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A ação bélica do Estado no Rio de Janeiro

efe

Com o apoio de tropas federais, compostas de fuzileiros navais pára-quedistas, as polícias civil e militar tomam militarmente o Complexo do Alemão, assim como ocuparam antes a Vila Cruzeiro. Simultaneamente ao avanço das forças estatais, pode ser dar a projeção ainda maior das forças para-estatais, conhecidas como milícias, se nada for feito para deter esta máfia. No meio do espetáculo midiático, avança a criminalização do protesto social.

29 de novembro de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha

O texto que segue se divide em três partes. A primeira situa a escalada de beligerância estatal na cidade do Rio de Janeiro e sua região metropolitana. A segunda, refaz um mil vezes repetido percurso da história política recente na cidade e no estado, tentando compreender suas raízes estruturantes para o que hoje são chamados de “comandos” e erroneamente apelidados de crime organizado (sem entrar sequer na caracterização proposta como texto legal para a maioria dos especialistas). Já a terceira, ultrapassa o fato da tomada da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão e antevê problemas presentes como a criminalização da pobreza, a repressão ao protesto social e ascensão dos paramilitares, desgraçadamente apelidados pela alcunha de milícias.

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Primeira parte, a escalada em si

O que provocou – ou teria provocado, ou seria a alegação de haver provocado - o avanço das polícias estaduais e a chamada de auxílio das forças armadas foi à ordem de ataque vinda da “federação” e com alianças implícitas entre as demais redes de quadrilha. Se as informações que circulam pela mídia empresarial forem corretas, a federação – cúpula do Comando Vermelho (CV, como rótulo genérico, sem adentrar em suas sub-facções) – tomou a decisão suicida pela terceira vez em sua história. Em tese, isso – o ataque direto à ordem pública no asfalto - acarretaria maior apoio das comunidades e sua população em contra a violência policial e também em contra o suporte – muitas vezes direto – do aparelho de segurança de Estado e o para-militarismo, forma de exercício do crime organizado oficial que é errônea e cretinamente apelidado de “milícia”.

A escalada de eventos é conhecida, tendo sido iniciada no dia 23 e antes precedida de arrastões de carros, aumentando a incidência de crime violento na cidade, atividade esta que sempre prejudicara o comércio varejista de drogas ilícitas. No domingo dia 28 de novembro completou-se uma semana útil de ataques contra a “ordem pública do asfalto”, tomando a essas medidas como provocação por parte do Palácio Laranjeiras (sede do governo do estado). Isto implica em, da parte do tráfico (varejo de drogas ilícitas), queimar veículos coletivos (antiga tradição dos conflitos em arredores de favelas no Rio) e particulares. Como já dissemos antes, já houve a decisão pelo pânico na cidade, e isto ocorreu (por ironia da história), justo no momento de governo – mandato tampão – de Benedita da Silva (PT, em 2002, pois a ex-ministra era vice-governadora rompida com Garotinho). Naquele ano, entende-se que os ataques vindos do CV foram eficazes, levando a um acordo implícito com as lideranças presas e no comando (indireto) das redes de quadrilhas.

Agora a situação é distinta de 2002, diferente dos oito anos da família Garotinho e também se distingue da matança de 2007. A proposta de ocupação permanente, encarando o governo estadual como sendo as comunidades um território a ser retomado, vem a cabo na esteira de uma aliança inédita com o governo central (ratificando a aliança PT e PMDB) e antevendo as ações urbanas para a cidade que será sede dos Jogos Olímpicos de 2016. A política implantada no eixo das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) não apenas acompanha as áreas de maior valorização imobiliária ou de futuro uso de territórios para os aparelhos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e também prepara terreno para a “flexibilização” de leis ambientais e aumento da especulação imobiliária em zonas da cidade que tendem a valorizar-se. Ao enfraquecer o narcotráfico com a presença policial ostensiva e permanente em morros-chave, força esta parte da delinqüência a “levar a pressão para o asfalto”, amortecendo por tabela o perigo maior da sociedade fluminense. Assim, o estado do Rio, ao não combater com a mesma intensidade, aumenta a distância entre a capacidade de fogo e de poder das milícias e das redes de quadrilhas (equivocadamente chamadas de “comandos”, e assim rebatizadas as falanges).

