José Otávio não foi o único a pôr guarda baixa para o Planalto. O ex-governador Germano Rigotto flertara com Lula em 2003 e 2004. No ano seguinte, quando a crise do Mensalão estourou, foi levado para longe de Brasília, insuflando a hegemonia de Eliseu Padilha no PMDB do RS. Sempre é bom observar a capacidade de sobrevivência dos operadores políticos profissionais. Padilha foi ministro dos Transportes de FHC, saindo da pasta com uma imagem no mínimo “complicada”. Já o dentista caxiense, foi líder deste mesmo governo, articulando parte das reformas do Estado que vem sendo implantadas ao longo dos últimos 12 anos.
Há quatro anos atrás era observável a dicotomia da política estadual, entre o petismo e anti-petismo. Não seria a primeira das tradições de bi-partidarismo e possivelmente não será a última. O fato é que no momento, o conhecido estado mais politizado do Brasil, onde haveria uma direita política orgânica, dissolve suas convicções no manto da governabilidade.
As siglas estaduais como PMDB, PP, e PDT se somam a capacidade camaleônica do PTB-RS, que consegue ser governo em Porto Alegre, no estado e no Planalto. Pelo visto, a legenda capitaneada pelo ex-radialista Sérgio Zambiasi está fazendo escola.
Mesmo que discreta, o co-governo se exprime no governo de Yeda Crusius através de dois personagens e seus respectivos enlaces na capital da república. Embora mineira de nascimento, a ministra da Casa Civil Dilma Roussef fez a sua vida política e profissional no Rio Grande. Militante histórica do PDT adere ao Partido dos Trabalhadores no governo Olívio e depois é catapultada para Brasília. Dilma indicou para secretário da Administração, então secretário-executivo do Ministério do Planejamento, o gaúcho Ariosto Antunes Culau. Através dele, se intenta renegociar o possível, afastando qualquer idéia de moratória ou algo parecido com isso.
Outro canal de comunicação entre o Piratini e o Planalto, é a afinidade política e conceitual entre Tarso Genro e o atual secretário de Justiça, o cientista político Fernando Schüller. Representante do governo Yeda na posse, ambos são a prova cabal da cercania entre a direita do PT com os tucanos.
A crítica deste artigo não está no fato salutar de que os distintos níveis de governo falem e dialoguem entre si. O problema não está aí, e sim no custo político deste acordão. Ou seja, se não há proximidade programática, inexistindo acertos quanto as matrizes produtivas do Rio Grande, a aproximação política significa de fato a quebra da representação social dos trabalhadores gaúchos.
Entendo que a grande crise da democracia formal está ancorada em dois problemas conectados. Um é o hiato da representação, autonomizando o representante perante sua corrente, que o indicara para candidato, e seus eleitores. Outro é a ausência de fidelidade programática. Dentre a pobreza política nacional, o Rio Grande do Sul ainda destoava um pouco, apesar dos seguidos escândalos de compra de votos, aluguel de vagas nas filas de hospitais públicos e a extensa rede de parlamentares albergueiros.
Se a abertura democrática marcou a existência de uma esquerda gaúcha, inserida no sistema partidário, cada vez mais esta opção política se confunde com os esquemas tradicionais. Sendo que nos últimos 20 anos não houve mudança estrutural na sociedade gaúcha, a não ser a própria crise gerada pelo financiamento estatal da concentração econômica e do latifúndio, portanto, quem mudou foi a “esquerda”.
Com a reeleição de Lula agora na pretensão de estadista, o país se une em torno a um grande acordo de governo. Pelo visto, a composição entramada entre acerto de ministérios e alianças estaduais vai incorporar a quase todos. Sinal dos tempos, entre neologismos e bastidores pouco-republicanos, enquanto o BNDES for “generoso”, talvez nem a direita agrária e nem a UDN gaúcha fiquem de fora.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat