Bruno Lima Rocha
Os municípios brasileiros vivem seu momento político de maior tensão. E, no olho do furacão, estão os sindicatos de municipários. Ofertas de composição eleitoral, participação em campanhas e promessas de trabalho no futuro próximo pairam sobre a base sindicalizada. São formas de desmobilização desta categoria, tentando aliciá-la para algum projeto de poder vindo das eleições e não da correlação de força do sindicato na sociedade local. Uma delas é a figura do cargo em comissão, ou cargo de confiança, também conhecido como CC.
Uma das demandas dos servidores públicos municipais é o plano de cargos e salários. O desejo de uma carreira progressiva é algo necessário para motivar todo trabalhador. Quando este se organiza, a idéia toma corpo de plataforma coletiva. A quebra de lealdades se dá na perspectiva de que existe um caminho mais fácil e de solução individual.
Qualquer conquista direta, como uma reposição salarial de 15%, é sempre uma via crucis. Implica em risco, perder ponto, ser repreendido, transferido do local de trabalho, fazer greve, organizar protestos, se arriscar a prisão ou violência estatal e paira a possibilidade de não se arrancar nada. Por outro lado, a figura do CC está ali, de corpo presente, ganhando essa diferença a mais e sem os custos de ação coletiva da base sindicalizada. Reforçando o comportamento individualista, o cargo esse é de “confiança” de quem o indicou e não do serviço público local. Imaginem a dúvida na mente de um sindicalizado: “eu me dedico, me organizo, e o fulano aí do lado, se relaciona bem, e ocupa posição superior a minha!”
Mesmo em cidades populosas, a tendência das pessoas da administração pública é se conhecer. Para subir por dentro de forma individual, é preciso saber a quem conhecer e com quem se indispor. As redes de relações são fundamentais para todos os tipos de atividades. Como já afirmei em edições passadas, é nas eleições municipais quando as práticas políticas se aproximam do cidadão comum. É quando jogam com peso em dobro as relações pessoais, os graus de parentesco, amizades e antipatias pouco ou nada explicáveis e favores devidos ou em falta.
Torna-se visível a mobilização nesse período em contraste com outros meses. E o motor da efervescência eleitoral são aqueles cidadãos que alimentam a sociabilidade permanente. Na interna do aparelho de Estado local, quem mais agita é alvo preferencial de tentativa de aliciamento. Quem conhece uma direção sindical de municipários sabe o perfil. Gente simples, muitas secretárias de escola, merendeiras, pessoal do setor de serviços e obras, e quando a categoria tem unidade, existe representação única incluindo os servidores da saúde e educação. Mesmo assim, uma diretoria acaba sendo levada por dois ou três abnegados. Basta que um deles acredite ou pactue com a promessa de CC ou FG para quebrar a espinha dorsal da entidade. Se sair para vereador então, o impacto é maior.
O aliciamento é um remédio infalível contra a organização coletiva. Cansei de ver municipários com boas direções sindicais, mas cuja maioria de diretores era do mesmo partido do prefeito. Resultado corriqueiro, o prefeito se reelege, mas a diretoria perde a eleição sindical. Se um ex-diretor, logo após a derrota, aceita uma função gratificada (FG) na prefeitura, anos de credibilidade construída já é posta em dúvida. Por outro lado, quem se mantém na independência de classe, tem maiores chances de se manter a frente de sua categoria. São escolhas a ser feitas.
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Voto, Ano 4, No. 46, Agosto de 2008, na página 70.