Bruno Lima Rocha
17 de setembro de 2008 -
Para oferecer uma análise do que ocorre hoje em Bolívia é necessário saber a posição do analista. Assim, fundamento algumas considerações. Primeiro, reconheço a legitimidade do governo Evo Morales, eleito com 53% dos votos e no referendo de agosto de 2008 recebeu a confirmação de 67% do eleitorado. Também vejo o ex-dirigente cocalero representando um setor mais aberto ao diálogo do que outras forças sociais e indígenas.
Segundo, compreendo que qualquer país tem o direito ao uso soberano de seu subsolo e riquezas naturais. Quando o governo de La Paz aponta a redistribuição impositiva com a taxação do gás está fazendo sua obrigação. O financiamento de programas sociais de um Estado deve ser através de suas próprias riquezas e não de mais endividamento.
Terceiro, entendo a reclamação de “autonomia” por parte dos departamentos “cívicos” como uma base de discurso quase separatista e isto nenhum governo nacional pode tolerar. Na Bolívia o que se vê hoje é o aprofundamento das Guerras da Água (2000) e do Gás (2003), e das resposta da oligarquia frente à Assembléia Nacional Constituinte.
A situação pode se aproximas de um desfecho através de rodadas de negociações, entre o governo eleito e o Conselho Nacional Democrático (Conalde). Morales se vê diante de uma encruzilhada. Pode usar das atribuições constitucionais e ordenar a repressão aos prefectos de Pando, Santa Cruz, Tarija e Beni. Sobre esta decisão paira a dúvida do governo boliviano quanto ao grau de lealdade de suas forças armadas e polícias. As coisas aceleraram após o massacre no departamento de Pando, onde pelo menos 30 pessoas foram assassinadas e mais de 106 desaparecidos, elevando a crise política para uma possível guerra civil.
Este ameaça vem do tecido social organizado. São dezenas de entidades e movimentos que estão à esquerda de Morales e do MAS. Todas têm matriz indígena ainda mais forte e não estão dispostas a negociar os direitos adquiridos e nem as novas formas de exercício da democracia. Ou seja, o governo que se viu forçado a abrir diálogo com uma oposição derrotada nas urnas corre o risco da rebelião popular, encabeçada também por uma parte de seus próprios eleitores.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat