Dando sequência na série, desta vez vemos parte dos efeitos visíveis da lógica rentista no país. Rentistas são os que vivem de renda fixa, de dividendos, de aplicações e não do trabalho direto, mesmo que explorando mais valia sobre a força de trabalho dos demais. No Brasil, o capital financeiro opera por dentro do orçamento do Estado, taxando o valor da riqueza e consumindo o volume de impostos recolhidos pela União.
O governo federal concentra em torno de 66% do bolo impositivo advindo da arrecadação. Dos órgãos em Brasília esta verba é compartilhada através de rubricas e destinações diversas. Neste labirinto kafkaniano que é a peça orçamentária federal, os estados e municípios pouco recebem e quase sempre o envio da verba tem de ser acompanhado de contra partidas e justificações em formato de projetos. Como a maior parte das administrações municipais sequer tem condições de operar um escritório de projetos, isto gera uma economia paralela de serviços, onde operadores terceirizados “aprovam e vendem” projetos tanto para municípios como para rubricas de emendas parlamentares. Ainda assim, o nível básico de governo (os 5564 municípios) vive à míngua e poderia receber mais de o dobro das verbas se não houvesse duas barreiras.
A primeira barreira sangra diretamente ao Tesouro Nacional. Seria simplesmente revolucionário colocar contra a parede o modelo de capitalismo rentista, onde a rolagem da dívida pública consome mais de 42,04% das verbas federais. Na previsão para o ano de 2014, isto implicaria em quase a metade dos 2,383 trilhões a serem gastos (ou investidos) pela União neste ano. Esta dívida torra por dia R$ 4 bilhões de reais, cujo destino principal é o caixa dos compradores de títulos públicos, em sua maioria bancos ou fundos de investimento, incluindo-se os fundos de pensão. Apenas na execução orçamentária de 2014, segundo a Auditoria Cidadão da Dívida, o país torrou mais de R$ 203 billhões, cerca de 65% dos gastos federais até o segundo mês do ano.
A segunda barreira é a famigerada DRU (Desvinculação das Receitas da União), lei esta que regularmente retira recursos da previdência, saúde, educação e infra-estrutura para contingenciamentos; boa parte das vezes esta ocorre a favor dos financistas. A DRU era para ser provisória e foi criada em 1994, alegadamente com o intuito de manter a estabilidade macroeconômica. Vem sendo prorrogada – e geralmente por consenso – no Congresso pelos últimos 20 anos. Com a DRU, o Executivo pode alocar livremente 20% do orçamento anual, esvaziando a capacidade de investimento do país, que não passa de irrisórios 18% ao ano, contra uma média de 25% dos demais membros dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Conclusão. Se tudo o que é sólido desmancha no ar, é porque na economia real, alguém faz a riqueza evaporar e tornar-se um dígito, resgatável, em algum paraíso fiscal. Através do cassino financeiro, se regulariza – por dentro e com rubrica - o espólio sobre o trabalho coletivo.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais
(www.estrategiaeanalise.com.br / blimarocha@gmail.com)