Qualquer reforma política tem de levar em conta esse padrão de conduta e propor mecanismos que o evitem. Caso contrário, não passará apenas de uma maquiagem. Proponho um debate conceitual e preventivo. Várias das regras protetoras dos políticos profissionais precisam ser mudadas. Não tratamos aqui da exceção, mas sim da norma. Todo brasileiro que acompanha a política sabe que o tema é recorrente.
É fato indiscutível, Calheiros, assim como vários outros, tem patrimônio muito acima de seus rendimentos. Para aumentar o problema, parte de suas despesas pessoais são pagas com dinheiro de empresas. Segundo o noticiário, Renan Calheiros ou Joaquim Roriz não são os únicos em complicações de ordem judicial. Por ironia deste enredo, o presidente do Conselho de Ética da Câmara Alta, o senador pelo Tocantins Leomar Quintanilha (PMDB-TO) também tem muito a explicar. O Ministério Público Federal (MPF) o acusa de receber propina em troca de emendas ao Orçamento. Outro caso repetido e reincidente no Senado.
Nós cansamos de repetir que boa parte das candidaturas parlamentares são consórcios político-econômico-eleitorais. O candidato, como político, torna-se produto. O indicador de produtividade está nos votos eletrônicos contabilizados na urna. Se eleito, o retorno no investimento de risco se dá na forma de emendas ao orçamento. Uma idéia simples inibiria isso. Diminuir a margem das emendas individuais, repartindo impostos com os estados e municípios, aumentando o volume de recursos sob controle direto da participação popular. Conceitualmente, chama-se federalismo fiscal, e pode acabar com boa parte do botim ao orçamento.
Outra idéia simples tratando de bens e patrimônio particular. Todo homem público deveria ter quebrado seu sigilo fiscal e bancário. Ao entrar na disputa eleitoral ou quando indicado para um cargo de confiança em alguns dos poderes, sua trajetória econômica passaria a ser aberta. No caso dos parlamentares, uma boa equipe de técnicos da Receita Federal resolve qualquer equação de incompatibilidade entre propriedades e rendimentos. Esse é o tipo de despesa que pode ser vista como investimento na "limpeza da imagem da instituição".
Falando em limpar o nome, um dos problemas de fundo é a sensação de impunidade que deixa na população. É verdade, muita injustiça se comete, jogando lama sobre homens em mulheres a princípio inocentes. Isto ocorre porque os políticos acabam sendo julgados no noticiário e não nos tribunais. Outra medida simples resolveria. Supondo que um político esteja sendo acusado pelo Ministério Público de malversação de verbas. O mais lógico seria o afastamento, imediato, uma vez que o MP tenha realizado a denúncia. Então, de posse plena do direito de ampla defesa, o parlamentar ou membro do Executivo teria tempo de se defender. Caso absolvido, a instituição investigadora viria a público reconhecendo o equívoco.
Ainda no tema do desvio de verbas, caso a acusação seja por crime comum, o Foro Especial é um instrumento absurdo. A cidadania compreende igualdade de direitos e deveres. Portanto, a opinião pública tem de ver uma pessoa imbuída de autoridade sendo julgada como cidadão. Esta é mais uma pré-condição para qualquer idéia de reforma política. Do contrário, não adianta mudar a regra de competição se não houver inibição do comportamento desviante.
Os argumentos do artigo são simples e propõem uma reflexão. A reforma política com todas suas variáveis não escapa de uma lógica. Inclui uma série de regras para fortalecer os partidos políticos e as instituições da democracia representativa. Entendo que estas regras de concorrência precisam de outras, de tipo preventivo, como as expostas no texto. Estreitando as margens de manobras dos atores individuais e seus consórcios, universalizando a punição e aumentando a capacidade decisória da cidadania sobre o representante.
Que o presente escândalo no Senado sirva de lição. Para escapar da crise de legitimidade, é preciso aumentar, e muito, o controle dos representantes pelos representados.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat