para perder. E não deu outra.
Mesmo com todo o desgaste da retirada da candidatura Tarso Genro para a presidência do PT, o governo e o Campo Majoritário emplacaram ao ex-ministro Ricardo Berzoini como cabeça da chapa da direita do partido. O ex-bancário fez 42,0% dos votos e a chapa ganhou 14,0% dos votos. Em tese, quando da recomposição e alianças de 2º turno, estaria dada a vitória para a esquerda do PT. Está ocorrendo justo o oposto. Primeiro, a disputa entre a Democracia Socialista (DS) de Raul Pont e a Articulação de Esquerda (AE) de Valter Pomar foi desgastante. Denúncias, problemas e uma demora angustiante para terminar o cálculo dos votos. Raul fez 14,7% dos votos e sua chapa, 4,1%. Pomar perdeu por muito, mas muito pouco. Totalizou 14,6% dos votos e sua chapa, 3,9% para o Diretório Nacional (DN). Se e caso, em uma situação ideal, Plínio de Arruda Sampaio e o apoio que obteve da Ação Popular Socialista (APS) e da corrente Brasil Socialista (BS) tivessem unificado com Pont e Pomar desde o 1º turno, nem assim haveria chance de vitória da esquerda. Plínio fez 13,4% dos votos e sua chapa fechou com 3,0%. Segundo, os votos descontentes da militância mais ponderada foram canalizados pelo Movimento PT, com a deputada federal Maria do Rosário à frente.
Supondo que os militantes soltos e as chapas pequenas se unificassem por esquerda, somariam o seu total de 2.0% nos candidatos individuais, Gegê (da Central de Movimentos Populares) e Markus Sokol (concorrendo pela corrente O Trabalho) a soma dos candidatos da esquerda mais relevante. Plínio, Pomar e Raul juntos fizeram 42,7% dos votos. Suas chapas totalizaram 11%, que somados ao total de 4,4% das pequenas chapas, alcançariam 15,4%. Supostamente, estaria alcançada a maioria, bastando para isso fechar aliança de fato com a ex-sindicalista Maria do Rosário e sua chapa. Esta seria a manobra ideal e que não vai acontecer. Mesmo que Plínio não migrasse do PT para o PSOL, levando com ele dissidentes da DS e AE, além de quadros da APS e do BS, nem assim seria possível derrotar ao Campo Majoritário. O fator de desequilíbrio são justamente os votos para a deputada federal gaúcha, pedagoga e ex-militante do PC do B.
Engana-se quem vê a proposta sensibilizadora de Maria do Rosário como oposição ao Campo Majoritário. Apenas observando as eleições municipais de 2004, Rosário fechou chapa com Raul, correndo para vice-prefeita. O ex-prefeito de Porto Alegre vinha pela ala esquerda do PT gaúcho e a deputada federal pela ala direita, conhecida no Rio Grande como Amplo e Democrático. Não há nenhum indicativo concreto que o Movimento PT não vá compor com o Majoritário nas disputas internas do PT. Muito pelo contrário. A trajetória de Rosário lembra a de outro ex-membro do PC do B, o ex-presidente do PT, José Genoíno. Quando a Articulação rachou em duas, a partir de 1990, Genoíno e sua corrente mais à direita, a Nova Esquerda, ciclicamente batiam em público mas internamente fechavam com a Articulação de direita. Com esta independência tática, tanto o ex-guerrilheiro do Araguaia como Tarso se lançaram como quadros dirigentes nacionais, forjando a aliança que hoje detêm a hegemonia no PT.
Muitas previsões políticas caem por terra quando as urnas começam a falar. Cremos que desta vez será distinto. Não se trata apenas de fenômeno eleitoral mas também um reflexo de participação política e hierarquia partidária. Pode parecer obviedade, mas vale lembrar que uma eleição entre militantes tem algo de previsível. O partido do presidente entrará em 2006 com a mesma hegemonia que o domina por dentro há mais de dez anos. A centro-esquerda irá sofrer defecções, uma atrás da outra. Verá como possibilidade de trincheira e recomposição ao PT gaúcho, tendo a candidatura Olívio ao Piratini como tábua de salvação. E, isto vai implicar uma contra-medida por parte da direita petista.
Que ninguém se espante se no ano de 2006, a candidatura pela direita do PT nas prévias internas ao governo do estado não seja Tarso Genro. Cacifada pela 4ª posição de sua chapa, Maria do Rosário terá a chance de sepultar de vez a esquerda petista. Conforme a própria deputada reivindica, vai dar um toque feminino na hegemonia deste “novo” Campo Majoritário.
artigo originalmente no blog de Ricardo Noblat