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ISSN 0033-1983
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Artigos Para jornais, revistas e outras mídias
Xadrez de Bombacha - 3 02/09/2005, Viamão / RS
Com o presente artigo, completamos a trilogia chamada Xadrez de Bombacha. Foi apresentado o mapa das atuais forças políticas do Rio Grande do Sul. Seguimos um parâmetro da análise política, optando por apresentar o panorama da direita para a esquerda. Os artigos 1 e 2 analisaram especificamente a disputa eleitoral. Neste, avaliamos as possíveis conseqüências destes movimentos no “xadrez” das lutas sociais gaúchas.
enviar imprimir Olívio Dutra será, com quase certeza, o próximo presidente estadual do PT-RS. Dificilmente o ex-governador será batido no Processo de Eleição Direta (PED). Mesmo porque a ala direita do partido, chamada de Amplo e Democrático, está com moral baixa. Com Tarso derrotado na interna do Campo Majoritário, seu candidato para o diretório estadual, Estilac Xavier, vai concorrer apenas para marcar posição. Dificilmente a direita do PT gaúcho vai coordenar uma manobra de envergadura para ganhar o PED estadual. Se planejam repetir algum esquema, guardarão as forças para as prévias de 2006. Com Olívio à frente, o panorama da militância de esquerda volta a gravitar em torno das propostas social-democratas.
Após 25 anos de lutas legais e em nome da cidadania, é difícil um discurso e prática classista voltar a empolgar. Esse é o debate na interna da Via Campesina, conjunto de movimentos camponeses que tem o MST como carro-chefe. Seus dirigentes temem que as famílias assentadas, acampadas e os pequenos-agricultores não tenham ainda o grau de compreensão necessário para fazer luta política fora do jogo eleitoral. Isto se dá justo no Movimento Sem-Terra, onde sua coordenação estadual, alinhada com a proposta do Consulta Popular, está querendo ir para a extrema-esquerda. Inclusive, já deixaram transparecer que não vão lançar ninguém para a Assembléia nem para o Congresso.
O MST tem por hábito indicar um deputado estadual e um federal. Na atual legislatura, os parlamentares orgânicos do Movimento são os deputados estadual Frei Sérgio e o já histórico federal, Adão Pretto. Em 2002 tiveram um trauma interno, quando o então deputado estadual orgânico do MST, Dionílson Marcon, se recusou a voltar para a base e se lançou por conta própria para a reeleição. Marcon foi eleito, junto com Frei Sérgio, mas acabou “fritado” com os Sem-Terra. É bem provável que em 2006 o MST do Rio Grande não lance ninguém para deputado, seja estadual ou federal. Mas, para a eleição majoritária, termine por fazer acordo com o PT. Isto é, aliviar as ocupações de terra no segundo semestre de 2006 e pregar voto útil em Olívio para governador.
Caso isso aconteça, devem até passar por cima das diferenças com os setores camponeses mais brandos, como a Fetraf-Sul e a Fetag. Esta última, está aliada aos fazendeiros da Farsul e defende abertamente o uso de transgênicos. O deputado federal Paulo Pimenta os apóia, atuando como seu representante no Congresso.
Quando a Via Campesina recua uma casa, a ala esquerda da Igreja Católica pula mais duas. Segundo pesquisa interna no clero brasileiro, não chega a 18% o total dos religiosos católicos que hoje se declaram de esquerda. Destes, apenas 4% são militantes e defendem uma opção integral pelas vias mais combativas, a exemplo do clero de El Salvador, Nicarágua e Guatemala nos anos ’80. Seu espaço de diálogo são os serviços e pastorais sociais vinculados aos movimentos populares. CPT, Pastoral Operária, Pastoral Afro e pastorais de fronteira, em seu âmbito interno, debatem uma opção política não-eleitoral. Mas, se a Via Campesina não puxar esta saída, o clero não se mexe por conta própria. Como agravante, Olívio Dutra é o nome consensual da ala militante da Igreja Católica no Rio Grande do Sul. Sua figura é respeitada e o estilo de vida muito admirado. Os militantes das bases de pastorais não vão ignorar um dos seus. Por extensão, esta análise vale para os setores militantes de outras igrejas cristãs, como luteranos e metodistas.
Se no campo a presença de Olívio Dutra alinha a esquerda indecisa de volta para o PT, na cidade o fenômeno é mais forte. No meio sindical, PSTU e PSOL disputam a hegemonia da esquerda. Para acumularem forças, seria importante uma opção organizativa única. Mas, como o PSOL não entra no guarda-chuva sindical do PSTU, a Conlutas, ambos partidos trotsquistas dedicam parte de suas energias em disputas entre eles. Assim, quem vai ganhando as eleições sindicais importantes é a central governista, CUT, a governista Articulação Sindical à frente. Em 2006, esta disputa acirra mais. Ambos partidos peleiam as mesmas bases sindicais e estudantis, e vão em busca do mesmo eleitorado. Com mais mídia graças ao seus parlamentares em Brasília, e tendo discurso mais potável, o PSOL deve sair vitorioso. Vai se afirmando como a alternativa de partido para a esquerda eleitoral.
Caso o Consulta Popular não se afirme, a extrema-esquerda gaúcha terá apenas uma expressão política. No estado existem três movimentos populares urbanos com alguma relevância. O Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCR), a Resistência Popular (RP) e o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD). Os dois últimos organizam setores de periferia, vilas e desempregados, enquanto o MNCR articula os catadores de lixo. Trabalham com gente que, em sua maioria, vive em situação de risco e praticam uma linha bastante dura. MNCR e RP são hegemonizados pela Federação Anarquista Gaúcha (FAG) e são a pedra no sapato de muitas prefeituras da Região Metropolitana. Entre outubro de 2003 e dezembro de 2004 ambos movimentos promoveram em Porto Alegre e cidades vizinhas, uma luta de rua a cada 40 dias. O MTD tem orientação da Articulação de Esquerda (AE) e da Pastoral Operária e também atua muito. Se os quadros da Via Campesina saíssem do PT, estes movimentos urbanos fariam uma aliança mais firme, respaldada pelas respectivas organizações políticas. Conforme já dissemos, a presença de Olívio Dutra trás muita gente de volta para a disputa eleitoral, isola a extrema-esquerda e “legaliza” a luta social. Caso contrário, o Rio Grande ia viver tempos mais duros, aproximando a luta social dos níveis de intensidade da Argentina atual.
É interessante observar a posição das forças empresariais gaúchas. Fiergs, Farsul, Federasul e os grupos de comunicação, com a RBS à frente, ficam de cabelo em pé com a hipótese de Olívio voltar ao governo. Nos bastidores confessam o contrário. Preferem o “bigode” no Palácio Piratini do que os barbudos do João Pedro (o Stédile) e seus aliados da cidade nas ruas. Sem o PT, o subsistema político gaúcho embaralha de vez, e talvez se radicalize. Uma elite sábia, sobrevivente a duas guerras civis estaduais (1893 e 1923), vai evitar isso ao máximo. Mesmo que tenha de aturar a estrela de volta.
Artigo originalmente publicado no Blog de Ricardo Noblat
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