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ISSN 0033-1983
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A Grécia e os limites da democracia representativa
| Reuters
E se a população grega tivesse a chance de definir o futuro do país através de referendos e plebiscitos? Será que concordaria com as medidas econômicas do governo? Será que concordaria com a submissão às condições de "ajuda" impostas pelos novos credores BCE/FMI/CEE?
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16 de fevereiro de 2012, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
Parece uma cruel ironia, mas é na terra ancestral dos helenos – berço das raízes do ocidente atual - que a democracia tão temida por Aristóteles se encontra na encruzilhada. Naquele país, assolado por uma crise de endividamento crônico, dívida esta inflada por balanços maquiados com a ajuda da Goldman Sachs, os representantes de carreira acabam de votar mais um pacote de medidas anti-populares. enviar imprimir Em novembro de 2011, pouco antes de cair, o ex-primeiro ministro George Papandreou chegou a propor um referendo, recorrendo à consulta direta com o eleitorado grego.
Além de causar pânico entre os financistas da Europa, tal declaração (inconseqüente, pois retirou três dias depois)rendeu-lhe a queda pelo sistema parlamentarista. Em seu lugar, foi colocado o tecnocrata Lucas Papademus, que não recebeu voto de eleitor algum.
No último fim de semana, a multidão também não foi convidada a votar, permanecendo nas ruas. Enquanto enfrentava a polícia, acompanhava 199 congressistas aprovarem o pacotaço contra 74 votos opostos.
Como era de se esperar, as propostas advindas do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão Econômica Européia (CEE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) traziam consigo a chantagem institucional. Se o Parlamento aprovasse o pacote recessivo, o Estado grego receberia mais uma parcela de “ajuda”.
Em troca, tem de reduzir o salário mínimo em 22%, sendo o corte de 32% para os jovens com menos de 25 anos, além de eliminar mais de 150.000 postos de trabalho no serviço público. E esta “ajuda” do BCE/FMI/CEE será alocada justamente na renegociação da dívida grega com os mesmos bancos causadores da bolha que resultara na “crise” de 2008.
Como o “auxílio” vem em lotes, a cada dois ou três meses o país entra em convulsão, pois uma parcela de direitos adquiridos é cortada mediante a aprovação dos representantes políticos. Este é o sétimo lote do plano, dessa vez com 8 bilhões vindo do trio de instituições que hoje é o governo de fato da Europa.
A tragédia se dá diante dos discursos. Papandreu, líder do PASOK (ex-social democratas, similar ao PSOE espanhol) se elegeu no voto de protesto contra a direita, pegando carona no discurso da insurreição popular de 2008. Dois anos depois cai por blefar um apelo para a democracia direta na terra que a inventou.
Se a população fosse convocada a decidir, teria sobre os ombros toda a responsabilidade política, sabendo que não seguir as regras da Europa implica em sair da zona euro e dar um calote na dívida.
Este artigo foi originalmente publicado no blog do jornalista Ricardo Noblat.
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