Segundo ele, "o Brasil que emergiu na luta contra o aumento das passagens e a vitória pontual em algumas importantes cidades não se identifica com o jogo da eleição indireta e pode voltar a se apresentar na arena política em 2015. Dilmaterá momentos difíceis até pela delicada situação da CPI da Petrobras e as manobras político-midiáticas verificadas neste ano. Entendo que poderemos ter um ano ímpar – logo, não eleitoral – bastante intenso e com espaço para aglutinação das forças de esquerda, tanto as eleitorais como as de tipo libertário, para aumentar o espaço de incidência real na base da sociedade brasileira".
Bruno Lima Rocha possui graduação em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e mestrado e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente, leciona nos cursos de Relações Internacionais, Ciência Política e Jornalismo na Unifin, naESPM-Sul e na Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como avalia o resultado do segundo turno das eleições, com a disputa tão apertada? É possível identificar a causa de o país estar dividido?
Bruno Lima Rocha - Sim, entendo que as causas desta divisão são perceptíveis. O Brasil promoveu a mobilidade social, e esta camada ascendente (da pobreza para a classe média) não traz consigo valores de câmbio e muito menos de identificação popular. Uma das formas clássicas de domínio é a reprodução de valores e identificações da camada superior da sociedade como sendo um valor universal.
O país se divide na reprodução de valores com certa ideologia da superação, do valor-mercado, contra a intervenção e promoção do Estado na economia e na organização social. Só conseguimos entender a rejeição ao PT se compreendermos a condição dependente e alinhada ao Ocidente das elites brasileiras, em especial do andar de cima de São Paulo.
O conflito se dá porque há um medo desta elite em operar uma espécie de “venezualização” do Brasil. Isso é absurdo em termos de possibilidade, mas as ideias são concretas para os que as recebem e reproduzem. Esta mesma elite se serve do Estado e, através desta intervenção, é possível a expansão do capitalismo no Brasil. Ainda assim a rejeição ao projeto de centro-esquerda é enorme.
IHU On-Line - A que atribui a vitória de Dilma no segundo turno? Em que circunstâncias políticas Dilma foi reeleita? Quem são os eleitores de Dilma?
Bruno Lima Rocha - Dilma ganhou com uma massa de votos no nordeste e venceu com margens razoáveis no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Os eleitores de Dilma, em sua maioria, são os mais identificados com o lulismo e o que restara de esquerda no apelo do PT.
Posso afirmar que Dilma venceu na comparação dos governos do lulismo diante da Era FHC; ganhou na autoestima dos brasileiros (identificação das camadas populares); no cálculo racional da real possibilidade de piora das condições materiais de vida; e, por fim, na rejeição a Aécio Neves e ao personagem que, vindo da oligarquia mineira, promoveria um “novo” país com as velhas elites de sempre.
O Armínio Fraga ajudou na eleição de Dilma também.
IHU On-Line - Como explicar a reeleição um ano depois de o país sair para as ruas com as manifestações, e com tantas críticas feitas ao governo por conta dos gastos da Copa, da construção de hidrelétricas, da parceria do Estado com as empreiteiras, da agenda ambiental, do leilão dos poços de petróleo, do péssimo desempenho da economia, da política indigenista?
Bruno Lima Rocha - O país que foi aos protestos não se identifica com a crítica feita pela direita ao governo. Na Espanha ocorreu o mesmo. O Estado Espanhol viu-se diante do movimento dos indignados e nas eleições posteriores acabou elegendo o PP (direita política), como um voto de castigo ao PSOE (social-democrata e que impôs o pensionazo e retirada de direitos dos assalariados).
Entendo que os brasileiros que aderiram aos protestos se engajariam mais em campanhas de tipo democracia direta, definindo de forma plebiscitária a temas estruturais da sociedade brasileira e não aderindo ao candidato A, B ou C, ainda mais se levarmos em conta que a esquerda eleitoral é diminuta no país.
Lembro que no primeiro turno a segunda colocação não foi de Aécio, e sim a soma de nulos, brancos ou abstenções. Não podemos confundir as manifestações e protestos de 2013 com a tentativa de sequestro da pauta, operada tanto pela direita como pela direita midiática, fato que ocorrera e hoje é um consenso para quem estuda o tema. Seria impensável supor que aqueles e aquelas que lutaram contra o aumento das passagens elegessem um tucano como voto de castigo ao PT e o abandono da esquerda.
IHU On-Line - Como avalia os votos de Aécio em Minas Gerais? A que atribui o fato de ele ter perdido no seu estado base?
Bruno Lima Rocha - Pimenta da Veiga foi uma péssima escolha do PSDB mineiro. Em compensação, o ex-governador tucano Antônio Anastasia foi eleito para o Senado. E, ao mesmo tempo, Fernando Pimentel (PT) foi eleito no primeiro turno. Só posso inferir que não há a mesma rejeição dos eleitores tucanos e petistas em Minas e, também, que há certa rejeição do legado do PSDB em Minas.
IHU On-Line - Qual é o papel de Lula e do lulismo nessa reeleição?
Bruno Lima Rocha - Lula foi o grande cabo eleitoral de Dilma neste pleito e isso pode ser posto, em parte, na conta dolulismo. Só o lulismo, que segundo uma definição mínima seria o pacto conservador com reformas sociais graduais, já não foi o bastante para derrotar os neoliberais. Logo, Lula como cabo eleitoral entrou em cena, mas vinculando e mobilizando a máquina e a militância (mesmo que sazonal) do PT.
O lulismo gera a identificação e, ao mesmo tempo, aumenta o medo da perda dos direitos e condições materiais de vida adquiridas. Foi este lulismo pulverizado que garantiu a vitória da herdeira política de Lula.
IHU On-Line - Qual o significado da reeleição de Dilma para a esquerda e para a ex-esquerda?
Bruno Lima Rocha - Para a ex-esquerda, ou seja, o próprio PT e o que lhe resta de aliados, como PC do B e o possível racha do PSB, foi a sua salvaguarda. O PT hoje é um partido que tem muita dificuldade em existir fora da máquina pública e ganha o fôlego necessário para, caso consiga a coesão necessária, promover ou tentar impulsionar a reforma política.
Já para a esquerda por um lado é um alívio, pois não fica na conta de junho de 2013 a quase derrota do lulismo para os neoliberais. E, por outro, é uma urgência, pois implica que a esquerda – eleitoral e não-eleitoral – precisa encontrar formas de operar nas políticas da sociedade brasileira. Daí a urgência da reforma política, desde que este projeto tenha elementos de democracia direta.
IHU On-Line - Qual deve ser a agenda do movimento popular no Brasil daqui para frente?
Bruno Lima Rocha - A que eu citei acima vale para os movimentos populares. É preciso remontar uma central sindical combativa, totalmente distante dos postos e cargos no governo federal. O mesmo vale para demais setores do movimento popular; os convênios e o trânsito entre militantes e quadros de governo contaminaram a condição de luta dos movimentos. O movimento popular deveria montar uma instância de coordenação e garantir uma pauta de emergência para não deixar a direita – que também é governo – tomar sozinha a dianteira da política nacional. Uma bandeira urgente é não permitir que o Congresso possa definir terras indígenas e quilombolas.
IHU On-Line - Qual será a repercussão e o impacto da eleição presidencial na América Latina? Qual é a influência do resultado para a esquerda latino-americana?
Bruno Lima Rocha - São dois temas distintos. O projeto de poder do lulismo implica em acertadas relações diplomáticas, dando ênfase ao Mercosul, para as relações Sul-Sul e a projeção estratégica do Brasil na África. Assim, a vitória da situação no Brasil favorece os países do Continente e enfraquece a projeção dos EUA para a América Latina através da Aliança do Pacífico.
Já para a esquerda latino-americana pode ser uma miríade. Isto porque o PT é um partido social-democrata e que governa pelo centro e ao lado de oligarquias terríveis. Logo, para a esquerda latino-americana pode apontar como saudável um caminho eleitoral e com gestões não classistas. Pode gerar mais crise e perda de poder de pressão em agrupações políticas mais aguerridas, ainda que eleitorais.
IHU On-Line - O que é possível vislumbrar com mais quatro anos de PT no governo federal, somando 16 anos de governança? O que o PT ainda não fez nos últimos 12 e deve fazer nos próximos 4?
Bruno Lima Rocha - É mais fácil afirmar o que não fará, a exemplo da reforma agrária (que não vai sair) e da reforma urbana, com os 8 milhões de déficits de moradia e que seguramente também não vai sair. O PT vai se voltar para um avanço na infraestrutura do país e aumentar a modalidade das PPPs e concessões.
Como o partido de governo não vai mexer na sangria no orçamento da União, que ocorre através da rolagem da dívida (cerca de 42% dos recursos) e da DRU (outros 20% da receita), dificilmente teremos políticas ainda mais distributivas. Nenhuma grande conquista social virá do Estado, e qualquer pauta que venha a ser conquistada será apesar do governo de coalizão. Como realizações de Estado ainda não realizadas estão as reformas política e tributária.
Os demais temas urgentes e que vêm da base da sociedade, como o fim do fator previdenciário, a regulação do Capítulo 5 da Constituição Federal (da comunicação social), só virão caso a reforma política (se esta ocorrer) trouxer elementos de democracia direta em seu texto final.
IHU On-Line - A que atribui a vitória de Sartori no Rio Grande do Sul? Qual é o significado político desta eleição no RS?
Bruno Lima Rocha - Sartori optou por uma estratégia de campanha onde o antipetismo foi o grande vitorioso. Ao mesmo tempo, conseguiu bloquear o debate político impedindo qualquer racionalidade na comparação entre governos. O PT deixou de ter mais chances de vitória justamente por não ter repactuado a dívida do estado para com a União.
Esta agenda a ser votada em novembro é o exemplo de como a estrutura do país, onde o poder central concentra quase ¾ dos recursos tributários, beneficia o governo federal de turno e subordina os níveis de governo subnacionais, em especial os estados. Sartori revela uma acomodação de forças políticas no estado, a presença do agente econômico estadual – diretamente representado pelo vice José Paulo Cairoli –, o limite do teto do PT no Rio Grande do Sul.
IHU On-Line - Qual é o significado político da reeleição presidencial?
Bruno Lima Rocha - Entendo que houve uma mobilização de tipo voto útil, para que os brasileiros não retrocedessem nas condições materiais de vida. Também implica em maioria apertada e o fortalecimento da oposição neoliberal. Por fim, dá certo fôlego ao lulismo para projetar um governo com marca própria apesar de seu campo de alianças.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Bruno Lima Rocha - Sim, e vai ao encontro de junho de 2013. O Brasil que emergiu na luta contra o aumento das passagens e a vitória pontual em algumas importantes cidades não se identifica com o jogo da eleição indireta e pode voltar a se apresentar na arena política em 2015. Dilma terá momentos difíceis, até pela delicada situação da CPI da Petrobras e as manobras político-midiáticas verificadas neste ano. Entendo que poderemos ter um ano ímpar – logo, não eleitoral – bastante intenso e com espaço para aglutinação das forças de esquerda, tanto as eleitorais como as de tipo libertário, para aumentar o espaço de incidência real na base da sociedade brasileira. E, urgentemente, chamo a atenção para as causas dos povos indígenas e quilombolas e as ameaças evidentes a estes direitos ancestrais com base nas reparações.
Dilma Rousseff ganha em eleição apertada e com a sociedade brasileira polarizada. Parece que finalmente os tucanos têm um líder plausível, Aécio Neves, operando como uma versão de catalisador dos neoliberais no país.