A norma obriga a repetição das alianças estaduais aos moldes da chapa majoritária para presidente e vice. Para melhor exemplificar, basta fazer um exercício. Imaginemos que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, concorra para presidente pelo PSDB e tenha o senador pelo Rio Grande do Norte, José Agripino Maia, como seu vice pelo PFL. Tal fato obriga a que todas as chapas disputando os governos estaduais repitam a coligação. É possível, pela regra, que PSDB e PFL concorram separados nos estados, mas nunca coligados com outras legendas.
O mesmo vale para uma provável aliança PT e PSB. Nacionalmente, a aliança serve para o partido de Lula embora seja ainda mais importante para a legenda histórica de Arraes. A coligação com o PT para disputar o Planalto impediria a presença de outro neófito como Garotinho. Ou seja, serve para barrar vôos autônomos de Ciro Gomes. Já para o Partido dos Trabalhadores, fraco no nordeste e na região norte, seria interessante pegar carona com seus aliados. A aliança forçada não serve muito para o PSB, com chances reais em vários estados onde o PT tem forte rejeição.
Neste plano, vemos o papel central do PMDB no xadrez político nacional hoje. Esta legenda, onde co-habitam dezenas de consórcios político-econômicos distintos, tem interesse direto em derrubar a regra da verticalização. Todos sabemos que o PMDB nacional nunca se entende e não conta com uma característica chamada disciplina partidária. Mas, por tudo que é sinalizado, ao menos nesta matéria os peemedebistas aparentam unidade.
Outra sigla que está se movendo para ver a regra ser derrubada é o PFL. Não lhes interessa em nada se ver obrigados a ir junto com o PSDB em disputas para os governos estaduais. Embora o PFL não tenha chances de ganhar sozinho a presidência, nas eleições para os governos estaduais a história é diferente. Em muitos lugares são concorrentes de seus amigos tucanos, em boa parte dos casos por choques intra-oligárquicos. Por estes e outros motivos, para os correligionários de ACM e Bornhausen todos os esforços vem sendo empregados para derrubar a regra.
Do outro lado, dois fortes partidos nacionais são favoráveis à manutenção da verticalização. Um deles é o partido do presidente, o PT, por sinal cada vez mais afastado do ex-metalúrgico. Note-se que Lula defende uma posição e sua executiva deseja outra coisa. O presidente sonha e trabalha por uma chapa com o PMDB como vice. Mas, sabe que é impossível contarem tanto com os peemedebistas como com o PSB se a aliança verticalizada permanecer. Já o PT, no intuito de aumentar o capital político no quesito coerência, assim como aplacar as disputas internas, opta pela vigência da medida.
Outro agente do campo político-partidário que é a favor da medida é o PSDB. Uma possibilidade para esta defesa é não ter de levar a pecha de casuístas. Os tucanos já têm de pagar a conta da emenda da reeleição, aprovada por eles para manter a FHC no Planalto e agora atacada por seus próprios autores. É certo que esta conta é leve, até porque o tempo de mandato presidencial não é um debate tão presente. Mas, a definição de alianças eleitorais é e sempre pauta e objeto de discussão tanto de quem faz como de quem acompanha política no Brasil.
Vale lembrar que em 2002, por sinal também ano eleitoral, a regra surgiu através do peso do então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e na época aliado dos tucanos, Nélson Jobim. Hoje, ela tanto pode ser mantida ou cair em debates e votações em distintas instâncias da república. Tanto o Congresso como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tentarão defini-la. E, mesmo que a definição da regra ocorra antes do carnaval, ainda é possível que algum agente político insatisfeito recorra ao sempre presente Supremo. Assim como o casuísmo, a disputa entre poderes é algo comum na política brasileira. Nos acostumamos a vê-la ao longo de 2005 e o que vemos hoje é apenas a continuação do problema.
Para irmos além do ocasional, é preciso compreender se há ou não significado nas políticas de alianças nas eleições. Em tese, e apenas em tese, a verticalização é coerente. Como podem dois aliados no plano federal serem inimigos entre si e aliados de seus próprios inimigos nos estados? Embora a regra tenha surgido em situações de oportunismo pré-eleitoral, conceitualmente é dotada de lógica. Resta saber se a classe política brasileira pode absorver comportamentos lógicos e coerentemente articulados? Sinceramente, pensamos que não.
Muitos argumentos que atacam a verticalização das alianças confirmam o óbvio. Por ser o Brasil um país continental, verdadeira América Brasileira, é impossível contarmos com partidos tão orgânicos como os de outros países, como os partidos chilenos por exemplo. Reconhecendo o óbvio como “natural”, se naturaliza o casuísmo. Conforme expusemos em outros artigos, quando tudo é tática e não há estratégia, não há campo definido de aliados e de inimigos. Por esta premissa, todos os agentes políticos tenderiam a uma cooperação por interesses materiais imediatos. Dentre estes agentes, alguns atores individuais destacam-se como produtos políticos vendáveis e eis a política brasileira.
A descrição acima, embora real, de “natural” não tem nada. Aliás, se o fazer político fosse naturalizado na sociedade, já teríamos gerado no país um sistema político, econômico e social muito mais justo e democrático de se viver. Basta observar as experiências organizativas populares para nos darmos conta disso.
Voltando ao tema, embora a regra tenha sido baixada por uma canetada em 2002, a vemos como interessante. Sabemos todos que regra nenhuma por si só é fator de mudança estrutural. Mas, que regras e instituições apropriadas ajudam, isto é inegável. Sempre ajudam não importando o objetivo. Se a meta for aumentar o padrão político-programático nacional, então a verticalização deve ser mantida e por isso a defendemos.