A outra ponta da história é a presença de tropas federais, ou seja, militares profissionais das três forças e agentes da Polícia Federal. A União está desenvolvendo o aprendizado de controle social, antes treinado nas cidades brasileiras (o Rio de Janeiro em especial, nas Operações Rio I e Rio II), e que ganha “excelência” operacional com a Minustah, a Missão da ONU para ocupar militarmente o Haiti, e cujo comando vergonhosamente cabe ao Brasil. Assim como tropas de combate dos EUA que lutaram na 1ª guerra do Golfo (1991) foram chamadas a ocupar militarmente Los Angeles em 1992 (no caso do levantes dos guetos negros e latinos); do mesmo modo que os mercenários da Blackwater, veteranos da Guerra do Iraque (a 2ª, iniciada em 2003) foram contratadas para ocupar militarmente Nova Orleães (após a passagem do Furacão Katrina em 2005), agora cabe as tropas brasileiras ocupar (como apoio do cerco estratégico do Complexo do Alemão) militarmente um eixo de concentração de favelas na zona norte do Rio, além de outros cenários por vir (como a Rocinha, por exemplo).

Por fim, a justificativa para ganhar corações e mentes e o papel de promotor do consentimento das empresas de mídia brasileiras, afirmam algo inexistente. É balela alegar que a invasão das polícias se dá também para a garantia dos direitos da população favelada. Quem provoca a reação das forças da ordem é a decisão supostamente tomada pela cúpula das redes de quadrilha – especificamente do CV – de causar pânico sistemático e abrangente para a cidade do Rio. O governo do estado, de comum acordo com o governo central, não se mexe para defender os direitos de quase meio milhão de pessoas (sob duplo governo, do Estado ausente e do narcotráfico no varejo) e sim para assegurar aos investidores internacionais, os futuros sócios das PPPs (Parcerias Público Privadas), a capacidade de imposição (momentânea que seja) da ordem estatal na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.


Segunda parte, trajetória política recente

Durante o período de Garotinho (1998-2002) e Rosinha (2003-2006), o estado do Rio viu crescer e evoluir o modelo de “milícias”, quando a antiga “polícia mineira” torna-se estrutura permanente comandada pelos níveis mais baixos das hierarquias do aparelho repressivo estadual (PMs, policiais civis, bombeiros e agentes penitenciários). A tomada do aparelho repressivo foi por dentro também, com a presença física de vereadores e deputados estaduais, incluindo supostas presenças de coronéis, delegados, diretores de departamentos e até mesmo do Chefe de Polícia e níveis de comandância da Polícia Militar.

Após a vitória de Sérgio Cabral Filho (ex-tucano que se transferiu para o PMDB) em 2006 (sendo reeleito ainda neste ano) e na esteira dos preparos para os Jogos Pan-Americanos de 2007, aumentou consideravelmente o volume de assassinatos e execuções ocorridas em batidas e invasões policiais. Voltou-se assim a um padrão cíclico, o mesmo se inicia no governo de Moreira Franco (PMDB, o mesmo que fora derrotado por Brizola em 1982, no episódio do caso e escândalo da fraude da apuração do Pro-consult), iniciado ainda em 1987 (seu primeiro ano de governo) e é contemporâneo da tomada da Rocinha pelo embrião do BOPE, na época ainda chamado de Comando de Operações Especiais (COE). Este período é simultâneo da Operação Mosaico I (1987, mesmo ano da guerra televisionada pelo controle do Morro Dona Marta em Botafogo, entre Zaca X Cabeludo, culminando com a vitória do primeiro, um ex-PM) e, cinco meses após, seguida da Mosaico II (1988). Estas foram operações da PF sob comando do repressor político Romeu Tuma (delegado de carreira do DOPS e eleito “xerife” do Brasil pela projeção midiática que obteve no governo Sarney, quando lhe foi dado o cargo de diretor-geral da Polícia Federal) que invadiram fisicamente áreas de favela.

Os governos de Moreira Franco (1987-1990, PMDB, ex-PDS), Marcelo Alencar (1995-1998, PSDB, ex-PDT, que é quando se estabelece a chamada gratificação faroeste) e Sérgio Cabral Filho (2007-..., PMDB, ex-PSDB) seguem um padrão de elevar a violência sistemática e aumento da autonomia funcional do braço repressivo do estado do Rio. Mas, o descontrole institucional se consagra no segundo governo Leonel Brizola (1991-1994 PDT), acentuando-se nos últimos dois anos, em especial nos últimos seis meses, quando o político gaúcho se licencia para concorrer à vice-presidência, fazendo dobradinha com Lula. Os anos de 1993 e 1994, em seguida da Eco-92 e da queda de Collor de Mello, foram marcantes para tornar público ao mundo a institucionalização de poderes paralelos na cidade e os índices absurdos de violência e desrespeito aos direitos da cidadania por parte das forças de “ordem”.

Vem deste período Trata-se da terceira ocasião onde se dá a presença ostensiva das Forças Armadas no Rio de Janeiro. Antes fora nas Operações Rio I (em 1992, durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente, Eco-92) e a Rio II (de dezembro de 1994 a março de 1995). A segunda operação veio na escalada da Chacina da Candelária (julho de 1993) e a de Vigário Geral (agosto de 1993). Ambos os crimes foram cometidos por forças da “ordem” fora do horário de serviço. Na ocasião dos Jogos Pan-americanos de 2007 a cidade e sua Região Metropolitana também foram devidamente “pacificadas”.

Terceira parte, após a tomada do Complexo do Alemão. E agora?

Após o sucesso do cerco estratégico e tomada de pontos vitais do Complexo do Alemão, aparentemente a situação do conflito entre a rede de quadrilhas conhecida por Comando Vermelho (CV, incluindo rachas como CV Jovem, CVJ, e CV Rogério Lengruber, CVRL) - em suposta aliança pontual com as facções rivais Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando (TC) – e as forças de segurança do estado do Rio com o apoio das forças federais (PF e Forças Armadas) estaria atingindo uma escala de nova normalidade. Esta nova escala seria quando o estado do Rio faz uso de um planejamento minucioso e emprega uma ampla superioridade bélica, adentrando os espaços físicos outrora co-dominados pelo varejo do narcotráfico.

Diante disso, o avanço das chamadas forças de ordem, partiria rumo aos grandes complexos ainda não totalmente ocupados, como o Jacarezinho e a Rocinha. Esta última representa um grande faturamento do narcotráfico varejista na cidade, justo por se situar entre São Conrado e Gávea, operando como fornecedora de drogas ilegais para consumo individual na zona sul do Rio de Janeiro. Também em nível de aparência midiática, a população que ousa manifestar-se e é moradora destas comunidades estaria apoiando explicitamente a ação das polícias, fato esse que, se confirmado (e é quase impossível a sua confirmação porque uma enquete não se realiza sob condições tão adversas de segurança dos possíveis entrevistados), “autoriza” o exercício da legitimidade do Estado para o ato de mando e governo. Na opinião deste que escreve, apesar do anseio pela rotina e normalidade, o consentimento forçado vem sendo operado através da mídia empresarial no sentido de evocar o sujeito coletivo, o nós, sendo que este mesmo sujeito coletivo jamais é indagado a respeito de suas vontades. Ou seja, embora a TV fale e fale, ninguém afirmou mediante referendo ou plebiscito desejar ver as forças federais participando de cercos no Rio de Janeiro.

Do lado de cá também a situação é difícil. É mais que complicada a posição das esquerdas sociais diante desse quadro. É impossível fazer qualquer tipo de defesa das redes de quadrilhas do comércio varejista do tráfico, a não ser reconhecer que estas facções surgem com legitimidade na auto-organização dos detentos da Ilha Grande – primeiramente – e depois se alastra pela massa carcerária do então recém criado Estado do Rio (unificando sob o mesmo governo, fluminenses e cariocas em 1975). Por outro, não tem cabimento fazer o elogio das forças de segurança se estas, até pouquíssimo tempo atrás e incluindo boa parte do seu efetivo ainda na ativa, convivia de forma cínica e mancomunada com a guerra por controle de circulação de bondes (comboios de homens armados), aluguel de armamentos, relaxamento de prisões em flagrante, mesada ou semanada (conhecido como arrego), além de, quando no exercício da autoridade policial, atuar muitas vezes como tropa invasora praticante de extermínio. Nada do que digo acima é chute ou generalização inconsistente, sendo cada uma destas gravíssimas acusações mais do que midiatizadas e provadas através de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) levada a cabo na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Seguindo na crueza deste raciocínio, resulta impossível (por surreal), imaginar que houve mudança de comportamento da tropa posta em prontidão, tanto para não entrar em conluio (como seria o caso de boa parte das instituições coercitivas), como para não agir de forma fascista, como foi narrado no filme campeão de bilheteria, Tropa de Elite 1. Antevejo assim dois problemas graves para o exercício da militância social e a luta legítima pela reivindicação e conquista de, pelo menos, os direitos básicos de uma população que se vê no abandono da própria sorte e recriando uma cultura atravessada pelo elogio da delinqüência sob a forma de capitalismo selvagem. Cultura essa que já ultrapassa um quarto de século (25 anos), e por tanto, estaria mais do que enraizada, levando (e desenvolvendo) um novo sentido de ordem e justiça paralela, por mais bárbara que esta seja.

