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A economia real não faz parte da campanha


Não por acaso, temas e campanhas como a Moratória da Dívida Externa, sumiram da corrida eleitoral de 2006. Já haviam desaparecido antes, nos programas de governo, na Carta ao Povo Brasileiro e noutras peças de marketing e cartas de intenções políticas.

Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé, 29 de agosto de 2006

No artigo da semana passada, eu afirmei alguns conceitos que caracterizam a capacidade analítica de um eleitorado, possivelmente, dotado de informação estratégica. Também havia dito que traria neste texto uma projeção de possível emprego destes conceitos de análise. Mas, tal e qual a maioria dos políticos profissionais por detrás do palanque eletrônico, não cumprirei minha promessa. Diante da oportunidade de aportar números e idéias, que habilitam o entendimento, deixarei o exercício do emprego para a semana seguinte.

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Minha “inspiração” foi um breve passeio comparativo entre algumas páginas, que oferecem os índices nacionais. Contas, números, produtos, produtividade, enfim, todo o potencial da sub-aproveitada 11ª economia do mundo. Apenas para incitar a curiosidade, convido os leitores a navegarem com calma e atenção pelos conteúdos ofertados nos sítios do Dieese, do Ipea, da CNI, da Teleco, do IBGE, do Banco Central, dentre outros. A primeira impressão é a sempre alegre evidência de que temos um nível de tecnocracia absurdamente capacitado. Segundo, a certeza de que este imensurável capital humano seria capaz de planificar qualquer coisa definida pelas vontades e possibilidades das maiorias deste país. Bem, a terceira é a volta ao presente, do realismo de campanha e o quão distantes todos estamos do “despertar do gigante em berço esplêndido”.

Diante de números que expressam o suor de 184.007.699 de brasileiros, indo além da econometria e dos indicadores financeiros, fica uma série de perguntas. Mas, diante da conjuntura de corrida eleitoral, nos parece mais interessante questionar porque algumas perguntas quase nunca são feitas. Uma destas ausências nos parece gritante. “Como e porque um país que fechou 2005 com um PIB de R$ 1 trilhão, 938 bilhões e 598 milhões de reais (ou, arredondando, US$ 796 bilhões) e com uma renda per capita de R$ 10. 520,00 reais (ou US$ 4.321,00) condiciona a mais de dois terços dos brasileiros a viverem no sufoco?” Mais grave é saber que esta é uma pergunta ausente do pleito e da maioria dos debates. Sim sabemos que o crescimento pífio foi de 2,3%, marcando uma “grande vitória” sobre o Haiti. Mas, não é este o problema de fundo.

O total do crescimento não implica, necessariamente, na distribuição de renda e poder, simultaneamente. Já passamos por experiências onde se afirmava ser mais importante fazer o bolo crescer para depois dividi-lo. O bolo cresceu, por quarenta anos seguidos, uma média de 7,6% ao ano. Isto, na escala da economia brasileira, proporcionalmente nos equipara a China. O milagre brasileiro manteve-se fiel às raízes do pensamento e ação da elite – seja a quatrocentona, a recém incorporada ou a associada/enviada pelas potencias e suas transnacionais. Foram dados vivas ao grande bolo mas não aos milhões que, literalmente, por duas gerações, puseram a mão na massa e no fermento.

Nossa economia está estagnada desde 1980, sendo que de quinze anos para cá, cresceu de forma vegetativa, acompanhando o ritmo do aumento populacional. Considerando que o bolo não vem aumentando, trocamos tecnologias e não incorporamos gente na sociedade contemporânea. E, para piorar, as fatias são cada vez mais desiguais. O crescimento médio de 2,6% por uma década e meia é um sintoma de um projeto econômico estagnante e provedor de paralisia das forças reais e vivas da sociedade brasileira.

Lembremos, o complemento do número é sempre mais vital do que o próprio numeral friamente exposto na tela do computador. O aumento de riqueza tende a ser proporcional ao aumento da capacidade de exercício de poder e as projeções feitas a partir da parcela da sociedade, que assim vive. A projeção do ideológico materializa aspirações sociais e alimenta a vontade de potência. Um se retroalimenta do outro, sem determinância a não ser circunstancial. No mundo real, nas sociedades concretas, ideologia, economia e política andam juntas, uma esfera determinando e fundamentando a outra. O controle sobre uma tende a buscar o mesmo exercício de poder sobre as demais. Quase tudo deriva destas correlações de forças. Ou seja, nenhum modelo existe de por si, e estrutura alguma está dada. Não se pode “naturalizar” construção humana alguma. O mesmo vale para a concentração de renda e o subdesenvolvimento.

Não somos subdesenvolvidos por destino manifesto das potências do Norte, nem por qualquer outra idiotice eurocêntrica. Nosso subdesenvolvimento é quantificado, visível, material. Na última revista Caros Amigos, João Pedro Stédile, da Coordenação Nacional do MST, nos oferece alguns números desta opção. O economista e militante gaúcho afirma estes números como conseqüência da ausência de projeto de crescimento. A hipótese é válida, mas ainda segue presa a uma “lógica” de condições supostamente objetivas e subjetivas. Condição objetiva não é, necessariamente, a forma de vida e o sofrimento causado pelo neoliberalismo. O problema está justo no modelo, tanto de análise como de crescimento, e não na falta deste.

O Brasil não carece da falta de modelo econômico, mas sim modelo de crescimento. Nenhuma economia, que coloniza a sociedade e ancora nossas riquezas na ciranda financeira, vai proporcionar nem o aumento do bolo e tampouco a divisão por igual de suas fatias. Como a história da humanidade se dá por saltos e descontinuidades, a “normalidade” atual só vai nos render algumas poucas variações de uma mesma matriz. Como todo interesse estratégico é condicionado pelos detentores das maiores parcelas de exercício do poder, este debate não está presente na disputa eleitoral. As condições de oferta da classe política brasileira carecem de escassez de matrizes, sendo que seus clones se renovam na média de 50% por legislatura.

Faço assim um convite para a busca incessante pela informação estratégica. Qualquer leitor-eleitor curioso pode buscar identificar nos programas eleitorais, difundidos por rádio e TV, os seguintes números abaixo. Alguns aparecerão de relance, como um figurante contracenando num acaso proposital com um grande astro das telas. Outros, somente no pior dos pesadelos neoliberais surgiriam em uma “estável” disputa como a nossa de 1º de outubro.

Vejamos. No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso eram pagos aos bancos, em média, 50 bilhões de reais por ano. No segundo governo FHC, a média subiu para 70 bilhões. Lula assume em 1º de janeiro de 2003 e aumenta a média para 100 bilhões nos dois primeiros anos e alcança a 120 bilhões no ano de 2005! Um dado comparativo elucida muito. O investimento em uma fábrica de semi-condutores, como a que está sendo implementada na Lomba do Pinheiro, região da periferia de Porto Alegre, é da ordem de 160 milhões de reais. Isto, nas instalações físicas, sem contar os recursos humanos. Assim, é possível identificar um dos porquês de nosso atraso tecnológico.

Nosso PIB por pouco não alcança a cifra de R$ 2 trilhões de reais. O problema é o endividamento. No início da era FHC a dívida interna era da ordem de 300 bilhões. Já no princípio do mandato de Luiz Inácio bateu 600 bilhões e hoje, após quatro anos do governo de fato de Henrique Meirelles, chega o recorde absurdo de mais de R$ 1 trilhão de reais. O país endividado, acima das metas de superávit primário, pagando antecipadas as parcelas da dívida externa, também é o campeão mundial da taxa de juros. Não contente com isso, nossa carga tributária atinge a 37,3% do PIB, segundo cálculo da própria Receita Federal. Considerando que nosso endividamento é altíssimo, observando a situação pecuniária da maioria do povo brasileiro, é desnecessária qualquer pajelança econômico-financeira para saber os rumos de nossos impostos. Isto, sem falar dos índices de corrupção, ativa e passiva.

Para concluir, vale a pena saber que enviamos para o exterior todos os meses, na forma de remessa de lucros, juros, serviços, transferências filial-matriz (não taxadas) dentre outras modalidades, uma média de R$ 5 bilhões de reais. Proporcionalmente, somos um dos paraísos globais das operações transnacionais. Não por acaso, a “choradeira” destas empresas é incessante, seguem o ritmo de suas reordenações produtivas, sempre acompanhadas de demissões sem fim.

Os poucos números trazidos no artigo, retratam com fidelidade a incomensurável capacidade de sugar as energias produtivas do povo brasileiro. Ainda assim, apesar de tudo, fomos capazes de construir a 11ª economia do mundo. Sem nenhum ufanismo, é sabido e notório o potencial dos brasileiros. Temos a certeza profissional de que esta informação é presente nos relatórios do Departamento de Estado. Mantendo o padrão, em Washington as informações estratégicas a respeito do Brasil estão sempre presentes.

Justo o oposto da campanha eleitoral.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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