As recentes experiências de Poder Popular exercido na América Latina conseguiram retomar um debate que remonta à fratura da 1ª Internacional. Assunto esquecido, o problema da equação da liberdade com a igualdade foi uma das causas do rompimento da Associação Internacional dos Trabalhadores entre os centralistas e os federalistas. Hoje no lado de cá do Atlântico, os limites da democracia de mercado são questionados frontalmente em ao menos três países: Bolívia, Equador e Venezuela.
No meio dessa disputa, a esfera da comunicação ganha papel cada vez mais relevante. Assim como o capitalismo pós-industrial tem como seu porta-voz e força motriz na comunicação social e digitalizada, os setores de movimento popular que põem em cheque a capacidade do Estado legal tornar-se um ente promotor do direito para todos, vêem na comunicação social uma frente de luta e construção de identidades populares. Esta é outra “novidade” conquistada em inúmeros confrontos, físicos e de idéias. O direito a ser igual dentro da diversidade que não pode tornar-se diferença estruturada move uma série de sentidos latino-americanos. Identidades são ressuscitadas como o “pensamento bolivariano”, o “federalismo artiguista”, a defesa de um país pluri étnico como redescobrimento das maiorias de povos originais andinos; estas dentre dezenas de identidades que se fizeram valer como força política e social coletiva, pôde ganhar grau de existência real através da comunicação.
O debate em defesa desta diversidade democrática de corte igualitário – portanto sendo o avesso do pós-moderno e do multiculturalismo estadunidense – defronta-se todos os dias com dois adversários no próprio campo. Uma é a noção de radicalidade democrática, quando os distintos setores de interesse, agrupações ideológicas e movimentos específicos possam conviver em um plano de igualdade e defesa estratégica. Este conceito que ganha o nome de Poder Popular, em última instância, é a criação de outra institucionalidade, forma de vida coletiva e de poder que vai além da democracia de mercado e também de qualquer liderança carismática. É sabido que em torno de “personalidades” tudo o que se constrói é transitório e a herança política passará por problemas insolúveis como são os vários “peronismos sem Perón” na Argentina. Outro problema a ser solucionado é a comunicação como capacidade de gerar um discurso-síntese, no melhor estilo dos jornais operários de início de século. Ir além do utilitarismo, saber falar para toda a sociedade a partir de um ponto de vista de classe e povo é uma dificuldade que todas as esquerdas do Continente têm e que no Brasil é já é uma crise estruturante do pensamento político e comunicacional.
Saídas existem e vão sendo abertas no exercício do Direito à informação, comunicação e cultura. Muitas vezes este Direito está acima da lei e se confronta também com os arrivistas de lideranças carismáticas. Para um breve panorama da democracia na comunicação como pólo de irradiação e aglutinação da radicalização democrática, entendo ser o suficiente para o início de um debate de rigor, mas a partir de uma posição declarada. O grau de certeza que trago, é que a comunicação popular e coletiva caminha lado a lado da direção coletiva e da institucionalidade que surge do poder que emana do povo.
Este breve artigo foi originalmente publicado na página Moçambique-Brasil.