Bruno Lima Rocha
O presidente da União Européia e mandatário francês Nicolas Sarkozy se dirigiu à Camp David, no fim de semana de 18 e 19 de outubro. Acompanhava o aristocrata da terra de Jean-Marie Le Pen o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso. A Europa outra vez mais se encaminha de pires na mão pedindo razoabilidade à demência Neo Com encabeçada pelo filho do ex-presidente, sucessor de Reagan e que nos anos 1970 fora diretor-geral da CIA.
A meta dos dirigentes europeus é abrir a cancha e fazer uma multilateralidade “responsável”, incluindo aos países do G-5: Brasil, México, China, Índia e África do Sul. Os Estados dos BRICs, somados com a nação tolteca do presidente Felipe Calderón – o amigo de Bush Jr que tal como o texano ganhou fraudando - se somariam, segundo a proposta da Comunidade Européia, ao G-8, composto por: EUA, Canadá, Alemanha, Itália, França, Reino Unido, Japão e Rússia. A meta seria buscar uma forma de prevenção da jogatina financeira. Um marco de concertação tipo Bretton Woods, acórdão rasgado pelo inspirador da atual administração rumo a perder a vaga e a eleição. E, 1971, o presidente derrotado por Kennedy e pela operação mal feita de seus auxiliares, Richard Nixon mandara Bretton Woods para o esgoto cloacal e o mundo se ajoelhara diante do dólar.
Até o final de novembro, o planeta verá uma cúpula pública na tentativa de acomodar o temor de recessão e possível depressão européia, aos tubarões e corsários de Wall Street que já condicionaram as posições do democrata Barack Obama e do republicano John Keating 5 MacCain. No momento em que o inimigo de classe dos líderes mundiais, o outro lado, o condicionamento social pela força dos sindicatos, inexiste ou está sub-representado, o capitalismo como ele é se vê diante do abismo permanente.
Percebam o paradoxo. Quando havia bi-polaridade ou três posições, na China rompida com a União Soviética, a força do movimento popular-sindical e dos partidos de esquerda do Ocidente forçaram a Concertação de Classe Dominante a regular a ganância dos animais econômicos inspirados pelo absurdo.
Entendam. O mercado auto regulado é um mito construído. A cada liberação de fluxo de bens simbólicos, capital financeiro e bens de consumo, aumenta a presença do co-governo das transnacionais e o Estado fica mais a serviço destes macro-operadores. A fixação de juros variáveis é outra demência. A irracionalidade não é uma frase de efeito criada pelo ex-presidente do Federal Reserve (Fed, Banco Central dos EUA) Alan Greenspan. A “exuberância irracional” é o pressuposto da coisa toda:
“...hipóteses realmente importantes e significativas possuem ‘pressupostos’ que são representações descritivas tremendamente imprecisas da realidade e, de modo geral, quanto mais significativa for a teoria, mais irrealistas serão os pressupostos(nesse sentido). Para ser importante [...] uma hipótese deve ser descritivamente falsa em seus pressupostos”. O autor desta pérola do pensamento neoliberal é ninguém menos que o economista pai da Escola de Chicago, o sr. Milton Friedman, padrinho intelectual dos Chicago Boys que devastaram as estruturas sociais-produtivas conquistadas a duras penas pelos trabalhadores latino-americanos. O que Friedman fala é balizador para a justificativa e inspiração ideológica dos economistas e operadores em defesa da barbárie tecno-financeira.
O delírio em forma de mentira sistemática é a posição da elite política dos EUA e dos corsários do sistema bancário e financeiro do mundo. Não regular o capital que flutua tem como conseqüência a medida de 1999, implementada por Bill Clinton referendando a posição de seus assessores econômicos. Quem liberou os juros para a autoregulação dos Bancos de Investimento foi a dupla Clinton-Greenspan. A farra dos malandros das hipotecas podres durou 8 anos. O companheiro João Pedro Casarotto, contador e fiscal de tributos aposentado e dirigente reeleito do Sindicato de Fiscais de Tributos do Rio Grande do Sul (sintaf-rs) apresentou numa aula em curso que dou na Unisinos, sua pesquisa do trambique do sub-prime. A mola mestra da bolha foi a “alavancagem” dos títulos derivativos. O tamanho da coisa é absurdo.
Comparemos. Nas regras do Banco Central do Brasil, comandado pelo presidente do BankBoston Henrique Meirelles, o máximo de alavancagem que um banco comercial pode ter é de 4.7 vezes o seu patrimônio líquido. Nas regras dos EUA, os mesmos bancos comerciais podem ter na praça e em títulos e créditos, até 11.8 vezes o seu próprio patrimônio líquido. Na liberação dos juros e dos critérios “auto regulados pelo mercado financeiro”, liberação esta feita em 1999, as financiadoras de hipotecas que faliram, as gigantes Fannie Mãe e Freddie Mac tinham 64.3 vezes o seu patrimônio líquido em carteiras de títulos podres!
Em toda profissão e ofício é impossível admitir mais que 10% de erro médio. Imaginemos um condutor de trem que faz 40 viagens metropolitanas por mês. Se ele errar 10%, teremos no mínimo 4 acidentes ferroviários mensais. Vamos supor que o erro ocorra na aviação comercial. Que 10% dos vôos originários de um aeroporto com grande fluxo resultassem em acidente. Simplesmente todas as companhias aéreas daquele país iriam à falência. Retomo o argumento central:
- Como podem os maiores operadores financeiros do mundo, incluindo bancos de investimento, financiadoras de hipotecas, gigantes do mundo dos seguros, uma boa parte dos bancos comerciais e as maiores corretoras de valores do planeta “errarem” mais que 10% de seus investimentos ao longo de oito anos consecutivos? Simplesmente não pode ser levado em conta o argumento. Esta bolha foi fabricada pela ação de especuladores e na certeza de que o Estado teria de intervir porque não existe capitalismo sem liquidez do sistema bancário.
Casarotto nos apresenta a denominação dos títulos da “sub-prime”: bônus hipotecário lixo; títulos hipotecários sub-prime; resíduos tóxicos (toxic waste); empréstimos Ninja – sem renda, emprego ou posses (No Income, No Job or Asset). O “estouro” da bolha foi simplesmente devido ao aumento da taxa básica de juros – não a de “livre fluxo” – mas a determinada pelo Fed. Ou seja, não tem livre flutuação nenhuma, tudo não passava de uma aposta. O Banco Central yankee aumentou de 1% para 5,25% - pouco comparada com a taxa real de 13,66% ao ano fixada pelo governo do Copom no Brasil dos banqueiros – e com isso surge a inadimplência do Prime (dos hipotecados que podiam pagar). A inflação da potência militar comandada por Dick Cheney, porta-voz de empresas como a Halliburton e a Blackwater tem como origem o gasto público descomunal para financiar o esforço de guerra e honrar os contratos do Estado com as corporações privadas. Quando a inadimplência começa a atingir os devedores do sub-prime – tomadores estes que estavam desde o começo na base de uma pirâmide insana – os elos da corrente financeira começam a quebrar.
O volume do dano pode ser apurado pelo capital injetado através dos Estados – fruto da riqueza gerada pelos contribuintes – para sanear e dar liquidez (pôr dinheiro que possam honrar as transações feitas ou pré-acordadas) no caixa da jogatina. O sinal de alerta foi dado não pela ESTATIZAÇÃO da Fannie Mãe ou da Freddie Mac, mas sim quando as seguradoras declararam que não poderiam cobrir os danos. A maior seguradora dos EUA, a AIG, foi simplesmente ESTATIZADA à moda do “keynesianismo financeiro”. A lista de “auxílio” é igualmente absurda e nela está toda a Banca implicada na jogatina.
Só dos EUA, além das fraudadoras de hipoteca já citadas, estavam por quebrar Goldman Sachs; Lehman Brothers; Wells Fargo; Citigroup; Bank of America/Merrill Lynch/Bank Boston; Morgan Stanley; Bank of New York Mellon e o State Street. A American International Group (AIG) é a ponta do problema do ramo das seguradoras. Para termos idéia do tamanho da estafa e do absurdo da premissa universal de “racionalidade dos indivíduos que visam maximizar ganhos e minimizar perdas” vejamos os valores postos para cobrir os rombos. É por isso que o Congresso liberou US$ 700 bilhões de dólares, somados aos US$ 150 bilhões já gastos antes
A Comunidade Européia já torrou mais de 1,08 trilhão de euros, o que equivale a US$ 1,47 trilhão: Alemanha (500 bilhões de euros); França (360 bilhões); Espanha (100 bilhões de euros); Áustria (100 bilhões de euros) e Portugal (20 bilhões). A Inglaterra seguiu o procedimento da Irlanda e entrou com 50 bilhões de libras, destinados a cobrir o buraco do Royal Bank of Scotland (RBS), Halifaz Bank of Soctland (HBOS) e Lloyds TSB. O esquema de “liquidez imediata e ligeira” promovido pelo Banco da Inglaterra inclui outros 200 bilhões de libras. A herança maldita do pensamento de Thatcher deixou as hienas da City londrina mais famintas do que nunca. Agora que a falsa terceira posição que pague a conta. Até a Suíça entrou com dinheiro, auxiliando os dois maiores bancos de lá, o UBS e o Credit Suisse. No UBS injetarão US$ 5,23 bilhões de dólares.
Na Ásia, atingida pela quebra de Soros e do Baring’s em 1998-1999 e 2000, o crime com o dinheiro do alheio também foi grande. O absurdo continua na Coréia do Sul (com US$ 30 bilhões nos bancos locais), na ajuda do governo russo e na quebradeira de mais de 15 mil fábricas de têxteis e brinquedos na China. Este fechamento se deu no Delta do Rio Pérola, território econômico onde concentra um terço das exportações do país de Deng Xiao Ping. O Estado confucionista, visto como a redenção do capitalismo selvagem, responde por 5% do PIB mundial e definitivamente não tem como escorar o crédito produtivo do mundo nas suas costas. Talvez não escore nem a sua própria produção visando à exportação depredatória baseada no trabalho escravo e na desorganização da classe trabalhadora. Do total das fábricas de brinquedos, durante o ano das Olimpíadas de Beijing (este mesmo ano da graça de 2008), fecharam 3.631, 52% do total. Considerando que na China não tem seguro desemprego nem previdência social, a tendência é aumentar a pobreza nos subúrbios e fortalecer o nexo-político-criminal das máfias locais.
A tentativa dos líderes europeus de contra balançar um pouco do peso da insanidade e de frear a roubalheira faz sentido. Dentro de sua “comunidade” eles já têm problemas demais, a exemplo dos gerados por operadores macro-criminais como Silvio Berlusconi - o Crocodilo da Itália, o homem que concorreu para 1º ministro para não ser julgado por crimes fiscais – e o professor de ciência política neoinstitucional, o islandês Hannes Gissurarson, um dos autores da proeza de quebrar um país ao ponto de levá-lo à insolvência. O intento dos líderes europeus é uma tentativa de se precaver perante a retomada da organização social não aderente à sociedade de consumo de bens culturais em abundância. Querem manter a idéia hegemônica de pós-modernidade e a preocupação pós-material. Faz 30 anos o sul do Velho Continente se deparou com desafios reais e processos de câmbio que batiam à sua porta. As elites políticas e os CEOs das transnacionais européias – herdeiras das Conquistas e da Invasão da América como a Telefónica de España e a Suez Company – não vão querer ver o tecido social coalhado de lutas populares regulares ao invés de protestos espontaneístas como se vê na luta anti-globalização.
Nenhum líder político capitalista conseqüente com a estabilidade societária vai querer passar por um sufoco desses novamente. O problema não é a ESQUERDA enfraquecida. A crise se encontra no modelo de acumulação predatória. Já estouraram a bolha das ponto.com em 2000. Após, a farra da bolha imobiliária yankee contaminou o sistema bancário e financeiro de quase todo o planeta. Agora querem trazer as economias emergentes para o baile. As mesmas que quase foram quebradas nos ataques especulativos da virada do século XX. Esta é a dança da morte. Quem for para o baile, cedo ou tarde, terá de arcar com os custos do botim organizado pelos corsários de Wall Street e outras famigeradas companhias.