Novamente inicio esta breve análise em um esforço concentrado de caracterização do momento atual. Este governo é de centro-direita e está negociando tudo desde novembro de 2014, começando pela indicação de um Chicago Boy - o ex-ministro Joaquim Levy - para a Fazenda, passando pela política anti-indígena e a lei antiterrorista. Caracterizar que há um golpe branco em andamento não isenta nem beatífica o governo, e sim demonstra que o pacto de classes ruiu. Ainda assim não há como concordar com um golpe motivado por manipulações de massa com ultra liberais, neo-conservadores e os grandes grupos de mídia (capitaneados pela Globo) abusando de sua condição de força, além de punição seletiva e exibição também seletiva.
O impeachment em si só está andando porque Eduardo Cunha não fechou o acerto com a base do PT na Câmara para evitar seu processo de cassação. Só por isso que o Blocão do baixo clero e das bancadas BBBB (Boi, Bola, Bíblia e Bala) partiu para a aventura política. Entendo que o suicídio do menor pior ampliou a margem de manobra da direita ideológica em todos os níveis. Isso porque eles (BBBB) estavam aprovando tudo, por dentro e com rubrica (com projetos lei anti-populares) e o silêncio cínico do Planalto e do comando lulista.
Mas, como diz o provérbio futebolístico, uma coisa é uma coisa e outra coisa outra coisa. Frear o golpe não significa alinhar com o governo e os arautos da moralidade seletiva se serviram do PT, mas não os querem mais.
Logo, fazer coro com a Fiesp é inadmissível assim como abrir mão de qualquer direito em nome sei lá de que tampouco. O momento é delicado mesmo e se o curto prazo é voltado para barrar o golpe, o reboquismo leva ao abismo como sempre levou.
Não adianta pensamento mágico de que o governo vai dar um giro à esquerda porque não vai. Ou a esquerda restante marca a pauta após derrotar o golpe ou veremos mais uma vez a agenda da legalidade atropelar a defesa dos interesses do povo. No dia seguinte, havendo golpe paraguaio, virá o rolo compressor do Congresso. Caso o governo sobreviva, as medidas anti-populares virão, mas a conta gotas, ainda na euforia da possível – mas hoje pouco provável – derrota do impeachment.
O fato é duro e de necessária constatação. Como projeto político o lulismo naufragou, tal como o varguismo. Todo pacto de classes é apenas mais uma etapa de morte anunciada com ventos iniciais de bonança. No médio e longo prazo, há que se combater permanentemente esta ideia estapafúrdia de um pacto de classes duradouro. Ou temos forças reais organizadas socialmente de modo a construir uma hegemonia de combate na esquerda e sequencialmente ampliar direitos coletivos através de luta direta, ou vamos assistir análises mirabolantes delirando sobre um comportamento político que visa o próprio interesse e tem como base uma elite que todos os dias pragueja ao destino por haver nascido no Brasil e na América Latina.
O acerto entre Eduardo Cunha e Michel Temer e possíveis consequências para a vida política no médio prazo
A semana também foi atravessada pelo fruto dos acertos dos oligarcas peemedebistas na Páscoa. A síntese do arranjo Cunha e Temer é a marca dos acórdãos entre oligarquias e os financiados das entidades neoconservadoras dos EUA. Agora, no desespero do toma lá dá cá, Eduardo Cunha se afastaria da Presidência da Câmara e teria a manutenção de foro privilegiado. Pela terceira vez a Presidência deve cair no colo dos oligarcas sem receberem um voto para isso. Temer, Renan e Cunha sintetiza a cleptocracia oligárquica brasileira. Não deixa de ser interessante para a crítica política. “Quem mandou se aliar a esta laia? Quem mandou se perder ideologicamente e imitar o estilo de vida do inimigo de classe?”
Antes da debandada do PMDB, tivemos o golpe de cena da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A Ordem embarcou na onda das três estrelas do mundo jurídico pró-impeachment; Sérgio Moro - juiz federal de 1a. Instância; José Dias Toffoli - ministro do STF, entrou pela janela através da indicação de José Dirceu e cia; e Cláudio Lamachia - presidente da OAB nacional - outrora campeão estadual no Rio Grande do Sul atuou como fonte de oposição da “sociedade civil” contra o governo Yeda Crusius (PSDB).
A onda conservadora destes últimos dias também implicou em ataques de tipo fascista a jornalistas de reconhecida trajetória de esquerda, como o jornalista esportivo Juca Kfouri. Também houve a ensandecida manifestação da Mackenzie em São Paulo. Os macaquinhos da direita republicana e em onda pró Trump, o pessoal da direita da Mackenzie relembra o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) fez ato contra a "islamização" do Brasil! A tendência é os ânimos acirrarem e o conflito social também.
Após o anúncio do PMDB - em três minutos – de abandono do governo (a exceção da ministra e senadora da Agricultura Kátia Abreu e mais dois ministros, estes sem base parlamentar), o Planalto parte com tudo para tentar salvar os 171 votos mais um na Câmara e pode estar repetindo as práticas mais condenatórias. Para além do golpe paraguaio (institucional e pela via da legalidade aparente), é preciso vislumbrar a dimensão estratégica e o ambiente político com acirramento da repressão e das tensões internas do país.
No Brasil há um abismo entre a violência endêmica na sociedade e o tipo de acordo de cobertura, entre elites políticas e o que resta de classe dominante ainda nacional. A aproximação destes níveis de violência pode abrir uma importante e perigosa margem, dando espaço para o aumento do conflito político no país.
Insisto que o panorama, apesar de sombrio abre muitas possibilidades para quem opera à esquerda da política. Vejamos alguns itens:
- Necessariamente as bases sociais que hoje se mobilizam contra o golpe paraguaio não vão arrefecer de imediato. Haverá e já há movimento de controle, tanto das direções políticas constituídas - como o senador Humberto Costa (PT-PE) - mas algum nível de luta para além da superficialidade do discurso de defesa das "instituições" e obviamente, com algum nível de conflito, repressão formal e informal motivada por incitação ao ódio pela Internet.
- Na esfera política e em específico da política institucional a direita que saiu do governo não tem projeto e há uma enorme janela de oportunidades, o que pode levar a um acórdão entre oligarcas, mas também abre espaços para novos - velhos entrantes como Marina Silva (REDE) e Luciana Genro (PSOL, mas sem consolidar a posição da direção nacional) e também recursos de mobilização radicalizados por direita, como Jair Bolsonaro (PP-RJ) e o Movimento Brasil Livre (MBL, definitivamente o embrião politicamente operacional de grupos neoconservadores) e seus grupos concorrentes na mesma fatia de "mercado político".
- Na arena mais à esquerda agora é hora de resistir e realmente não aderir ao mal menor ou a "crítica construtiva ao PT" ou qualquer outro giro absurdo como de salvacionismo de um partido de massas estruturalmente perdido e baseado no pacto de classes que é uma tese furada - conforme comprovado empiricamente, novamente.
Esta desilusão vai seguir por mais dez anos até uma nova onda reformista perder a radicalidade e avançar para vias institucionais e novamente corromper-se em todos os sentidos. Ou então, se abrirmos uma nova etapa de hegemonia na esquerda brasileira onde o epicentro passa longe das urnas e da institucionalidade a qualquer preço.
No momento, não tem como não lutar contra o golpe e simplesmente querer surfar na onda do “Fora Todos”, ou qualquer outra palavra de ordem de tipo pensamento mágico ou irrealismo político.
- O próximo ciclo, ainda mais radicalizado caso se consuma o golpe paraguaio, vai depender de todas as forças sociais imagináveis e existentes para realmente conseguir resistir à perda de direitos e abrir uma via ideológica de resistência como forma de acumulação de forças para câmbio profundo.