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A receita de Zero Hora para compreender às avessas a segurança pública de São Paulo


Negar a esta força social é negar o óbvio, tentando passar a idéia de que a realidade deixa de ser real. Triste papel mil vezes repetido.



O jornal Zero Hora em sua última edição dominical (20 de janeiro de 2008) apresenta em sua seção de polícia, páginas 33 a 36, uma matéria de fôlego a respeito das mudanças na segurança pública no estado de São Paulo. A reportagem “A receita paulista contra a violência” é assinada pelos repórteres Carlos Etchigury (texto) e Ronaldo Bernardi (foto). A opinião qualificada é do politólogo e sociólogo Túlio Kahn, coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. O tema é delicado e as críticas devem estar à altura do desafio da abordagem proposta.

Logo no início da reportagem, após os numerais (1, 2 e 3), na página 33, o texto aponta índices controversos. Na transcrição textual:

“Os nove primeiros meses do ano passado comparados com o mesmo período de 2006 tiveram redução e 13 dos 15 itens de segurança. Apenas o trafico de drogas e os roubos cresceram”.

Qualquer redator sabe que a forma de abordagem é a orientação de fundo. Toda a mudança estrutural apontada por Etchigury pode ser lida às avessas. E, justo por isso, poderia ser escrita ao contrário. O ano de 1995 marca a chegada do PSDB ao Palácio dos Bandeirantes. É também o ano de nascimento do Partido do Crime, também conhecido como Primeiro Comando da Capital (PCC). Começou a ser gerido nos porões medievais do Cadeião de Taubaté e veio à tona dois anos depois.

Os índices apontados pelo repórter de ZH podem ser lidos como fator PCC. Explico. Em geral, quando mais o crime de baixa incidência se organiza, a cooptação e a coerção operam como reguladores. A segurança individual, o respeito ao patrimônio em uma favela carioca é mil vezes maior do que o respeito à propriedade em uma residência de vila na Grande Porto Alegre. A organização do crime praticado pela massa analfabeta funcional é sentida no dia a dia das comunidades mais carentes. Não que a organização e aprimoramento do aparelho policial de São Paulo não tenha sido relevante para a diminuição dos índices. Mas, negar o fator PCC é negar o óbvio.

É o que faz o especialista Túlio Kahn. Afirma que o PCC está sob controle. Ao mesmo tempo, se elogia a política prisional dos seguidos governos tucanos em São Paulo. E é justo ao contrário. O poder do PCC rebrota a cada fim de semana, quando os mais de 143 mil presos recebem visitas familiares e afins. De um para cinco na proporção, estamos falando de uma média de 500 mil pessoas deslocando-se a cada sábado e domingo, o que implica um processo organizativo de enorme proporção. Essa indústria da prisão também se expressa como uma fábrica de rebeliões.

Impressiona a capacidade de oferecer versões narrativas a partir de um conjunto de cifras e depoimentos. Esta é a natureza do jornalismo, a proposta da matéria, a intencionalidade da reportagem e a linha editorial do veículo. È por isso que o conceito é a maior ferramenta de análise, desde que não obstrua ou negue os fatos. No caso da matéria de Etchigury e Bernardi, além de não ter o contraditório, o tema central passa ao largo.

Como negar as duas rebeliões do PCC em 2006? Como aceitar a versão de Túlio Kahn, quando categoricamente o especialista afirma que o PCC está “controlado”? Como, após as constatações, ter alguma confiança tanto na matéria como na linha editorial do jornal?

Simplesmente impossível.

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