05 de janeiro de 2016, Bruno Lima Rocha
Em plena véspera de Natal de 2015 (24/12/2015), o jornalista de economia das Organizações Globo, Carlos Alberto Sardenberg publicou um artigo de opinião na página 14 do jornal O Globo com o título “Uma esquerda neoliberal?”. No texto, o experiente comunicador, especializado na área de economia e defensor explícito dos paradigmas do neoliberalismo, afirma uma teoria de tipo conspiratória, onde acusa o pacto do Lulismo, e em especial o governo de Dilma Rousseff, no primeiro ano de seu segundo mandato, de haver indicado o hoje ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy para não fazer nada e apenas dar alguma satisfação “ao mercado”. O texto de quatro colunas necessitaria de ao menos o triplo de palavras para dissecar as confusões geradas quando este tipo de difusão vulgar da economia e da política atinge a massa de leitores e receptores que hoje acompanham a crise brasileira.
Afirmara o mesmo do próprio Lula, que chamara Henrique Meirelles (ex-presidente mundial do Banco de Boston) e tinha Joaquim Levy como secretário do Tesouro, foi ortodoxo enquanto houve necessidade e depois enveredou pela “nova matriz”, chegando ao auge do primeiro governo de Dilma, quando Guido Mantega fez a escolha pelo desenvolvimentismo e o aumento do gasto público como forma de subsidiar o crescimento (insisto, e não o desenvolvimento). Agora, que Dilma ressurge das cinzas, se equilibrando entre a disputa ferrenha na interna do PMDB (na aliança Michel Temer e Eduardo Cunha, com Moreira Franco passando pelo Rasputin dos oligarcas confrontando ao “coronel” Renan Calheiros e a base chaguista do PMDB fluminense), sai aquele que veio da mesa de vice-presidentes do Bradesco (Joaquim Levy) e entra o ex-ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, em tese um desenvolvimentista convicto.
Barbosa seria – ainda segundo Sardenberg – outra jogada de cena. Na primeira hipótese, a que considero mais viável, ele pode realizar a dureza do ajuste sem ter de confrontar-se com o que resta de base social para o bloco de centro-esquerda do governo (PT e PC do B). Na segunda hipótese, Barbosa entra para nada fazer, pois está convencido – assim como Dilma – que a “nova matriz” – uma inflexão desenvolvimentista sem um projeto de desenvolvimento do país – é a forma possível de acomodar interesses e manter o bem-estar social.
Como era de se esperar, Sardenberg compara Lula e Dilma a Fernando Henrique Cardoso (FHC) e aquele que seria sua grande inspiração, o ex-primeiro ministro espanhol (logo após o término do governo de Adolfo Suárez e o fim da transição pós-franquista), Felipe González. Confundindo conceitos fundamentais – a propósito ou por desconhecimento, embora com efeitos iguais – como “desenvolvimentismo”, “esquerdistas”, “esquerda social-democrata”, o experiente jornalista das Organizações Globo (com participações na cadeia CBN, na mídia impressa e eletrônica com base no texto, no Jornal da Globo, além de um concorrido blog por ele editado) coloca na vala comum posicionamentos totalmente distintos e até antagônicos. Obviamente, Sardenberg omite as passagens históricas, ou os constrangimentos e aportes estruturais que possibilitaram os “milagres do capitalismo moderno” defendido por FHC e González. Como afirmei no parágrafo inicial, vou precisar ampliar o espaço da crítica para desmontar aquilo que considero absurdo.
Começando pela “nova matriz”, de novo temos a presente confusão (entendo como proposital) entre crescimento econômico e desenvolvimento. Se nosso país, mesmo dentro de um capitalismo periférico e líder subalterno dos BRICS, insiste em ser governado através de um pacto de classes onde se acomodam as exigências dos agentes econômicos operando no Brasil e tem como base da balança comercial a colonial exportação de commodities primárias (grãos e minério de ferro basicamente), logo não temos um projeto de desenvolvimento e sim um modelo de crescimento.
Neste modelo, onde existe alguma política industrial – tímida e por vezes pífia – a condição dos oligopólios nacionais de atuar como clientes privilegiados do Estado (quase que uma necessidade dentro dos marcos dos países semi-periféricos) têm de espremer o caixa para salvar para si o que resta da fúria e do espólio do rentismo. Logo, não há “nova matriz” que resista ao incentivo às exportações de manufaturas asiáticas (produzidas com mão de obra com pouco ou nenhum direito), a consequente desindustrialização, e sendo sangrado o caixa da União com no mínimo 40% do orçamento anual indo pelo esgoto da rolagem da dívida pública interna e dos especuladores de sempre a faturarem com a jogatina.
O modelo anterior, advogado por Sardenberg, nem isso tinha – arremedos de política de crescimento – e que dirá de desenvolvimento, algo inexistente dentro do pacto de classes a sustentar o lulismo. Reduzir o pensamento de esquerda ao aumento do gasto público e a regulação secundária do agente econômico é no mínimo uma desinformação nefasta. Nem o pacto lulista e seus partidos de centro-esquerda (ex-esquerda) são ainda de Esquerda e tampouco são neoliberais. O jornalista desinforma duas vezes, reiterando uma piada pronta no subsistema político gaúcho. O deputado estadual Marcel Van Hattem (PP-RS), neoliberal assumido da escola de Ludwig von Mises é filiado ao Partido “Progressista”. O alvo preferido de sua histeria neo-lacerdista é a hoje deputada estadual pelo PC do B (RS), Manuela d’Ávila. Sendo muito franco, nem Van Hattem é “progressista” e tampouco Manuela (uma parlamentar correta no que se propõe, mas que como seu partido, abriu mão da luta popular e de classes há décadas) é “comunista”.
Jogar conceitos ao vento como se as palavras não tivessem carga e significado e omitir as relações causais e estruturantes de maior peso é confundir e desinformar. Mais do mesmo assim como o receituário neoliberal que Carlos Alberto Sardenberg defende diariamente.