Impressiona a capacidade mobilizadora da memória de um país. Por mais de duas décadas, a barbárie repressiva no Uruguay sempre foi negada pelas autoridades constituídas do país vizinho. Negava-se a existência dos chamados vôos da morte, e sempre se afirmou que a sanha repressiva era o estilo argentino de fazer política e operar militarmente estas vontades. Ajustes à parte, ta afirmação é falsa.
A idiossincrasia uruguaia tem seu que ver com a gaúcha com acento. Um tipo de zelo republicano e algo de interesse público, por mais manipulável que seja o ente estatal, em todos os momentos é abalada. Aliás, a frase acima é uma contradição em si; isto porque o gral de autonomização do Estado é sempre relativo das suas disputas intrínsecas. Seja este um Estado país, como o Uruguay; ou um Estado sub-nacional, como o Rio Grande.
Paixões movidas pela memória resgatada podem ser mais ou menos incendiarias de um pacto de não-agressão. Os militares, em geral, sã abandonados à sua própria sorte, com algo de camaradagem e cumplicidade por alguns, eu digo, alguns dos aliados civis e das transnacionais da área. O mesmo sentido de abandono fruto da mudança da política dos EUA nos anos ’70, quando da queda de Nixon e da posterior eleição de Jimmy Carter.
A reconstituição dos chamados vôos da morte, assunto umbilicalmente imbricado nas entranhas da política e da repressão da Banda Oriental, da Argentina e do Rio Grande, move a imaginação popular uruguaia de hoje. O governo frenteamplista, alinhado com uma postura entre Bachelet e Luiz Inácio, está vendo a bomba estourar e seu colo. A julgar pela postura de Lula, alguns arquivos serão abertos, mas não há de se mexer um dedo para derrubar a Lei de Caducidade, tipo de Lei da Obediência Devida, e que no Brasil foi abafada pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita.