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A política como teatro de representações de interesses


A teatralização da política representativa faz do político profissional um ator, e do eleitorado, um enredo para bonecos de marionetes

Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé, 3ª, 11 de julho de 2006

Terminada a Copa do Mundo, começa a corrida eleitoral. O país vai assistir ao mesmo espetáculo, uma campanha cujo protagonista também se comporta como ator. Não por acaso, o político profissional, nascido da mescla da estrutura de representação com a gerência do Estado como ente público, torna-se cada vez mais um intérprete. Senão da vontade, das intenções de expressão dos vários segmentos do eleitorado. Nossa democracia de quase 130 milhões seria, portanto, uma das maiores casas de espetáculo do mundo.

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Quando o Ocidente inventou a democracia como “mando do povo”, o demos (povo-cidadão), tinha não somente o direito, mas o dever de se manifestar. Todos os cidadãos com direitos assegurados somente assumiam sua cidadania plena ao se manifestarem na Ágora grega. Óbvio que esta democracia, em escala ampliada, tem de assumir formas de mediação. Mas em essência, a obrigatoriedade de se manifestar difere, e muito, de dois aspectos centrais da democracia brasileira. A primeira é a pasmaceira entre pleitos. O povo, convidado a se manifestar, também é indicado a retirar-se de cena após o término da eleição. E, durante a corrida, vive-se um outro aspecto, o de euforia.

No ano de 2005 o Brasil assistiu estupefato aos maiores escândalos recentes executados pela classe política brasileira. Acontecesse o mesmo em outros países latino-americanos, e cairiam todos. Congresso, governo, ministério, se veria abalada a composição de classes e, por vezes, em cheque o próprio sistema político. Mas, dentro da perspectiva “melhorista”, identificada por nós no artigo da semana passada, moveram-se algumas peças, mas não se alterou a correlação de forças no Congresso. Dentro de 3 meses estaremos reelegendo o Congresso Nacional. Casa esta, que se renova em quase 50% a cada legislatura. Fica a pergunta:

- “ Se os atores se renovam, porque o enredo do baixo clero sempre se repete?!”

Uma das causas é o próprio teatro da campanha, onde aparecem atores carregando bebês de colo, tomando cerveja em copo de geléia, demonstrando profundo interesse por rachões de várzea, assistindo atentamente um sem número de festejos entre panelas de arroz e um pouco de carne picada. Enquanto a população perde sua capacidade de auto-representação, ao ver-se mobilizada para atuar tanto como figurante como platéia destes espetáculos, a política perde sua capacidade decisória.

Explicando. Com o avanço das restaurações neoliberais, e no caso latino-americano, após a promulgação de medidas estruturais vinculadas ao que se convencionou chamar de Consenso de Washington, pouco a pouco a política com P maiúsculo vem sendo duplamente colonizada. No campo das representações, a Política se vê tragada pela “política”, cujas razões de Estado sempre acabam perdendo para razões de governo. E, por sua vez, as razões de governo também perdem para razões de mandato. Na outra ponta da corda, a Política vem sofrendo, como saber e síntese resolutiva de uma sociedade, a colonização da “economia”. Mas, sejamos honestos intelectualmente, esta “economia” tem muito pouco de Economia. É um arranjo de jargões e siglas, que ganham carga simbólica como suposto saber científico, e quando muito se trata de uma coletânea de capacidades gerenciais.

A miscelânea gerencial, por sinal abundante nas livrarias de aeroportos brasileiros, disputando palmo a palmo os espaços das estantes com livros de auto-ajuda, compõe o arsenal de linguagem constrangedor das capacidades discursivas da Política. Ou seja, traduzindo, o enquadramento econômico de “responsabilidade fiscal”, assegurando o lucro dos bancos, mantendo a jogatina financeira, a sobre-taxação para rolagem da dívida, os benefícios escancarados a grandes grupos econômicos transnacionais e brasileiros, todas estas pré-medidas, garantem que pouco ou nada será feito para quebrar o próprio modelo “melhorista”.

