Convido os leitores do pago a fazerem uma viagem imaginária rumo a uma situação hipotética. Suponhamos que uma operação policial aconteça diante de um dos hotéis localizados defronte da Rodoviária de Porto Alegre. O Batalhão de Operações Especiais (BOE) e o Pelotão de Operações Especiais (POE) do 9º BPM da capital cercam ao edifício. O mesmo não está evacuado, portanto está pleno de hóspedes e trabalhadores da rede hoteleira. De uma das janelas, um dos meliantes atira contra as viaturas. Da calçada, inicia uma fuzilaria indiscriminada contra tudo o que se mexa.
Aposto o que quiser, abro o pala na beira da cancha e jogo até as calças que, se isso vier a acontecer um dia, cai o Secretário de Segurança do momento e o Comandante e o Sub da Brigada Militar. Isso se o governo todo não cair. Já no Rio de Janeiro, não. Por detrás da mira ocular dos fuzis de assalto das polícias, as câmaras e lentes midiáticas se localizam e tomam posição de tiro. O furo jornalístico vira correspondência de guerra, com a devida censura.
De vez em quando, algum “gênio” das redações afirma que “civis também foram feridos” no conflito. Ora, se há civis em zona de conflito, portanto estamos em guerra, certo? Errado. Não há regime de exceção, nada acontece nos bastidores da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro – antro chaguista, coisa de dar inveja e fazer passar por amadores os nossos albergueiros – e o Jogo do Bicho deita e rola. As matérias só têm números, conforme já gritei antes, mataram até o lide (ou lead) e não foi em nome do jornalismo literário nem do new journalism.
Na favela da Coréia, ocorreu uma “invasão de 500 policiais civis”, palavras essas saídas da boca do gaúcho, delegado federal lotado como Secretário de Segurança do governo do filho do sambista, José Mariano Beltrame. Primeiro que invasão é em território inimigo, e pelo que se sabe, nenhuma das comunidades de favela está sob controle de uma força guerrilheira estabelecendo um santuário. Segundo, a polícia civil, uma aberração do aparelho repressivo brasileiro, era para ser investigativa. O que menos se faz na “guerra carioca-fluminense” é investigar. Aliás, não se investiga nada.
A exceção vira norma; munidos de mandados judiciais (o que é coisa rara), a mesma civil e sua tropa de elite (ué, civil tem tropa???) ocupam e invadem a favela da Mineira. Atiram do asfalto em direção ao morro. Toda a população fica à mercê das balas. E por quê? Pelo simples fato que no dia seguinte aos fuzilamentos de crianças de 4 anos não tem um policial sequer nas zonas de “invadidas na véspera”. E o tal do 4º Poder? Ah sim, está preocupado em debater o roteiro de um filme, roteiro esse que inverteu todo o sentido do livro que dera origem a esta mesma obra.
Nota publicada originalmente no portal de Claudemir Pereira