4ª, 28 de novembro de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé
No último domingo (25/11), o jornal Zero Hora (p.27) publicou uma longa entrevista com a governadora do Rio Grande do Sul Yeda Crusius. No meio da crise econômica transformada em crise política, a professora de economia da UFRGS deu a entender que seu governo, embora cambaleante, não está morto. Isto depois de ver derrotado o Plano de Recuperação do Estado por 34 a 0 na Assembléia, na quarta dia 14 de novembro. Amargando a segunda derrota legislativa em menos de um ano, a mandatária do Rio Grande aponta sua mira contra “as elites” empresariais e políticas.
Vale citar dois trechos da entrevista concedida ao repórter Moisés Mendes. Perguntada sobre quem não haveria compreendido o pacote, aponta o dedo na ferida interna:
“As elites, que se apropriaram do sistema como ele é. Para elas, está bom assim. As elites não entendem que a crise só se aprofunda. As elites fizeram pressão sobre os deputados, e pressão bruta.”
Mais à frente Yeda expõe o problema de fundo. Segundo a economista, o desencontro entre a evolução da receita com impostos e o crescimento ímpio da economia, o garrote promovido pelo endividamento e a possibilidade de não obter empréstimos com organismos internacionais:
“Quem não enfrentou todos esses problemas? As donas elites. Não é por causa das elites que estamos nessa?”
A revolta da governadora é compreensível. Imaginava o núcleo duro do governo eleito em 2006 que teriam a carta branca para promover as reformas neoliberais, aplicando choques de gestão e com um imperativo à moda Thatcher. Ledo engano. As elites a quem a paulistana radicada em Porto Alegre se refere não concederam toda a liberdade desejada. Muito pelo contrário, marcaram a agenda a todo o tempo, dando a entender que o governo estava para lhe servir e não para elas (elites) servir ao Executivo.
As referidas elites tiveram no Plano de Recuperação a força centrípeta necessária para unificar as posições motivadas por distintos interesses. As entidades empresariais ficaram em alerta contra a possibilidade de aumento de impostos. Das quatro federações patronais estaduais, duas, Federasul e Fiergs, fizeram campanha contra o projeto com grande ímpeto. O vice-governador em franca rebeldia, chegou a comemorar no Plenário junto a deputados de oposição. A derrota representou o fim do pacto de classe assinalado durante a campanha.
Parte da direita política local, encabeçada pelo PP, fechou posição juntando seus votos com os da Frente Popular (PT-PSB-PC do B). Além destes deputados, a rejeição ao projeto contou com a força do PDT e incluiu também alguns votos do PMDB. Mesmo reconhecendo a existência de um subsistema político gaúcho, é certo que as alianças nacionais têm seu peso. Nunca é demais recordar que todos estes partidos ocupam postos no governo Lula. No momento da definição, emparedado pelas denúncias da Operação Rodin e as relações com a União, o PP-RS ruiu a corda.
Alguns analistas entendem que as relações institucionais do Piratini são mal feitas e por isso Yeda perde quase sempre. O argumento é parcialmente correto. Alguns elementos ajudam nas derrotas. Os agentes econômicos e as lideranças corporativas demonstram temer o ar impositivo e o risco de hipertrofia do Executivo. Sempre presente está o exemplo de hegemonia absoluta vindo do governo mineiro de Aécio Neves. Entre um projeto de reforma neoliberal do estado e a garantia dos interesses imediatos, a conservadora elite econômica local não teve dúvidas.
Caso o Núcleo Duro tucano não fosse com tanta sede ao pote teria mais chances de resultado. O desmonte do estado polariza os sindicatos de servidores e os movimentos populares. A carga tributária agita as patronais. As caravanas para o interior deram um ar de intromissão do Executivo nos currais eleitorais e regiões atendidas por deputados estaduais. A confluência de interesses contrários gerou as condições necessárias para a derrota.
Se o governo estadual levasse o Plano para votação em partes, com certeza arrancaria muitos pontos. Isto porque a vontade privatista é presente nas federações patronais. Ou seja, nenhum empresário iria pressionar seus deputados para impedir a venda de estatais ou a mudança do regime jurídico das fundações. Para a sorte dos sindicalistas e servidores, o compromisso ideológico da equipe de Yeda fala mais alto do que os imediatismos políticos.
Como não existe governo sem identidade de classe, o Executivo gaúcho tem de moldar seu projeto político, equilibrando-se entre os compromissos com o capital financeiro, as transnacionais que investem no Rio Grande e uma elite a quem servir. Caso contrário se verá isolado, levando pau das esquerdas locais, emparedado pela União e sem uma direita orgânica para se apoiar.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat