Com a chamada "revitalização" do centro, em tese a prefeitura estaria tomando à frente da retomada da área histórica da capital gaúcha. Como solução para a falta de gestão do Estado em nível municipal, o governo de José Fogaça (PPS) apresenta os Portais da Cidade, o Camelódromo Aéreo e as tentativas de gerar obras na área do Porto.
A primeira tem como meta evitar os engarrafamentos nas estreitas ruas do centro portoalegrenes. A segunda, a solução para a condição de marginalidade do oceano de camelôs peleando cada pedra de calçada. E a última, terá de mexer em lugar tombado, como os armazéns do Cais Mauá e Navegantes , alem de alterar a urbanização do coração de Porto Alegre.
Assim, depois de muito discutir e conversar, o hiato de gestão estaria superado. O Plano Diretor traria a solução para uma capital que se moderniza, apontando a vocação de serviços, cultura e turismo de negócios. Apostando as fichas para a eleição municipal de 2008, este projeto é a força motriz de César Buzatto, Clóvis Magalhães e o recém chegado José Fortunati. Conforme havia dito, este é um ponto de vista.
Mas, os projetos urbanísticos, de fato, não levam em conta a sobrevivência direta daqueles que vivem à margem da economia formal. Na ausência de crescimento econômico, a calçada e os resíduos garantem a subsistência e um modo de estar na cidade. Proibindo os camelôs e a circulação de carrinhos e carroças, o município empurra o conflito social para as vilas e bairros afastados.
Os números, a partir de um primeiro levantamento conversando direto com as fontes interessadas, são de proporção grandiosa. Estima-se que em Porto Alegre, na região central, temos em torno de 4.000 camelôs. Já os catadores, os que trabalham de forma autônoma, referenciados no Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável, são em torno de 7.000 na capital. A revitalização do centro quer proibir a catação no perímetro, liberando apenas horários de fim da madrugada e inicio da noite. O conjunto de catadores da capital, em todas as funções, chega a 20.000 pessoas, desde a dedicação integral até o trabalho esporádico envolvendo as famílias.
Somando o total estimado de camelôs e catadores, temos o montante de 24.000 trabalhadores. Considerando a conta básica de que uma família tenha no mínimo de quatro pessoas, indiretamente a proibição virá a atingir um entorno de mais de 108.000 gaúchos. Trata-se de um problema social, de ingresso econômico e até de capacidade repressiva. Todo este desastre social será percebido no SUS, em problemas escolares agravados e no número de ocorrências policiais para o crime de baixa intensidade. Exporta-se a confusão, de um centro caótico e popular para o caos nos bairros.
Retirar a população trabalhadora informal do centro vem somado ao plano de reestruturação urbana dos antigos edifícios. São mais de 50 imóveis abandonados, com uma media de 10 andares por prédio. Dois deles foram ocupados por famílias organizadas no Movimento Nacional de Luta pela Moradia ( MNLM), posteriormente despejadas. A última ocupação representou uma causa emblemática porque o edifício havia sido comprado pelo PCC.
Se fosse "revitalizada" a oferta de trabalho no centro, reformados os edifícios antigos com destino à moradia de baixa renda, garantido o subsídio público para os catadores de resíduos sólidos (responsáveis por mais de 80% da coleta urbana no Brasil), a iluminação pública nas ruas mais perigosas (incluindo o 4º distrito), proibido a circulação de carros na área durante o horário de expediente, concluído o trecho do Trensurb entre São Leopoldo e o transporte fluvial entre Guaíba e Porto Alegre (desafogando boa parte dos ônibus usando terminais urbanos) e haveria espaço e qualidade para todos. Isto sem falar no pleno funcionamento do Porto da capital, tema do último artigo da série da capital gaúcha.
Chamo a atenção que o direito à cidade está além da disputa eleitoral. Obras e reformas estruturais no espaço urbano influenciam diretamente a vida de milhares de pessoas. No Centro de Porto Alegre, caixa de ressonância do Rio Grande do Sul, o que está em jogo é a capacidade dos trabalhadores influenciarem diretamente nos destinos da capital e no estado.