Introdução
Passada a ressaca da troca de ministros, cabe uma reflexão a respeito da proposta de alinhamento do PMDB (ou dos PMDBs) e de como a capacidade de organizar a frágil base “aliada” reflete a desconstrução interna do segundo governo de Dilma.
A troca de ministros e o eterno descontentamento da base aliada
A troca do terceiro ministro da Educação em menos de um ano revela o quanto a pasta é tanto relevante e polêmica. Definitivamente o ano começou de forma intensa quando o ex-ministro Cid Gomes, irmão de Ciro Gomes, deixou o cargo após intenso debate com o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cid fora governador do Ceará por dois mandatos e, assim como o irmão, tem um forte apelo para a educação como pauta fundamental para o desenvolvimento brasileiro. Mesmo não concordando integralmente com Ciro ou Cid Gomes, este caracterizara a Câmara de forma apropriada ao denomina-la hegemonicamente composta de “achacadores” profissionais. Como a cultura política é de clientela e paróquia, para a maioria dos deputados, segundo Gomes, seria a política do quanto pior melhor, para daí poder cobrar mais caro o apoio da “base”. Definitivamente, não estava nenhum pouco equivocado.
Na sequência, em abril de 2015, o professor Renato Janine Ribeiro é indicado para o cargo de Ministro da Educação e aceita a proposta. Desta vez a presidente teria acertado na escolha, tratando-se de uma pessoa do campo acadêmico, com bom trânsito institucional e respeitado entre os pares. O professor aposentado da USP de ética e filosofia política estava à frente de uma área eleita como fundamental para o segundo mandato de Dilma e sua indicação seria uma escolha correta, privilegiando as realizações de Estado para além das urgências de um governo com baixo índice de popularidade e preocupado com o fogo amigo da base “aliada”. Sua gestão à frente da pasta nem chegou a emplacar, e terminou de forma melancólica, sem conseguir afirmar uma marca desta passagem.
Ao invés da expansão do Programa de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), área onde o professor Janine Ribeiro estaria se dedicando, teve de lidar com os cortes propostos pela equipe econômica através do ajuste fiscal. Tal resultou em atraso e encolhimento dos programas vitrines do lulismo, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A troca de ministros não se deu em função de escândalos ou desavenças com a condução de governo e sim através do novo ajuste da reforma ministerial, visando aumentar a dotação orçamentária sob o comando de ministros do PMDB.
Aloisio Mercadante, ele também ex-ministro da Educação, sai da Casa Civil retomando a titularidade de uma pasta gigantesca, tanto em problemas como em orçamento e realizações. O motivo é o ajuste político, considerando que o PT cedera a pasta da Saúde (gigantesca em todos os sentidos) e assim precisava de um ministério com peso equivalente. No acordo, o PMDB ficou com sete ministérios e o PT, com mais pastas, embora com menor orçamento. O ajuste com a base “aliada” – ainda a ser comprovada a sua lealdade no médio prazo – teve como preço mais que salgado a saída de um professor capacitado e implantar políticas educacionais urgentes.
O ajuste de contas poderia ser diferente, caso houvesse espírito público por parte dos líderes do país no tema. Obviamente compreende-se que, embora as definições de políticas educacionais estejam sempre em disputa, realizações da pasta deveriam estar bloqueadas de negociações paroquianas, como fora com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), durante os dois mandatos de Lula. Não adianta criar um lema como marca oficial de segundo mandato e sequer cumprir com o rigor das metas estabelecidas, a começar pela manutenção do único consenso até agora criado neste segundo governo.
É evidente que sua gestão não foi consensual entre os trabalhadores de educação, mas parece óbvio que a presença de Mercadante só aumenta a condução política vinculada ao núcleo duro do governo. Ou seja, menos espaço de negociação com as bases sindicalizadas e mais ânsias de realizações, com o ex-senador paulista tentando emplacar um perfil forte e de projeção nacional. Entre acomodações e acordos de sustentação, a educação pública ficou em segundo plano na suposta “pátria educadora”.
Três arenas simultâneas: TSE x STF x Plenário da Câmara
Na terça dia 06 de outubro o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reabriu uma ação do PSDB que tenta impugnar a eleição de Dilma e Temer. O placar do voto dos juízes surpreende pela goleada de 5 a 2. Esta vitória da UDN na corte suprema eleitoral foi logo melada uma semana depois, no dia 13 de outubro, em instância paralela e de alçada superior. O Supremo Tribunal Federal (STF) acata de forma provisória o mandado de segurança do PT para trancar o andamento do rito de impeachment sendo levado a cabo pelo suposto réu em contas secretas na Suíça, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Com isso, a manobra de uma corte foi anulada com outra manobra em outra instância da Justiça.
Se observarmos a caracterização do governo Dilma, este é de direita, e portanto, termina utilizando, de vez em quando e de maneira mais que oportunista, a relação com as bases sociais restantes, como na presença de Lula e Dilma no 12º Congresso da CUT (CONCUT), transformando uma instância supostamente autônoma da luta sindical brasileira em simples reboquismo do atual governo. Tal como a característica acima, também venho avisando que a mandatária cede quase tudo para não perder o mínimo, ou fazer nada ou quase nada. Logo, termina por fazer a escolha errada o tempo todo, tanto na opção da arena onde aposta as fichas e a energia, como no trato com os supostos aliados.
O acerto da "reforma" ministerial, quando Dilma e seus assessores políticos (suponho que Lula tenha participado) fizeram a proeza de retirar dois ministros bem avaliados em suas áreas (Renato Janine Ribeiro na Educação e Arthur Chioro na Saúde), realocar Mercadante na Educação (para controlar votos como ex-cardeal do Senado) e colocar um indicado de Picciani na Saúde (Marcelo Castro), não resultou em ganho real algum. O primeiro sintoma é a ausência de quórum para o veto exigido pelo Planalto, onde se inclui o aumento para os servidores do Judiciário e outras medidas necessárias para o acerto e "ajuste" fiscal comandado pelo Chicago Boy do Bradesco. Este analista que aqui escreve entendia como afastadas as possibilidades de impeachment em função do arquivamento da causa no TSE. Com sua reabertura e a possibilidade ainda perene de abandono da base do PMDB de Temer (daí a relevância da vitória pontual no STF), fortalece tanto a posição da UDN (PSDB + DEM + arrivistas de sempre) como a do quase cai-cai (ainda não caiu) Eduardo Cunha (que apostou no plenário para livrar-se da fúria do Planalto sobre sua vida bancária).
A cancha continua aberta para aprofundar a crise política - e o TCU ajuda
A semana anterior ao dia da invasão do Continente (12 de outubro) havia pânico em Brasília. Faltando menos de duas horas para o início da sessão do Tribunal de Contas da União que avaliaria as contas de 2014 do governo federal (e as rejeitaria), o caso das "pedaladas fiscais" teve como protagonista um suspeito da Operação Zelotes. Já se sabe que o "Tio" se chama Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), na verdade um órgão auxiliar do Congresso Nacional. Jogando por terra a pouca reputação adquirida a instância entra com as duas patas na lama. Como considerar válido um "julgamento" considerando que o julgador está sob suspeita? Como considerar válida uma denúncia de suspeição quando o denunciado pode ser um operador contra o governo de turno?
Por "sorte" ou desgraça a maioria dos brasileiros e brasileiras (analiso como desgraça) não apreende o funcionamento das regras institucionais. É como o negócio bancário, como afirmara Henry Ford. Se o povo soubesse, teria de fazer uma revolução. Aqui vale o mesmo. Por fim, se algo fracassou no golpe republicano positivista de 1889 foi a afirmação do acertado padrão métrico-decimal. No Brasil isto só vale para tirar medida de obra ou tecido.Na "accountability" e no sistema de pesos e contra-pesos do liberalismo republicano daqui, isto não passa de ficção jurídica.
Por consequência, o que vivemos no Brasil é uma crise de confiança política e um esgotamento de modelo e de ciclo de crescimento por demais dependente de exportação primária. O poder político do Executivo escorre pelas mãos – sendo resgatado a cada 48 ou 72 horas - e a recomendação da rejeição das contas da presidente em 2014 por parte do TCU na tarde e noite de 4ª dia 07 de outubro é apenas um pedaço deste trecho complicado. A rejeição de contas em função da ampliação do gasto público em ano eleitoral seria condenável se esta mesma instância o tivesse feito para os mandatos anteriores. Não o fizera e agora perde a pouca idoneidade – ou aparência de idoneidade - que tinha. A conta para o ministro-relator Augusto Nardes está saindo muito alta. Nardes relata e seu voto orienta a rejeição das contas de Dilma e, ao mesmo tempo, é o “tio” citado na Operação Zelotes.
Sete vidas de um gato equilibrista que insiste em não cair do telhado – apontando conclusões abaixo e à esquerda
Entendo que o maior problema vivido em nossa sociedade é a ausência de um poder social mobilizado à altura de 2013 antes do sequestro da pauta por parte dos grandes grupos de mídia e a tentativa de capitanear o movimento pela Nova Direita. Não tem como afirmar que a rejeição das contas vai gerar um fato inequívoco no caminho do impeachment, mas que ajuda, sempre ajuda. A arena está no TSE e também no fato de Eduardo Cunha estar contra a parede.
Enquanto vai perdendo espaço, Dilma e seus auxiliares giram cada vez mais à direita, talvez para dar a entender ao andar de cima que seu governo é confiável e aqueles que a querem derrubar são emissários do capital transnacional puro e simples. E são mesmo. No entanto isso não significa nenhum apoio por parte desse analista ao governo de direita de Dilma, e sim apenas o alerta de que não se deve embarcar na onda conservadora da direita que não é governo.
Por sorte do Planalto, a UDN é muito dividida e não parece estar com vocação de poder. Mas, o jogo está sendo jogado e a população observa, de olhos esbugalhados e com cansaço de classe, apavorada de perder o pouco que ganhou e mais apavorada ainda por estar desorganizada pela ex-esquerda que tem na massa eleitoral seu maior trunfo.
Lá vai o Brasil, descendo a ladeira, até constituir uma nova hegemonia no campo da esquerda, de preferência, através da mobilização social e bem longe do eleitoralismo estéril. Tomara. Até lá, a gente semeia vento e analisa a tempestade do andar de cima que vai respingando granizo em todos nós.
Já na instância Executiva, especificamente, o clima é outro. Como o gato de sete vidas, Dilma sobrevive mais uma semana; e tal como o lema dos sobreviventes, vai afirmando: “só por hoje, só mais um pouco, vamos nos segurar só mais um pouco”. Se a campanha for considerada como atingida por alguma- algumas – irregularidades (através da ação tucano-udenista no TSE), cai a chapa toda, e tal fato pode implicar em uma ampla debandada do PMDB para alguma outra legenda. Este risco é real e a ação pode impugnar os dois mandatários.