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Uma breve reflexão a respeito do final da Secretaria de Políticas para Mulheres no RS

pmdb-rs

O governador eleito José Ivo Sartori e a primeira dama - a deputada estadual não reeleita em 2014 - Maria Helena Sartori são responsáveis diretos pela extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres no Rio Grande do Sul.

25 de dezembro de 2014, Bruno Lima Rocha

 

O presente artigo aborda a extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), criada no governo Tarso Genro (PT) e extinta pelo novo administrador do estado mais ao sul do país que está chegando ao Palácio Piratini (sede do Poder Executivo da província). O texto não é de política gaúcha, mas entende ser o caso exemplar para debater o tema da valorização ou não das políticas de gênero, os limites das políticas públicas para o tema e, o que é pior, a total ausência destas quando não há como implementar nada. Espero que o debate desperte nas fileiras mais à esquerda assim como nos movimentos de mulheres e de defesa dos direitos e especificidades de gênero uma saudável polêmica. Vamos ao caso. 

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No dia 22 de dezembro do ano que nunca termina, este de 2014, o governador eleito do estado do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB, ex-prefeito de Caxias do Sul por dois mandatos) promoveu uma espécie de mini-“reforma” do aparelho de Estado do governo sub-nacional. A medida, aprovada pela Assembleia Legislativa do RS – curiosa aprovação, pois o governador que sai tinha frágil “maioria” até o início do processo eleitoral – implicou no corte de secretarias de estado, diminuindo de 27 para 19. Dentre as pastas extintas e realocadas em função da alegada economia de custeio dos cofres está a SPM. Insisto que se trata de falsa alegação, como quase sempre ocorre nos discursos fáceis de economia de gastos públicos, mas nunca tocando no montante de verba publicitária e nem de renúncia fiscal para benefício do empresariado.

 

Confesso que acompanhei horrorizado o final desta secretaria de políticas de gênero. Afirmar que o aparelho de Estado está grande demais e que os direitos das mulheres podem ser garantidos através de políticas transversais em outras pastas é simplesmente um absurdo. Deveríamos estar debatendo o tipo de política de gênero e não se devemos ter ou não uma pasta específica para políticas que necessariamente têm sua especificidade, senão, do contrário, jamais serão implementadas. Sinceramente, como atuo na margem esquerda da política, não me encanta as políticas compensatórias pois entendo que, no Brasil, nem mulheres e nem afro-descendentes não são minoria. Também entendo que a dimensão do empoderamento das mulheres necessita, urgentemente, impor uma agenda de comportamento entre a pobreza masculina, pois senão, do contrário, estaremos condenados a reproduzir na base da pirâmide social o pior do comportamento que veio da relação nojenta e dominadora entre a Casa Grande e a Senzala.

 

O Rio Grande do Sul (RS) tem uma peculiaridade como área de fronteira cultural entre a América Luso-brasileira e a Hispânica, especificamente na continuidade da planície entre a pampa gaúcha e platina. A versão do gauchismo brasileiro tem mais relação com o posteiro (defensor de um posto de fronteira do Império Luso-brasileiro) guarnecido por um peão soldado do que com qualquer ideia de rebeldia ao exemplo de Martín Fierro, das rebeliões Montoneras, por um incrível que possa parecer, muito distante da chamada Gesta Artiguista (embora cerca de um quinto da força combatente sob comando de José Gervasio Artigas fosse de rio-grandenses).

 

Tal distância e “bom comportamento” mobilizou uma idealização idílica em torno da estância de fazenda, como uma sociedade pastoril de tempos imemoriais. Nesta pequena sociedade, o machismo e a dominação masculina bruta impera. Não é incomum associarem a mulher a uma égua ou potra, que como tal deveria ser “domada” como uma cavalhada ainda xucra. Neste estado é onde a pobreza que apoia a oligarquia lota bailes à fantasia cantando músicas com refrãos odiosos, que bem poderiam ser enquadrados em alguma tipificação criminal de incitação ao ódio e a violência de gênero. De memória, posso citar o absurdo refrão da música Ajoelha e Chora: "ajoelha e chora, ajoelha e chora, quando mais eu passo laço quanto mais ela me adora"; em outra parte a letra diz “eu tô achando que esta mulher danada, ficou mal acostumada e tá gostando de apanhar”. Este tipo de letra e música de baile gaudério não é exclusividade do conjunto conhecido como "Garotos de Ouro" (eis o link para tamanha barbaridade, para quem quiser escutar e puder fazê-lo: http://www.vagalume.com.br/garotos-de-…/ajoelha-e-chora.html). Logo, na ausência de organização social reivindicando este tipo de representação, ainda que não faltem exemplos brasileiros ou hispano-americanos, como Anita Garibaldi e Juana Azurduy, é de grande significado a existência da Secretaria de Políticas para Mulheres.

 

Outro problema da extinção desta pasta é a eterna falta de acúmulo e recomeço permanente. Não adianta lotar de cargos em comissão (ou cargos de confiança) a ex-social-democratas arrependidas e arrependidos (esta é uma forma lúcida para caracterizar a composição de quadros político-técnicos do Partido dos Trabalhadores) de um dia acreditarem em alguma tímida versão de socialismo. O problema maior é não haver concurso público. Seria nesta força de trabalho organizada onde o acúmulo teórico das teorias feministas e estudos de mulheres e da militância acumulada, poderia se transformar em poder de realizar políticas públicas. Tarefa desta envergadura só pode ser executada com força de trabalho autônoma e sindicalizada. Um bom exemplo é do funcionalismo da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) ou da Fundação Palmares (órgão especializado nos direitos e políticas para a população afro-brasileira). Óbvio que nada nunca vai substituir a força do movimento popular organizado e, entendo eu, nunca ninguém afrontou o latifúndio no Rio Grande do sul como os atos de 8 de março coordenados pela frente de mulheres do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Via Campesina. Mas, é importante observar que a existência destas pastas vai ao encontro da pressão popular, pois tendem a colocar um colchão de amortecimento.

 

Logo, o que a oligarquia que ganhou dos ex-social democratas (PT, os aliados ex-stalinistas do PC do B e outras legendas menores) as eleições indiretas e promovem co-governo está fazendo, é abandonar as mulheres desorganizadas à sua própria sorte. O co-governo é uma hábito da política brasileira, executado a partir do chamado 3º turno (são dois turnos eleitorais para o Poder Executivo nos três níveis de governo), onde quase todos os partidos políticos com algum peso no estado estão ou estarão compondo o Poder Executivo e a maioria na Assembleia Legislativa, reiterando os falsos apelos de Estado mínimo Para piorar a representação simbólica, além de distribuir a execução de forma transversal (mas sem coordenação!), a pasta pode ser acumulada no Gabinete da Primeira Dama ou dentro da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (com coordenadoria específica).

 

Há derrota em todas as frentes. Perde a luta das mulheres por estar sendo homogeneizada pelos arrependidos e arrependidas de sempre e agora perde ainda mais, em função da ausência de organização massiva, ao ver a pouca conquista (ainda que institucional), estar indo para o ralo. E não se trata de ocupação de espaços de poder, pois a província já teve o famigerado governo de Yeda Rorato Crusius no Piratini (governadora do RS, do PSDB, economista declaradamente neoliberal, reprodutora da escola de Margareth Thatcher em seu péssimo governo de 2007 a 2010) e foi um autêntico desastre em todos os sentidos. O problema com o fim da pasta é a perda de visibilidade e protagonismo dentro do aparelho de Estado.

 

Reforço o conceito de sempre. Nada substitui o protagonismo das mulheres na defesa do interesse direto pelas políticas de gênero. Também entendo que o avanço maior é de ordem ideológica, reproduzindo um comportamento igualitário no dia a dia a da sociedade. Mas, como toda luta em escala societária precisa de conquistas imediatas e objetivos de curto e médio prazos, é positivo que a pressão popular tenha obrigado o aparelho de Estado e seus partidos-gerentes de turno, a criar pastas específicas para dar alguma resposta paliativa para problemas estruturais e de viés estruturante, tanto na vida privada como nos espaços coletivos. Mas, quando o Estado, ainda que em nível sub-nacional (no caso do governo do estado do Rio Grande do Sul) corta de imediato a pasta específica, isto implica na ausência de visibilidade e um retrocesso nas políticas públicas em questão. Como não se negocia direito adquirido, a única compreensão que posso ter é que as mulheres do sul do Brasil estariam em pé de guerra na luta pelo reconhecimento mais básico. 






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