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Controle e Democracia na Comunicação - 2


O país vive hoje um momento crucial para nossa indústria de comunicação, ainda mais importante do que no momento vivido com o lançamento do logo acima.

Vila Setembrina dos Farrapos de Viamão, Rio Grande do Sul, 2 de maio de 2006

A democracia no Brasil se encontra em plena encruzilhada. De um lado, apenas mais do mesmo, ancorado o controle de nosso espaço público no oligopólio financiado pelo Estado de Direito. No outro, um longo e largo caminho de soberania popular e democrática a ser construída. Sim, estamos falando na tal da digitalização, no padrão a ser implantado no país e na aventura de tentarmos ser livres e auto-suficientes como povo e nação.

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Para chegar a compreender o que está em jogo, cabe um breve recuo histórico. Corria o ano de 1893 e na cidade de São Paulo, um padre gaúcho ganhava fama de bruxo. O Brasil mal engatinhava em sua república de fazendeiros, partidos estaduais e oligarcas. Sua majestade, o café, controlava os rumos de nossa economia. E, eis que mais um brasileiro dá passos precisos para despertar o gigante. Roberto Landell de Moura, padre de gauderiadas nascido na Porto Alegre de 1861, antecipa-se ao italiano Guglielmo Marconi na descoberta e experiência da radiodifusão.

História muito parecida com a de outro brasileiro, homem genial que encantara o mundo com seus inventos. No dia 13 de setembro de 1906, Alberto Santos Dumont realizara seu primeiro vôo bem sucedido do 14 Bis. A população de Paris, maravilhada, assistiu o feito. O Estado brasileiro, doa uma casa para o inventor, mas não criou nenhuma indústria aeronáutica nos seguintes 50 anos.

O mesmo se sucedeu em 1893, quando Landell de Moura transmitiu sinais e sons musicais por 8 quilômetros. Transmitiu da Avenida Paulista e o sinal alcançou o Alto de Santana. Os estudos comprovam, ele inventou o tríodo, ou seja, a válvula de três pólos. Com o invento, tornava-se possível modular uma corrente elétrica e transmiti-la, sem fios, a longas distâncias. Como prêmio, nem uma casa o Padre Roberto recebeu, somente a incompreensão de seus conterrâneos, a fama de bruxo e de amigo do demônio.

Os interesses nacionais, bem, estes foram mal, como sempre. A primeira transmissão radiofônica oficial foi em 1922 e a pioneira emissora somente em 1923. Entre o invento de Roberto Landell de Moura e a inovação de Edgar Roquette Pinto e sua Rádio Sociedade o país levou 30 anos. Antes porém, a invenção do gaúcho Roberto assim como a do mineiro Alberto, já havia sido usada por outros países. Potências da época, dentre elas a Inglaterra, por sinal credora do Brasil. Mas, o atraso do Estado em identificar objetivos estratégicos antes do benefício para as oligarquias é algo sistêmico. Com a digitalização, a tragédia ocorrida com Santos Dumont e Landell de Moura se repetem.

No Brasil da primeira década do século XXI, o pioneirismo e a capacidade de criação do 4º setor nacional continua firme e com pouco ou nenhum suporte. O caminho brasileiro rumo à irreversível digitalização vem sendo marcado de lutas de gabinete, pressões de lobbies patronais de um lado e entidades nacionais representativas dos vários setores do movimento pela democracia na comunicação de outro. O braço científico desta luta, de inovação e auto-suficiência tecnológica, custou quase nada aos cofres públicos.

Ao longo de 10 meses do ano de 2005, 22 consórcios nacionais, envolvendo universidades, institutos, fundações e órgãos públicos de pesquisa tecnológica, desenvolveram as bases do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). Nele trabalharam 1.000 pesquisadores e contaram com o investimento de R$ 50 milhões de reais. Ou seja, aos custos de R$ 5 milhões por mês, R$ 50.000 reais por pesquisador e pouco menos de 2 milhões e meio por consórcio o Brasil atinge a capacidade de gerar seu próprio Sistema de TV digital.

Isto significaria um trunfo nacional, a ser comemorado como vitória na campanha assim como a auto-suficiência em petróleo. Mas, a diferença com o ouro negro, é que desta vez estes consórcios feriram os interesses dos produtores de imagens, bens simbólicos e identidades no Brasil. Por isso, o ministro das comunicações e representante destes interesses no Estado nacional parte para assinar o pré-acordo com os japoneses. Tecnologia nacional, desenvolvimento técnico-científico em área sensível, domínio da cadeia dos semicondutores e até a capacidade de geração de ativos e produtos de exportação estão em segundo lugar.

O estratégico para Hélio Costa e seus pares, é garantir o oligopólio das comunicações financiado, através do botim impositivo, com os recursos que sobram da jogatina dos juros. Resta saber: “estratégico para quem cara pálida?!”

Se entrarmos no tema do sistema de rádio digital então, aí sim está feia a coisa. Além de não contar com nenhuma pesquisa financiada, o ambiente é de abertura de fronteiras. O ministério das Comunicações liberou em setembro último uma licença provisória para algumas emissoras de rádio AM operarem de forma “experimental” um sistema americano que comporta o digital e o analógico. O problema não é esse, mas de custos, de ausência de regulamentação e falta de espaço nos dials do país. Não por coincidência, a licença já acabou e as cadeias de rádio, filiais do oligopólio, ampliaram os testes também para FM. Aplicam o sistema dos EUA, conhecido como Iboc. Apenas para termos uma idéia de custos e exclusão, neste padrão, os investimentos com estúdio e transmissão são da ordem de US$ 75 mil dólares. Para piorar, ainda teremos de pagar royalties para os estadunidenses.

O problema está além do não-aproveitamento do SBTVD desenvolvido pelos consórcios técnico-científicos e também adaptável para o rádio digital. Como a nova tecnologia não está regulamentada, ao lado do oligopólio está outro tubarão das comunicações, as operadoras de telefonia. Particularmente tive a chance de estudar o processo do leilão do Sistema Telebrás quando escrevi o livro “O grampo do BNDES”. Estudando de perto, observei qual é o modus operandi das empresas do setor. Para os mais bem informados, basta acompanhar as operações de Daniel Dantas, Carla Cicco e a Kroll para se inteirarem do problema que o país está metido. Sem a regulamentação prévia, estas transnacionais entrarão na mídia brasileira digital, vão gerar conteúdo, abocanhar fatias enormes de mercado e talvez até nos façam sentir um pouco de falta do Jornal Nacional.

Pouco a pouco, de forma lateral e sempre com matérias positivas e entusiasmadas, vamos nos acostumando a entender a TV digital e comemorar a alta definição. O problema não está aí, mas sim na exclusão de outras potencialidades. Dentre os padrões mundiais de digitalização, com certeza teríamos mais uma forma de competir gerando o nosso próprio. Recursos para isso existem, e podem ser verificados nas propagandas oficiais do governo da União ao longo da grade de programação das grandes redes. Apenas para dar um exemplo de sua genialidade, o padrão brasileiro prevê dois conversores diferentes. Um de baixo custo e outro de alta definição. Com este pequeno aparelho, que hoje com os investimentos necessários custaria em torno de R$ 200 reais, cada televisor se converteria em um computador. O padrão nacional também prevê um maior espectro, o que significa multicanalização. Ou seja, mais canais e possibilidades múltiplas de interação, transmissão, geração de identidades, regionalidades resgatadas, história re-escritas.

A pressão do setor de mídia, especificamente daqueles que lutam pela democracia na comunicação, resultou na Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital. Somando-se neste embate, mais de 2.500 rádios comunitárias já outorgadas e outras 2.000 ainda em luta pela licença de funcionamento. De outro, bem, aí estão os mais de 130 parlamentares na Frente da Radiodifusão, o poderoso lobby das duas associações patronais (Abert e Abra), o próprio ministro Hélio Costa. Correndo por fora, os grandes corsários da telefonia transnacional.

Não está em jogo o fato de vermos os gols da seleção com ou sem fantasma na tela. Está em jogo sabermos, se o país, mais uma vez manterá seus oligopólios deitados em berço esplêndido. Ou então, teremos finalmente o espaço público necessário para criarmos uma das novas bases da participação popular direta, a comunicação democrática.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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