Garantidos os recursos às classes dominantes, oligarquias regionais, elites dirigentes controladoras dos capitais que operam no Brasil, repartidas as maiores fatias do botim impositivo, sobra para os eleitores a disputa pela representação. Esta, por sinal, não é do povo organizado em grupos de interesses, mas sim de atores individuais ou consorciados em legendas pouco ou nada programáticas, e dotadas de máquinas de campanha muito superiores aos mais importantes movimentos populares do país. Basta para isso, compararmos o orçamento de um forte sindicato nacional e de um gabinete de deputado federal. Para piorar, a carreira política acena para a militância o caminho do corredor acarpetado e não mais o chão de fábrica ou das ruas de barro. Quando a representação política alcança o povo, é como moeda de troca.

Vivemos um momento grave no que diz respeito à capacidade de representação da democracia brasileira. Os governos estaduais, condicionados pela “guerra fiscal” e na falta de capacidade de investimento do próprio Estado, recorrem cada vez mais à Brasília e ao caixa do Governo Central. Na busca destas saídas, a primeira contra-medida dos poderes de fato, é restringirem ainda mais a capacidade resolutiva da Política. Ou seja, se garante o direito de voto, mas se condiciona sua capacidade de execução. Isto, somado a falta de políticas públicas universais, eleva o hiato de representação.

Resumindo o problema, respondemos a questão com uma pergunta de fundo:

- “Quem representa os jovens que vivem nas periferias de São Paulo e sua Região Metropolitana e tem como destino manifesto o desemprego, o sub-emprego, a assistência em projetos passageiros ou o crime?”

Considerando que a situação vivida em São Paulo difere, mas não muito, das mazelas vivenciadas em todos os aglomerados urbanos do Brasil, podemos imaginar o tamanho do abismo. Não se trata de fazer terra arrasada do mecanismo democrático, muito pelo contrário. Boas e justas medidas podem ser tomadas a partir de estados e municípios. Mas, há que se considerar, a salvação da democracia brasileira está na publicização dos recursos de Estado. E, que este mesmo Estado, pare de servir de caixa para os grandes capitais, ao mesmo tempo, que financia o estelionato eleitoral, bancando a auto-regulação das elites conformadoras de uma mentalidade de classe política.

Algumas medidas poderiam ter sido tomadas, tanto no último governo e legislatura, como com os mandatários anteriores. Visto que a ocupação de postos-chave impede o avanço da defesa dos interesses de classe e povo, outros caminhos devem ser tentados. A partir deste artigo, nos dedicaremos até o final da corrida eleitoral, a debater e demonstrar saídas e alternativas para este lapso democrático. Isto, tanto no Rio Grande, outrora farto e rico e hoje uma economia estagnada, como no cenário nacional. Nas linhas traçadas hoje, uma reflexão nos pareceu o bastante.

Como vamos iniciar um debate de fôlego, queremos aqui marcar uma assertiva, uma premissa conceitual. Ou seja, fazer o que a sinceridade intelectual nos obriga, dizer o ponto de partida de nossos argumentos. Para nós, a Política tem a capacidade da síntese, de resolução, de execução das vontades e interesses das maiorias. É no nível político, e não em qualquer outro subterfúgio da baboseira neoliberal, que pode ser salva ou destruída a idéia e a existência da nação. Como afirmou Clausevitz, a guerra é a política por outros meios. E, em alto nível decisório, não há distinção entre Política e Economia. É no nível político onde se materializa tanto o interesse material como a motivação ideológica.

As idéias ganham materialidade como Política de exercício de vontades e possibilidades. É esta a capacidade soberana que o povo tem. E tamanho potencial, sempre será mais forte do que o proselitismo clientelista de um ator profissional em cima de um palanque, ou de um tecnocrata defensor de interesses privados e com cargo de ministro de Estado.

No exercício desta capacidade, o povo e a classe podem redescobrir sua própria força. Força esta, muito superior aos discursos pré-moldados, por mais que sejamos treinados para não acreditar naquilo que nossos olhos estão vendo.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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