Todos os casos deram repercussão na mídia do estado e no que existe de espaço público de debate na sociedade local... O aumento em particular, veio em um momento infeliz. Em Brasília, a Câmara dos Deputados aumentou os vencimentos dos parlamentares em 28,5%. No rincão mais ao sul do país, a chiadeira foi completa. Pouco depois, no efeito cascata da elevação salarial da câmara baixa, os deputados estaduais procedem de forma quase idêntica. Talvez pela crise nas finanças públicas e o constrangimento gerado com o ganho salarial, os parlamentares tenham aplicado um índice menor do que os colegas federais.
Ainda assim, o problema é grave. Os servidores públicos estaduais com salário acima de R$ 2.500,00 estão recebendo seus vencimentos com atraso e em parcelas. A cada pronunciamento da governadora Yeda Crusius, o que se comemora é a redução de verba, custos e investimentos diretos. Assim, o arrocho ao funcionalismo permanece, embora estejam recebendo em dia. Os professores estaduais estão peleando por um piso salarial de R$ 468,28,00. Para a reposição de perdas prevista para o funcionalismo da Assembléia, os parlamentares aprovaram um acréscimo de 4%. Simultaneamente, os deputados elevaram seus salários no dia 26 de junho, unanimemente, indo de R$9.540,00 para R$11.500,00 .
Como se não bastasse, pediram para o Executivo uma verba extra de R$10 milhões. A governadora, em sua cruzada pela redução do estado, mas embasada no conceito de orçamento materializável, negou o complemento. De passo, recusou também o aumento atribuído ao Executivo, particularmente ao governo, e fez o secretariado todo recusar junto. Na queda de braço com a Assembléia, marcou pontos com a opinião pública, apesar das atuais mobilizações do Cpers .
Os argumentos de Yeda são contraditórios. Afirma a necessidade de exercer o realismo orçamentário e contabilizar a dívida total do Tesouro com os servidores. Segundo o Piratini, a dívida consolidada em 1º de janeiro do corrente ano era de R$33 bilhões, sendo que a de curto prazo totalizava R$ 1,6 bilhão. Esta é a tormenta batendo na porta, pois é contraída com fornecedores. A gestão do núcleo duro, além da austeridade fiscal, compreende que sua função é tirar do Estado parte de suas responsabilidades. Isto toma forma nas isenções fiscais, como as cinco últimas liberações, totalizando uma alienação de R$ 66 milhões em impostos. A soma da alienação fiscal nos primeiros quatro meses de governo tirou dos cofres públicos mais de R$1,5 bilhão.
A falta de tato e senso de oportunidade do Parlamento não parou aí. Não contentes com o auto-aumento e o pedido negado de verba extra, deixaram estourar um escândalo já sabido. O caso é simples. A Alergs tem duas máquinas franqueadoras que substituem a colagem de selos na correspondência. A franquia equivale a uma impressão, quando o envelope ou etiqueta passam pela máquina, que vai debitando os créditos à medida que vai sendo utilizada. Quando acabam os créditos, um funcionário vai até a Agência Central dos Correios (ECT) para carregar o cartão. A cada impressão da franquia, o crédito vai sendo debitado simultaneamente na própria ECT. Ou seja, embora as máquinas sejam carregadas mês a mês, o valor só é pago após o uso. A fatura é emitida ao final de cada mês pela gerência financeira dos Correios que a emite para a Assembléia. Esta operação simples ficou sob suspeita.
Isto porque o servidor do Poder Legislativo, Ubirajara Amaral Macalão, diretor do Departamento de Serviços Administrativos, foi afastado da função no dia 18 de maio. Macalão, presunto suspeito da fraude, somente em maio, gastara R$ 54 mil na aquisição de selos. Uma vez que estas máquinas estão funcionando, não existe necessidade de comprar selo algum. Portanto, os selos podem estar sendo revendidos assim como pode existir superfaturamento na própria aquisição de franquia.
No dia 21 de junho, uma Comissão de Sindicância da Alergs foi instalada para cuidar do problema. Três dias após o afastamento. A instância de apuração interna ficou no anonimato, ou ao menos longe dos holofotes. Assim, mesmo tendo sido descoberta há mais de dez dias, a suposta fraude só veio a público na quarta-feira 2 de julho. Tornado público, os organismos fiscais e investigativos começaram a se mover. Na própria quarta-feira a Polícia Civil escalou um delegado para cuidar do caso. Já a Polícia Federal, possivelmente vai instalar um inquérito próprio, porque recebeu denúncia. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) se somou ao esforço declaratório, dizendo que vai esperar o final da sindicância para começar a investigar as gestões anteriores do atual presidente da Assembléia, Frederico Antunes (PP).
Algumas versões desta possível fraude circularam nos bastidores da Assembléia e nos ambientes políticos. Entre nuvens de fumaça, algumas certezas circulam. Primeiro, se confirmada esta fraude, não é obra de apenas um servidor, também não é recente e pode ter ramificações mais abragentes e comprometedoras. Segundo, se as investigações não forem meticulosas, Macalão será o ímã do problema, arrebentando a corda no lado mais fraco. Terceiro, se não tentaram abafar o caso esta foi a impressão gerada, uma vez que o escândalo estourou na mídia e a partir daí a Alergs se pronunciou.
Seria uma ilusão afirmar que a imagem dos políticos profissionais do Rio Grande do Sul está intacta. De escândalo em escândalo, a exemplo dos albergueiros impunes e com mandato, o Poder Legislativo vai se abalando. Até o dia em que a boa retórica e o preparo nos debates já não forem mais suficientes para assegurar a credibilidade abalada.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat