Seguindo o padrão da pindaíba moral, a indústria cultural gaúcha encontrou um formato de se aproximar dos valores e padrões de comportamento da democracia de mercado. O Estado mínimo se torna máximo para dar suporte ao enriquecimento direto das empreiteiras, como o defendido no Duplica RS. Já para produzir linguagem em forma de película evasão fiscal ganha a forma de LIC.
A LIC (Lei de Incentivo à Cultura) foi criada em 1996 com a função de estimular o patrocínio as produções artísticas, porque o governo do Rio Grande se recusa a investir na cultura de sua população e opta pela evasão fiscal. Empresas podem descontar o ICMS devido ao estado em até 75% do valor investido no projeto cultural. Para ser beneficiado, o produtor cultural, pessoa física ou jurídica, deve enviar o projeto para a Secretaria Estadual da Cultura, que avalia a proposta. Se estiver tudo correto este projeto é repassado ao Conselho Estadual de Cultura que emite um parecer. Após o projeto ser aprovado pelo conselho, o produtor cultural capta recursos de empresas, comprovando todo o dinheiro que é arrecadado. Seria tudo dentro da lei, se o problema não fosse a lei em si, que tira dinheiro do contribuinte, onerando quem paga imposto embutido no salário e no consumo. Assim, para fazer cultura, se reforça a mentalidade da evasão fiscal.
Como já está ficando habitual no governo de Yeda Rorato, também aí a coisa está feia. Para começar o absurdo, a nomeação de Mônica Leal como secretária de Cultura é uma afronte a Mário Quintana, Lupicínio Rodrigues e Érico Veríssimo. A colega jornalista fez sua imagem associada à de seu pai, um homem duro da ditadura, o coronel Américo Leal. O agravante é o fato de Mônica Leal, apesar de ser do PP/RS, teria entrado pela cota pessoal da governadora, em função de uma longa e duradoura amizade que remonta aos anos 1970. A bomba das acusações de fraude na LIC, incluindo o envolvimento da hierarquia do Conselho Estadual de Cultura, estourara em julho deste ano de 2008. Mônica recebeu informações de fraudes e irregularidades com sua assinatura sua e também a de assessores diretos. Em setembro o Ministério Público cumpriu13 mandados de apreensão para a obtenção de provas de suspeita desta fraude. A produtora Mariângela Grando, presidente do Conselho Estadual de Cultura também foi acusada de haver pago algumas despesas pessoais como, perfume, salmão e até o pagamento do IPVA de seu carro na prestação de contas do longa- metragem Concerto Campestre (2003). Não concordando por ser acusadas de desvio do dinheiro público, ameaçou o coordenador da LIC, Fábio Rosenfeld, dizendo apresentar denúncias contra Mônica Leal, em telefonema gravado informalmente devido ao seu tom ameaçador.
Quanto mais se mexe o quadro só piora. A suposta armação passaria por alguns patrocinadores que teriam colaborado com autorizações falsas ou adulteradas para a captação de recursos. Este golpe afetou aos cofres públicos do Estado com valores em torno de R$ 4 milhões. A soma vem daquilo que não entra, com os abatimentos do ICMS. A projeção do rombo é do próprio Ministério Público. Outra parte do suposto esquema é a adulteração da documentação de projetos aprovados pelo Conselho, para obter patrocínio maior que o autorizado. Em audiência realizada pelas comissões de Serviços Públicos e de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, na última semana do mês de outubro de 2008, foram debatidas as denúncias de irregularidades. A secretária Mônica Leal, frisou em seu pronunciamento que "não há crise na Cultura, o que há é fraude na Lei de Incentivo à Cultura (LIC)”.
A acusação de fraude na Cultura se transformou em fato político. Para ser justo no conceito, e mais uma evidência de nexo político-criminal, agora vindo de gente que, em tese, seria sofisticada. Uma auditoria já foi aprovada na Assembléia Legislativa contando com o apoio de mais 19 parlamentares. Haja visto o comportamento desta casa durante a CPI do Detran-RS, qualquer cidadão bem informado deve esperar pouco ou nada de mais esse barulho. A conclusão lógica é um avanço ideológico da mentalidade de apropriação privada dos bens públicos somada com a noção de impunidade, como se a evasão fiscal fosse menos maléfica do que o roubo em espécime. Não é em nenhuma hipótese.
Se há algo de bom nesse imbróglio é poder pautar a farra da isenção através da LIC. A maioria dos envolvidos com a produção de bens simbólicos trabalha com a corda no pescoço e se vê obrigada a fortalecer a evasão do fisco. Talvez com a suspeita sobre o mecanismo, cheguemos a um consenso social de que o dinheiro posto na Cultura não é gasto e sim investimento em longo prazo.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do jornalista de Santa Maria da Boca do Monte, Claudemir Pereira.