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Governo ou desgoverno ?


Pobre padroeiro de um Rio Grande cada vez mais pobre. Aqui, o governo estadual e as prefeituras culpam a ele, São Pedro, pelas mazelas e calamidades públicas.

Viamão, 11 de novembro de 2005

Brasília arde e o país afunda. Literalmente. Esta constatação além de óbvia, é trágica. No Congresso, CPIs concorrem entre si e contra a Presidência. Em busca de fatos políticos para ver quem chama mais atenção no palanque eletrônico, parlamentares imbuídos de poderes investigativos apostam corrida nos corredores e nas sombras. O mais simples não é o desejado, portanto nunca é feito. Se tivessem criado uma única CPI, ancorada em força-tarefa conjunta com a PF e a Receita, com pessoal selecionado a dedo, avião à disposição e a carta branca do ministro da Justiça, esse baile já teria terminado há muito tempo.

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Como são três CPIs simultâneas, o Ministério da Justiça ajuda no bloqueio das informações e dados sigilosos; o STF de Jobim e Eros Grau fazem tabela com Dirceu no tapetão do Judiciário; a OAB segue cautelosa e não toma a ofensiva e assim toda semana é a repetição da crise sem fim. O governo é um paciente terminal, afundando na própria lama de suas opções “pragmáticas”. Jogaram na vala comum da “política tradicional” toda a expectativa dos movimentos populares surgidos no final da década de ‘70. Lula vai se contentando em governar com o aval do Congresso desde que sejam liberadas verbas contingenciadas e emendas parlamentares. Sabemos todos que a gastança pesada ainda nem começou, embora Luiz Inácio já esteja em campanha.

Para sermos justos, Lula só repete um modo de fazer política tão antigo quanto o parlamento brasileiro. Reforçando esta “forma tradicional”, o governo de fato continua. O Brasil cresce quase que por inércia, o modelo agro-exportador entra em crise em função de doenças endêmicas mas tudo vai bem para quem manda. Sim, a banca vai bem obrigado. Como se sabe, quando se governa para os bancos, são os banqueiros, investidores e financistas quem governam. Neste aspecto, a direita não tem do que reclamar, o modus operandi é o mesmo. O tucano Henrique Meirelles toma conta dos cofres da nação, dando continuidade ao “governo” de Malan e Fraga. Palocci, novo no clube, já é um sócio bemquisto. Batendo recorde atrás de recorde, os bancos operando no Brasil agradecem, o FMI aplaude e tudo continua como sempre.

Com certeza, não é no governo central que o Estado é mais perceptível. A população comum, a maioria cada vez menos silenciosa e complacente, cobra de seus municípios e estados melhoras imediatas para suas vidas. Tecnicamente, são chamados de governos sub-nacionais. Isto, num país onde o pacto federativo é uma piada. Tomemos o Rio Grande do Sul como exemplo.

Na terça-feira, dia 8 de novembro, o deputado estadual pelo PPS gaúcho Berfran Rosado, em entrevista ao vivo em rádio AM da capital gaúcha, carregou na crítica ao governador Germano Rigotto. Afirmou que este não tem capacidade operacional, não planifica nem aponta metas de governo. Afirmou o parlamentar, por sinal ex-peemedebista, que Rigotto aspira o Planalto sem dar conta do Rio Grande. Rosado atirou no ex-correligionário, visando ao Piratini, tendo como objetivo que sua legenda encabece a chapa em 2006 para o governo do estado. Além da cadeira no palácio do governador, também visa legitimar as PPPs, meta estratégica de seu partido na prefeitura de Porto Alegre.

Como era esperado, o governo Rigotto pediu direito de resposta na mesma rádio, e a obteve. Na quarta-feira, 9 de novembro, a deputada estadual Maria Helena Sartori, 1ª vice-líder do PMDB na Assembléia, foi ao ar como porta-voz do Piratini. Com postura defensiva, Sartori repetiu o que todos sabem e fingem não ver. Que o Rio Grande tem comprometidos 18% de sua receita líquida com a dívida do estado. A receita está com mais de 50% de seu montante alocado para o pagamento da folha. Da carga impositiva, afirma a deputada que 60% dos impostos arrecadados nos estados vai para o cofre do governo central. De Brasília, sabemos que boa parte desse total é para cobrir os juros e serviços da dívida externa. Ou seja, o estado do Rio Grande do Sul perdeu toda a sua capacidade de investimento.

Para quem pensa que é o bastante, não é. Enquanto Rigotto esperneia em Brasília os repasses do estado referentes a Lei Kandir, totalizados em mais de R$ 900 milhões, não pensa duas vezes em fazer renúncia fiscal e “ajudar” aos grandes grupos econômicos do Rio Grande. Praticamente a mesma quantia reclamada em Brasília foi repassada para a iniciativa privada através do famigerado Fundopem. Enquanto no Sul o governador transfere dinheiro público para quem já tem, em Brasília ninguém sabe quem manda. Lula prometeu o repasse da Lei Kandir, o ministro do planejamento Paulo Bernardo liberou (de boca), mas Murilo Portugal disse que a coisa não era bem assim. Resultado, até agora o estado não viu a cor do dinheiro e a única certeza da classe política gaúcha é que no Planalto, tem de falar com quem manda. Ou seja, os donos do cofre, Palocci, Meirelles e Portugal.

Para quem perdeu o fôlego, sinto dizer que tem mais. A pindaíba é tão grande, que o 13º do funcionalismo é “pago” na forma de empréstimo do Banrisul, banco estadual. Para completar a tragédia, na metade sul, histórica região de fronteira, pampa e coxilha, a saída “encontrada” para a estagnação econômica do latifúndio e da monocultura do arroz é o retorno das plantations. Sim, o governo gaúcho vai incentivar o aluguel da campanha para o monocultivo do eucalipto e a instalação de plantas de celulose. O tamanho da área plantada, em menos de dez anos, ultrapassará 150.000 hectares, sendo que neste projeto, apenas uma empresa vai operar na região. Se olharmos os efeitos mais ao sul, nos campos do Uruguai, veremos o estrago antecipado. A água no subsolo vai se esgotando, a vegetação nativa escasseia e o solo fica imprestável. Tudo isso para gerar “desenvolvimento” sem fazer reforma agrária. Eis o pampa pobre cantado em prosa e verso. Heróis farrapos como Antônio de Souza Netto e Teixeira Nunes devem estar dando coices de ódio.

Se levarmos em conta que o Rio Grande do Sul ainda tem o maior índice de IDH do Brasil, podemos imaginar a situação real de governo em outros estados da União. Governo que abdica das condições de mando outorgada pelos eleitores nas urnas, acaba perdendo o direito de mandar. A paciência do povo se esgota com ou sem lei de responsabilidade fiscal e os compromissos da dívida. Quando o Estado perde a capacidade de investimento, sobretaxa a seu próprio povo e se contenta em ser o gerente de investimentos dos banqueiros, o que nos resta?

Voltando ao Brasil que fica um pouco mais ao Sul, a última moda é culpar aos céus. Sim, a estiagem é responsabilidade do padroeiro do Rio Grande, São Pedro. Quando o litoral sul e a fronteira oeste sofrem pelas chuvas de granizo, culpam ao pobre do santo de novo. O dilúvio que se abateu na Região Metropolitana no último fim de semana, foi atribuído ao acaso, ao El Niño e ao portador das chaves eternas. Como se fosse ele o responsável por organizar planos de contingência, fazer limpeza de córregos e pôr de prontidão as estruturas de governo estadual e dos municípios atingidos!

A solução pode estar mesmo nos céus. O caminho pode começar caso o povo gaúcho troque seus votos, cambiando São Pedro por São Sepé Tiarajú, mártir da República Missioneira. Com certeza iríamos reencontrar aquilo que os “especialistas” e a classe política teimam em não conseguir. Ou seja, a saída para o desgoverno.

Artigo originalmente publicado no Blog de Ricardo Noblat






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