14 de janeiro de 2016, Bruno Lima Rocha
Como construir um partido político de esquerda sem projeto político? Como falar em socialismo sem uma projeção de sociedade? Como caracterizar uma etapa se não há objetivo finalista, sem uma via estratégica, sem a dimensão tática correspondente? O maximalismo só atende ao nível da filosofia política, mas fazer política de forma séria, consequente e por esquerda prevê um – ou alguns – projetos de acumulação de forças que vão se encontrar ou desencontrar ao longo da via. Desde que o muro caiu a maior parte da esquerda restante, da ex-esquerda, no caso da América Latina do campo classista e nacional-popular, perdera esta dimensão de metas de médio e longo prazo na política e acabam jogando o jogo do liberalismo, mesmo que por tabela.
Até o final da Guerra Fria era mais “fácil”, pois mesmo com críticas ao carcomido e horroroso modelo soviético, ainda havia abundante ilusão e fantasia autoritária (não entre os libertários), como a tese absurda de partido único e formação de vanguardas políticas. Centenas de milhares de militantes sinceros em nosso Continente deram a vida por projetos semelhantes, com especial ênfase nas organizações político-militares, alternativa do nacionalismo de esquerda e do marxismo latino-americano ao modelo de partido comunista, seja este descendente do SPD original – onde Marx militou – ou de sua derivação mais conspiratória, com origem leninista. Em nosso país, o exemplo acabado e reivindicado – pelo exemplo – é o de Carlos Marighella e seus correligionários. Mas, não há uma linha sequer em algum documento da ALN afirmando como seria o sistema político, o sistema jurídico, a base econômica sob controle coletivo e outros aspectos fundamentais da vida em sociedade. Todo o respeito para quem se jogou por um mundo melhor, mas ajuda saber como pensavam o que seria – será – este mundo. O que não existe em teoria não se realiza na sociedade.
A crise política pós-Guerra Fria vem daí, da ausência de teoria de ruptura. O que temos de viúvas do eurocomunismo reivindica este Marx já criticado do SPD e acabam compondo a social-democracia como ideário máximo dentro do sistema capitalista. Não adianta tergiversar, buscar debates escapistas ou fugir da polêmica. De forma e séria e contundente há de se perguntar para toda força política no campo da esquerda: “Companheiro, companheira, o quê vocês querem? Onde querem chegar? Qual o caminho para atingir este objetivo? Porque tem ou não adesão às vias eleitorais? Qual o limite do jogo institucional para vocês?” Sem esse debate franco não há caminho a seguir e tudo não passa ou de luta reivindicativa – o que é bom, mas sem projeto não acumula para além dos momentos de ascensão – ou pior, termina esta energia social sendo canalizada para a jogatina eleitoral.
Utopia não é devaneio e nem demência, é o lugar a ser construído, o ideário onde de forma racional e consequente aqueles e aquelas aderentes a um conjunto de ideias (ideologia) se organizam politicamente para tal. Especifismo (o anarquismo politicamente organizado como força classista e popular) é isso, é só isso, é tudo isso. É tudo isso com a democracia direta em todos os níveis, sem aderir à venda casada do liberalismo, aonde a “democracia” vem junto da “liberdade” econômica.
É este o debate que deve ser feito – sim estou defendendo que sejamos francos uns com os outros ao menos uma vez na existência – sem subterfúgios, sem manobras de assembleias com boiada votando conforme o capa preta manda, sem papagaiada de formação hierárquica e jogo de cena para a torcida. E, pasmem, este é o debate que todas as forças evitam, evitam ao máximo, porque esta discussão consequente obriga a um nível de compromisso e autocrítica que não condiz mais com as práticas autoritárias, personalistas, descomprometidas, e não sobrevivem a chavões que são aplicados como panaceia autoexplicativa, como: “os fins justificam os meios”; “política é um jogo dialético”, “tem de ver a correlação de forças e fazer as alianças possíveis para o momento”…Sim, e para que? Por quê? Com quem? Com quais ferramentas?
O debate está aberto e este analista não tem delegação para falar em nome do coletivo, mas sim, como todos e todas que aderem ou apoiam, tem o dever de levar adiante as ideias coletivas e torna-las socialmente aplicáveis e compreendidas. A palavra de ordem e ideia guia construir um povo forte é isso. Criar, reforçar, um conjunto de entidades de base ou movimentos massivos que tenham a articulação interna e o poder necessário para tentar vetar o que não é favorável às maiorias e acumular forças para modificar a correlação de forças com independência de classe. É o mínimo para apontar no rumo de uma política massiva, de base, mesmo dentro desta democracia indireta mas com disposição para transformar as relações sociais a partir das lutas coletivas.
Aonde chegar e qual sociedade se quer organizar é outro debate. Há consensos bastante ampliados a este respeito e pode ser tema de outro texto. Por agora, fica a pergunta: Se não há um projeto concreto de poder do povo, que esquerda é essa?