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Federalismo e Impostos


As riquezas do país terminam por escorrer rumo ao duto da cloaca impositiva, onde serão impiedosamente contingenciados pela racionalidade dos financistas do governo de fato.

3ª, 12 de dezembro de 2006, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente do Rio Grande de São Sepé

Semana passada, desenvolvemos o argumento que a reforma tributária começa na redistribuição impositiva. Significa repartir entre o governo central, os estados e municípios o montante total da verba dos impostos. Isto seria, um terço para a União, um terço para os 27 estados e o terço restante 1/3 para os mais de 5561 municípios divididos nas 555 micro regiões. Nunca é exagerado lembrar que o governo central suga mais de 61% de tudo o que se arrecada no país.

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É óbvio que a medida teria como pano de fundo toda uma mudança estrutural na divisão do poder e na presença do Estado no Brasil. A opção é a maior divisão de responsabilidades, dotando a estrutura política participativa, aprovada na Constituição de 1988, de orçamento e capacidade resolutiva. Isto porque, no Brasil democrático, a municipalização é um brete. De um lado, se aumentaram muito as atribuições das unidades básicas de governo. Por outro, Brasília abre o cofre aos conta-gotas e empareda os administradores na Lei de Responsabilidade Fiscal. Diante da escassez, se reforça a função dos “facilitadores” parlamentares.

O pano de fundo são as emendas extra-orçamentárias, por fora e por dentro, responsáveis por morder mais de R$ 5 bilhões na última votação do orçamento no Congresso. Nestas emendas, cada deputado reforça seu reduto, também conhecido como curral eleitoral. É desta forma que o Estado se apresenta, como uma máquina pública emperrada e que depende da presença de operadores profissionais. Cada deputado federal tem uma rede de “dobradinhas” estaduais, e abaixo destes, uma leva de prefeitos e vereadores. Quebrar esta cadeia de comando e decisões verticais é uma das metas de um exercício de poder federalista e com primazia pela democracia direta.

Considerando o padrão de comportamento político no Brasil, não podemos esperar que simplesmente os políticos e seus consórcios econômicos parem de se alimentar do dinheiro dos impostos simplesmente apenas porque o município passaria a ter uma maior autonomia financeira. É justo o oposto. A distribuição impositiva e a municipalização, só funcionam sob um maior controle público, não apenas fiscal, mas decisório. Assim, o marco legal dos conselhos municipais, estaduais, do desenvolvimento (micro) regional, só avança se os delegados destas instâncias tiverem poder de fato.

Atualmente, apenas no município de Porto Alegre, existem 20 conselhos municipais, dos quais o único que não funciona é o de comunicação social. São tripartites, Estado, Capital e Sociedade Civil, mas não tem nem dotação orçamentária a altura, nem tampouco maioria de delegados populares na composição. Sob o mito da “sociedade civil”, a organização social se confunde e perde caráter classista. O resultado disso tudo é a burocracia no movimento popular e a ocupação da agenda militante com reuniões sem fim e com pouca finalidade. Ao dotar estes conselhos de verbas diretas, além de estrutura de fato, o dinheiro público passaria, em parte, para a instância de democracia direta.

Ressaltamos, o federalismo com base em municípios depende necessariamente de participação popular. Do contrário, seria dar carne fresca na boca do lobo faminto. Ou alguém em sã consciência aumentaria a verba das atuais prefeituras sem modificar o mecanismo de governo e governância?! É óbvio que não. Assim, ou se transforma a instância base da democracia brasileira, ou viveremos a reclamar de escassez de verbas, emendas suspeitíssimas e laudas sem fim de auditorias e investigações.

A própria instância de conselhos só será bem vista caso seja fruto de mobilização e conteúdo. Não adianta preencher as vagas do Orçamento Participativo (OP), sem aumentar a dotação orçamentária. Nos municípios onde o OP funciona, a média é de 4% da verba líquida. Isto dá na ínfima quantia R$ 0,40 a cada R$ 10,00 que se tem para gastar. Obviamente que a disputa se torna fratricida de um bairro contra outro, a rua de cima contra a de baixo e o “grande debate” vira a escolha de parada de ônibus ou praça de lazer.

A escassez é tamanha porque a racionalidade que governa estes fundos impositivos não são públicos, mas privados. Estivessem sob controle dos interessados, jamais seriam “contingenciados” para cumprir compromissos da dívida ou então financiar a oligopólios ou transnacionais. O que é afinal gasto e o que é investimento? O BNDES financia a indústria que aqui se instala ou quer instalar. Os estados entram em guerra fiscal e abrem mão de receita futura para garantir um empreendimento financiado com dinheiro do próprio estado. As prefeituras se matam para cederem terrenos e beneficiamentos de uma massa pré-fabricada, sem nenhuma garantia de permanência após o termino dos benefícios fiscais.

Se de cada real que circula no país, 0,38 em média é imposto, quanto desse imposto vai para os capitais que querem se financiar com o dinheiro do Estado? E se destes R$ 0,38 do botim impositivo, ao menos R$ 0,10 estivessem sob controle direto de controles municipais? Porque, com a municipalização de serviços básicos e a destinação constitucional de recursos, os serviços não funcionam em função de controle.

Sendo este o problema, façamos uma experiência federalista de controle através de conselhos. Não seria nenhum “absurdo irracional”, muito pelo contrário. Até mesmo dentro do debate da reforma política, um amplo setor defende formas participativas. Tais como as formas reais de aumento da democracia direta e deliberativa.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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