O primeiro problema, não grave, mas gravíssimo, é o peso da delinqüência administradora do capitalismo selvagem na Metrópole Carioca-Fluminense em sua forma paramilitar. Traduzindo, estou afirmando que com a ausência das redes de quadrilhas ou seu enfraquecimento, aumenta a força e o peso das milícias. Esse termo veio para desgraça da tradição do operariado carioca e da militância outrora fornecedora de mártires e militantes exemplares para as causas do povo brasileiro. Tais organizações paramilitares, surgidas de uma evolução da famigerada polícia mineira, já uma vez chamada de “autodefesas comunitárias” pelo ex-prefeito e ex-exilado (quando ainda era de esquerda) Cesar Maia, fazendo (espera-se que de forma involuntária), um triste paralelo com as AUC (Autodefesas Unidas de Colômbia, coligação de paramilitares e de onde provem politicamente o ex-presidente Álvaro Uribe). Pois bem, se não houver combate sistemático e científico ao poder paralelo que brota das entranhas das forças repressivas do estado do Rio, simplesmente estará se atirando a mais de 2 milhões de pessoas em uma nova (nem tão nova assim) tirania. A tirania das redes de quadrilha, por vezes e com alguma sorte, ao menos tinha certo enraizamento nas comunidades locais (sem por isso ser cruel e bárbara). Já a tirania das milícias é a evolução da prática de “mineirar a segurança de comerciantes”, soma-se com as tenebrosas tradições dos Esquadrões da Morte (berço da Scuderie Le Cocq) e atravessa-se com a fusão de abuso de poder policial e conjunção de interesses com os banqueiros de bicho.

Assim como o primeiro problema, o segundo já existe e pode vir a se acentuar. Trata-se da criminalização pura e simples do protesto social. Não “apenas” com a repressão de tipo anti-distúrbios, mas com o rigor de uma ocupação militar e o julgamento sumário e midiático que associa para a opinião pública o fato, mentiroso, de que todo protesto em comunidades de favelas é promovido pelos interesses do varejo do tráfico. Tal mentira é reproduzida há quase três décadas e vem, num crescente, aumentando a penetração social. Infelizmente a efervescência existente na transição da Abertura política da ditadura, foi acompanhada no Rio de Janeiro da institucionalização da antiga Federação de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj) e da territorialização da rede de quadrilhas outrora batizada até em minissérie da Rede Globo, de Falange Vermelha (Bandidos da Falange, minissérie com 20 capítulos, exibida em janeiro e fevereiro de 1983, detalhe, a obra de Aguinaldo Silva é excelente, no entender deste que escreve. Ambos os movimentos se deram no primeiro governo Leonel Brizola (1983-1986), o que veio ao encontro de um intento de gerar maior respeito entre o aparelho policial e as comunidades de favelas. Apesar de ser uma política correta, tal fato acarreta uma institucionalização da nova forma de organização das redes de quadrilhas e a transferência das disputas intramuros de presídios para dentro das comunidades. Em dois anos, muda completamente o cenário do crime exercido pela pobreza na cidade. No final da década de ’80, já não restava muito da aura dos fundadores da Falange da Segurança Nacional na Ilha Grande e aí a história é mais que sabida.

Faltaria analisar as discrepâncias absurdas do emprego de efetivos e razão de Estado para combater a pobreza no exercício do crime e, o inverso disso, a ausência de decisão e as sentenças mais que favoráveis para combater o crime organizado, a começar pela vergonha do engavetamento dos resultados da Operação Satiagraha. Nas próximas análises, faremos estas comparações.






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